Para atingir a quarta meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), o financiamento da educação deve se tornar uma prioridade de investimento internacional e também nacional. Além disso, medidas como tornar a educação gratuita e obrigatória, aumentar o número de professores, melhorar a infraestrutura escolar básica e abraçar a transformação digital são essenciais.

Esses são alguns dos resultados do Sustainable Development Goals Report 2023: Special edition (Relatório de Monitoramento dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Edição Especial, em tradução livre), da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, lançado na segunda (10) pela ONU, no Fórum Político de Alto Nível 2023, em Nova York (EUA), onde estou acompanhando e pautando os debates presencialmente. Acesse o relatório aqui.

Para alcançar os marcos de referência nacionais do Objetivo 4 (da educação), cuja ambição é reduzida em comparação com as metas originais deste objetivo, 79 países de renda baixa e média-baixa ainda enfrentam uma lacuna de financiamento anual média de US$ 97 bilhões.

Nós, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – que tem status consultivo no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) -, estamos acompanhando e pautando os debates in loco no Fórum, como representantes da sociedade civil, na minha figura, enquanto coordenadora geral da Campanha, e na de Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e membro do Comitê Diretivo da Campanha.

Se não houver medidas adicionais, a ONU estima que 84 milhões de crianças e jovens ainda estarão fora da escola; aproximadamente 300 milhões de estudantes vão carecer das habilidades básicas de numeramento e alfabetização necessárias; e apenas 1 em cada 6 países atingirá a meta universal de conclusão do ensino médio até 2030. No caso do Brasil, se o Novo Ensino Médio não for revogado e substituído por uma política que garanta o direito à educação, seguiremos em derrocada.

O progresso em direção à educação de qualidade já era mais lento do que o necessário antes da pandemia, mas a covid-19 teve impactos devastadores na educação, causando perdas de aprendizado em 80% dos países estudados.

Este texto retoma relatos e avaliações que postei ao vivo no Twitter.

Imagem: Relatório de Monitoramento dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) 2023 / Fórum Político de Alto Nível 2023 / ONU

O acesso a instalações escolares básicas é essencial para ambientes de aprendizado seguros e propícios, mas uma em cada quatro escolas primárias em todo o mundo carece de serviços básicos como eletricidade, água, saneamento e instalações para lavar as mãos.

No Brasil, também temos uma situação desafiadora sobre esses insumos. Nós, da Campanha, estamos engajados com a regulamentação por meio do Sistema Nacional de Educação (SNE) e implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), já constitucionalizado no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). E somos parte do projeto Sede de Aprender, com o Ministério Público do Alagoas (MP-AL), para garantir água potável e saneamento em todas as escolas do país.

O acesso a computadores, internet e instalações adaptadas para deficientes é ainda menor, com menos de uma em cada duas escolas primárias tendo acesso, em média. O acesso é maior nas escolas secundárias inferiores e superiores. As regiões com menor acesso a instalações básicas incluem a Ásia Central e Meridional, a África Subsaariana e a América Latina e o Caribe.

No entanto houve algum progresso, com o acesso à eletricidade na escola primária aumentando em mais de 10 pontos percentuais desde 2012. O acesso a computadores e instalações adaptadas para deficientes, essenciais para a participação de alunos marginalizados, também melhorou em quase cinco pontos percentuais.

Assegurar que todos os professores possuam as qualificações mínimas exigidas para a sua profissão é crucial para alcançar uma educação de qualidade. Para tal, precisamos ter garantia de condições de trabalho, remuneração adequada e uma carreira digna.

No entanto, em 2020, mais de 14% dos professores ainda não estavam qualificados de acordo com as normas nacionais, com disparidades consideráveis entre países e regiões.

A África Subsaariana enfrenta o maior desafio, com as porcentagens mais baixas de professores formados no ensino pré-primário (60%), primário (69%) e secundário (61%) entre todas as regiões. A pandemia da covid-19 interrompeu gravemente a educação, afetando a força de trabalho docente na maioria dos países. Para manter o acesso, os professores tiveram que se adaptar a novos conceitos e métodos pedagógicos, para os quais muitos não estavam preparados.

Educação e Desenvolvimento Sustentável em perigo

“A não ser que ajamos agora, a Agenda 2030 se tornará um epitáfio para um mundo que poderia ter existido.” Essa é a mensagem de António Guterres, secretário-geral da ONU, no relatório de meio período.

Não deixar ninguém para trás. Esse princípio é definidor da Agenda 2030. Mas na metade do caminho para 2030, essa promessa está em perigo. É necessária uma mudança fundamental – em termos de compromisso, solidariedade, financiamento e ação – para colocar o mundo em um caminho melhor. E é necessário que seja agora.

Os primeiros esforços após a adoção dos ODSs produziram algumas tendências favoráveis. Nos últimos três anos, contudo, a pandemia da doença do coronavírus (Covid-19), a guerra na Ucrânia e os desastres relacionados ao clima exacerbaram o progresso já vacilante.

Uma avaliação das cerca de 140 metas para as quais há dados de tendências disponíveis mostra que cerca de metade dessas metas está moderada ou severamente fora do rumo; e mais de 30% não viram nenhum movimento ou regrediram abaixo da linha de base de 2015.

Sob as tendências atuais, 575 milhões de pessoas ainda viverão em extrema pobreza em 2030, e apenas cerca de um terço dos países atingirá a meta de reduzir pela metade os níveis nacionais de pobreza. O mundo está de volta a níveis de fome não vistos desde 2005, e os preços dos alimentos permanecem mais altos em mais países do que no período de 2015-2019.

Do jeito que as coisas estão indo, levará 286 anos para fechar as lacunas de gênero na proteção legal e remover as leis discriminatórias.

