Uma notícia causou dor e espanto no país no início da última semana com cenas vinculadas centenas de vezes em diferentes meios de comunicação e redes sociais, sem alertas de gatilho: expunha a “olhos nus” uma mulher gestante na maca de um centro cirúrgico sendo estuprada pelo anestesista responsável pela cesárea.

A brutalidade das cenas, repetidas inúmeras vezes, falam de uma sociedade que tem verdadeiro ódio às mulheres. Misoginia e racismo dão conta da explicação de tal violência.

Devemos negar veementemente a narrativa que coloca o estuprador apenas como alguém doente, sinalizando que trata-se de um distúrbio, uma anomalia, algo fora da regra. Sabemos que infelizmente o Brasil registrou 7 estupros por hora no primeiro semestre deste ano – uma parcela importante das vítimas com 14 anos. A ideia da vulnerabilidade da vítima está sempre implícita nestes atos, seja através de sedativos ou seja através da confiança de uma menor de idade.

Esta violência da qual assistimos assume diferentes formas e não se encerra em apenas uma definição. Vejamos: a mesma mulher que sofre a violência sexual, no mesmo momento sofre com a violência obstétrica e é vítima indireta da lógica racista do país. A Lei Federal n° 11.108/2005, Lei do Acompanhante, determina que os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito ao acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. Esta mulher teve esse direito negligenciado, o que a deixou mais vulnerável. Sem mencionar a necessária humanização dos procedimentos obstétricos, que indicam a importância do contato mãe-bebê imediatamente ao nascimento. Infelizmente, o alto nível de sedação daquela mulher também a impediu de exercer esse direito. Notem que aquela criança começa também naquele instante a ter seu direito violado, ao ser ausentada da presença da sua mãe nos primeiros instantes de vida.

Muito longe de ser acidental, a violência de gênero e racista está na raiz da estrutura institucional básica da sociedade capitalista. Está nos procedimentos dos hospitais que não visam a proteção desta mulher, está nas instituições educacionais que não educam para o conhecimento e para autonomia das mulheres e assim sucessivamente.

Estas violências possuem uma carga histórica no Brasil, um país de mais de quatro séculos de escravização. Onde até há poucas décadas o estupro de mulheres negras escravizadas era tido como atos consensuais entre a Casa Grande e a Senzala. O estupro de mulheres escravizadas era arma para manter sob o julgo do trabalho forçado negros e negras em nosso país. O fato é que a escravidão foi a base econômica da nossa sociedade, e podemos também traduzir esta afirmação dizendo que a base da sociedade brasileira foi forjada através da violação sexual de mulheres escravizadas.

Portanto, ao nos depararmos com essa pandemia que é a “cultura do estupro”, com a normatização da violência sexual, precisamos retomar a nossa história, para compreender a lógica de tal atrocidade.

Como reação ao que está posto, para além da dor e ódio que isso nos causa, precisamos ver as formas de superaração, que emergem nesse caos. Nós mulheres temos sido alvos sistemáticos de violência, mas também temos sido protagonistas das maiores mobilizações de rua mundo afora. A denúncia deste caso só foi possível pela ação de enfermeiras, uma categoria majoritariamente feminina, que organizou uma forma de flagrar o que vinha ocorrendo. O fato é que as nossas experiências comuns de violência podem gerar redes de solidariedade e ação que salvam nossas vidas. Mas isto não é suficiente. Queremos ter o direito à liberdade, e como diz Nina Simone, “liberdade é não ter medo”.

Nossa tarefa está posta, mas ela não se limita às mulheres, ela é uma chamada a todos que não suportam mais o nível de horror que se instaurou no Brasil. É a hora de construirmos um outro país, onde mulheres andem livremente, sem medo de serem violadas pela ação de machistas racistas.

Bancada Feminista do PSOL – mandato coletivo na Câmara Municipal de São Paulo composto pelas covereadoras Silvia Ferraro, Paula Nunes, Carolina Iara, Dafne Sena e Natália Chaves e pré-candidatura coletiva para a Assembleia Legislativa de São Paulo composta por Paula Nunes, Carolina Iara, Simone Nascimento, Mariana Souza e Sirlene Maciel.

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