Por Carolina Iara, codeputada estadual com a Bancada Feminista do PSOL e a primeira intersexo a ocupar um vaga legislativa no Brasil

No último dia 23 de agosto foi aprovado na Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei 426/2022, de autoria da Bancada Feminista. O PL institui a data de 26 de setembro como o Dia de Conscientização Contra a Mutilação Infantil no município de São Paulo. O projeto foi aprovado na Câmara e segue para sanção do prefeito Ricardo Nunes.

A aprovação desse PL significa uma conquista fundamental de visibilidade para a população intersexo, da qual faço parte. Representa o reconhecimento, por parte do Estado, da sua existência e, mais do que isso, admite a prática da mutilação genital infantil, o que ela representa e a necessidade de combatê-la.

Atualmente, estima-se que cerca de 2% da população seja intersexo, isto é, nasça com genitais e, ou aparelho reprodutor ambíguo. Aqui, no Brasil, essa estimativa indica a existência de mais de 4 milhões de pessoas intersexo.

Além da invisibilidade, uma das maiores violências promovidas contra as pessoas intersexo é a realização de cirurgias de maneira compulsória para ‘retificar’ o sexo de bebês, uma violência que tem nome: mutilação genital infantil.

A violência também cria uma situação na qual muitas pessoas intersexo não sabem que o são ou descobrem apenas quando adultas, além de não necessariamente se adequarem ao gênero designado para elas de maneira arbitrária.

Sobre o PL

O PL426/2022 foi elaborado em parceria com a Associação Brasileira de Intersexos (Abrai) e a Rede Brasileira de Pessoas Intersexo (Rebrapi), sendo a escolha do dia 26 de setembro uma homenagem ao pequeno Jacob, filho de Thais Emília Campos, psicanalista e presidente da Abrai. Jacob foi o primeiro bebê intersexo assumido pelos pais no Brasil e no mundo. Ao nascer, os médicos se recusaram a entregar para seus pais sua declaração de nascido vivo (DNV), sem a qual não é possível registrar um bebê no cartório. A DNV foi negada com a justificativa de que não era possível definir o sexo de Jacob. Sem documentos por 2 meses, a criança teve direitos fundamentais negados, principalmente o direito à saúde.

Diante do que ocorreu com Jacob, Thais Emília Campos acabou sendo parte da articulação do atual movimento intersexo brasileiro. Eu, Thais, Amiel Vieira e Olivia Bernardi, entre outros ativistas, juntes, fundamos a Abrai e demos corpo à nossa pauta de reivindicações.

Hoje, é possível registrar um bebê com o sexo ‘ignorado‘, uma conquista fundamental do movimento intersexo. Nossa principal batalha é erradicar os procedimentos precoces e garantir o respeito aos corpos de bebês intersexo. Com a aprovação dessa lei, o município de São Paulo se coloca na vanguarda da luta pela garantia dos direitos humanos das pessoas intersexo. Grande vitória da nossa mandata municipal, da Bancada Feminista do PSOL. Agora, o próximo passo é pressionar o atual prefeito para que sancione o projeto.