Quando comecei a ter barba e ser lido socialmente como homem as formas de tratamento comigo mudaram radicalmente. Como lésbica eram duas as possibilidade “moça” ou “menina”, claro que me refiro aos tratamentos cordiais. Os não cordiais, obviamente, sempre pretendiam demonstrar o lugar do homem que eu nunca atingiria. Fato é que ser lido como homem me apresentou um universo desconhecido dos sistemas de sexo/gênero.

De ponta a ponta do Brasil todas as expressões que já ouvi remontam um lugar-comum, não só de poder, mas de camaradagem, lugar fraterno, acolhedor e quentinho. Qualquer semelhança com o não desmame de alguns homens não é mera coincidência.

E não ao acaso é assim, homens amam e respeitam outros homens a tal ponto que criam e alimentam apelidos e formas de tratamento carinhosas e que reforçam seus lugares de poder ininterruptamente. Associados a esses tratamento interno há também aspectos que incrementam esse poder simbólico socialmente.

Se, por exemplo, você é um homem cis branco com um carro moderno e caro, provável que escolham tratá-lo como patrão, chefe, doutor. Não à toa, nesse exemplo, a forma de tratamento ambienta uma lógica colonial e reforço do racismo e da classe.

Formas de tratamento são jeitos impronunciáveis de falar sobre lugar de fala. Ao contrário da fraternidade, as formas de tratamento da mulheridade cis ou são bastante restritas ou falam sobre uma horizontalidade perniciosa, sabe? Chamar todo mundo de miga, nessa análise parece dizer “vocês são todas iguais.”

De bobagem em bobagem perpetramos muitas aberrações sociais que julgam por exemplo, um estupro como “culposo, sem intenção de estuprar”. Os homem cis brancos heterossexuais não estão só acima da lei como a produziram na intenção de protegê-los ao mesmo tempo em que produzem a subalternização das mulheres.

Não tem fórmula mágica pra resolver isso, meu jeito de fazer é romper com os silêncios do poder, anunciar a hierarquia na tentativa de destrui-la para que juntes possamos arar novos terrenos e avaliar em parceria o que se pode construir no lugar, se é que é necessário, para os que estão chegando nesse mundo na esperança de que façam, ao menos, um pouco melhor que nós.