Uma pequena janela de oportunidade está se fechando rapidamente para limitar o aumento das temperaturas globais a 1,5 grau Celsius, evitar os piores impactos da crise climática e garantir justiça climática para pessoas, comunidades e países na linha de frente da mudança climática. Os níveis de dióxido de carbono continuam a subir – a um nível não visto em 2 milhões de anos.

No ritmo atual de progresso, as fontes de energia renováveis continuarão a representar uma mera fração de nosso suprimento de energia em 2030, cerca de 660 milhões de pessoas permanecerão sem eletricidade e cerca de 2 bilhões de pessoas continuarão a depender de combustíveis e tecnologias poluentes para cozinhar e se alimentar. Grande parte de nossas vidas e saúde dependem da natureza, mas pode levar mais 25 anos para interromper o desmatamento, enquanto um grande número de espécies em todo o mundo está ameaçado de extinção.

A falta de progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é universal, mas está claro que os países em desenvolvimento e as pessoas mais pobres e vulneráveis do mundo estão sofrendo o peso de nosso fracasso coletivo. Este é um resultado direto de injustiças globais que remontam a centenas de anos, mas ainda acontecem hoje. Os efeitos combinados do clima, da covid-19 e das injustiças econômicas estão deixando muitos países em desenvolvimento com menos opções e ainda menos recursos para tornar os Objetivos uma realidade.

Financiamento

No encontro, também foi divulgado o relatório sobre Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável 2023 da ONU. Seguem alguns destaques do documento:

“O mundo está ficando sem tempo para resgatar os ODSs. A perspectiva de um mundo em que todos possam se beneficiar de assistência médica, educação e oportunidades, trabalho decente, ar e água limpos e um ambiente saudável está ficando fora de alcance. As razões são claras. A pandemia da covid-19 e a recuperação desigual atingiram duramente os países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos adotaram políticas fiscais e monetárias expansionistas que lhes permitiram investir na recuperação e retornaram amplamente aos caminhos de crescimento pré-pandêmicos. Mas os países em desenvolvimento não conseguiram, em parte, porque suas moedas entrariam em colapso. Voltando-se para os mercados financeiros, eles enfrentam taxas de juros até oito vezes mais altas do que os países desenvolvidos (LDCs) – uma armadilha da dívida”, diz trecho do texto.

“Como primeiro passo, exortei o G20 a ampliar o financiamento acessível de longo prazo para os países em desenvolvimento necessitados em pelo menos US$ 500 bilhões por ano – um pacote transformador de estímulo aos ODS. (…) Implementar o Estímulo ODS e acabar com a pobreza também exigirá mudanças mais amplas na arquitetura financeira internacional. Não resolveremos os desafios de hoje contando com o sistema que ajudou a criá-los” , afirma o secretário-geral da ONU, na introdução.

O texto continua destacando que esse relatório revela as maneiras pelas quais nossos sistemas atuais não são adequados para o propósito.

“As discussões sobre as reformas da arquitetura financeira internacional continuam, inclusive no G20, G7 e na Iniciativa de Bridgetown. É imperativo que as atuais pressões insustentáveis se traduzam em reformas que tragam um sistema financeiro global coerente, coordenado e mais inclusivo que apoie plenamente a realização dos ODSs e do Acordo de Paris.”

“Preocupa-me a pressão para a concessão de mais empréstimos por parte dos bancos multilaterais de desenvolvimento, quando os países estão alocando recursos mais para o pagamento da dívida pública do que à saúde ou à educação. Precisamos da anulação da dívida, de uma nova redistribuição dos DSE e da convenção fiscal da ONU”, afirma a economista boliviana Carola Mejía, integrante da Rede Latino-americana por Justiça Econômica e Social (LATINDADD), que também acompanha o Fórum.

Aponto, por fim, três mensagens principais que emergem do relatório deste ano:

1) São necessárias ações imediatas para expandir a cooperação para o desenvolvimento e aumentar os investimentos nos ODS. Choques globais recentes contribuíram para demandas sem precedentes de cooperação internacional para o desenvolvimento. Os crescentes desafios do desenvolvimento sustentável exigem soluções ousadas e novas da comunidade internacional. Os provedores de assistência oficial ao desenvolvimento devem cumprir seus compromissos. A expansão dos empréstimos por bancos multilaterais de desenvolvimento também pode aumentar a disponibilidade de recursos concessionais. A comunidade internacional deve apoiar o Estímulo ODS do secretário-geral para aumentar o financiamento acessível e de longo prazo para investimentos em desenvolvimento sustentável.

2) As lacunas na arquitetura financeira internacional devem ser abordadas. Embora algumas reformas institucionais estejam em andamento, muito mais ainda precisa ser feito, de forma mais oportuna e coordenada. Os esforços para abordar os pontos fracos da arquitetura atual devem ser abrangentes e alinhados com os ODS. É necessária uma ação concertada de todas as partes do sistema para tornar o sistema financeiro internacional adequado ao propósito de proporcionar o desenvolvimento sustentável. O processo de financiamento para o desenvolvimento nas Nações Unidas fornece uma plataforma para reunir diferentes discussões e fluxos de trabalho para aumentar a eficácia e a coerência das políticas.

3) Os países precisam de estratégias viáveis para acelerar transformações industriais sustentáveis. Políticas nacionais para aumentar os investimentos domésticos nos ODS são necessárias para que os países se beneficiem plenamente das reformas do sistema global. Incentivos de investimento para facilitar a transição para um sistema de baixo carbono, alinhando sistemas tributários e fiscais com os ODS e medidas regulatórias para impulsionar o financiamento de longo prazo para o desenvolvimento sustentável podem contribuir para transformações industriais sustentáveis.

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