Persistir. Chegar. Conquistar. Não é fácil, principalmente quando se trata de um empreendedor preto no Brasil, mas de uma coisa o chef João Diamante tem certeza: a melhor receita para o sucesso é acreditar no coletivo.

Diamante cresceu em uma favela no Rio de Janeiro, o Complexo do Andaraí. Preto e pobre, passou por diversas dificuldades sociais e econômicas, não muito diferente de quase 80% da população brasileira. Com base forte dentro de projetos sociais, através da cultura, arte e educação, conseguiu ultrapassar diversas barreiras ao longo de sua jornada. Hoje, é um dos chefs mais renomados do Brasil, dono de uma história de vida vitoriosa, mesmo com todas as dificuldades e adversidades.

Com um currículo de causar inveja, já trabalhou com uma das maiores lendas da gastronomia mundial, o chef Alain Ducasse no Restaurante da Torre Eiffel e é proprietário da Lanchonete ÉNóis, onde dá visibilidade a pequenos empreendedores. Além disso, é criador do Projeto Social Diamantes na Cozinha, no qual utiliza a gastronomia como uma ferramenta de transformação.

Dentre todos os prêmios que ganhou durante sua caminhada, está entre os 30 jovens mais talentosos e promissores do Brasil pela Revista Forbes. É jurado do programa “Minha Mãe Cozinha Melhor que a Sua”, da Rede Globo. Atualmente, Diamante trabalha com gastronomia, palestras, moda e é influenciador digital. Seus últimos feitos foram cozinhar para o Presidente do Brasil e mais 11 Chefes de Estado, lançou seu livro Receitas de Diamante, onde conta sua história de vida e apresenta algumas receitas, e abriu seu primeiro restaurante fixo que se chama Diamante, que fica no Rio de Janeiro, no bairro Maracanã.

Acompanhe nessa deliciosa entrevista mais sobre a trajetória deste grande cozinheiro e chef brasileiro. Com vocês, João Diamante:

André Menezes – O que é o projeto Diamante na Cozinha e como ele impacta a vida de pessoas que têm pouco acesso à informação e alimentação básica de qualidade?

João Diamante – Cara, o Diamante na Cozinha impacta de maneira muito ampla a vida das pessoas. Primeiramente, a vida social. As pessoas que se inscrevem no Diamante na Cozinha normalmente são pessoas pobres que vivem às margens, comunidades, periferias, que têm pouco conhecimento, e esse conhecimento oferecido para eles lá acaba libertando. Às vezes, eles acabam nem trabalhando diretamente com gastronomia, que é o que a gente oferece de conhecimento, mas eles saem de lá tão empoderados, entendendo que podem ir para onde quiserem, aonde quiserem estar, que eles conseguem retornar a sua vida social e sua vida profissional de alguma forma.

Falando diretamente no que o Diamante na Cozinha faz, utilizamos a gastronomia como ferramenta de transformação e inserção social, dando diversos cursos básicos de gastronomia, como técnica de cozinha, técnica de panificação, técnica de confeitaria, hospitalidade, empreendedorismo, marketing, tudo voltado à gastronomia. E aí, dessa forma, eles conseguem se colocar no mercado de trabalho, do setor de alimentos e bebidas, e também conseguem melhorar e tocar seu próprio empreendimento, ou abrir um empreendimento novo, virando um pequeno empreendedor. Isso também é muito importante. Dentro da grade do curso, eles têm a possibilidade de aprender sobre segurança alimentar e sobre nutrição.

Então, dessa forma, eles conseguem se alimentar melhor. Eles conseguem, ali, através de um conhecimento, entender que o legume, a fruta, os cereais fazem bem para a saúde, o porquê fazem bem para a saúde, e acabam se alimentando melhor. Sobre outra forma de impactar: um aluno do Diamante na Cozinha, ele impacta, pelo menos, cinco pessoas a sua volta. Tanto como conhecimento quanto financeiramente. Normalmente, essa pessoa que faz o Diamante na Cozinha é a pessoa que cuida da casa financeiramente. Ela consegue melhorar seu negócio, ou consegue um emprego fixo através do curso Diamante na Cozinha, impactando positivamente todo mundo que está a sua volta, porque leva alimentação, leva dignidade para dentro de casa, e leva conhecimento também.

André Menezes – Em julho deste ano, um relatório publicado pela ONU revelou que, no Brasil, há 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões estão em situação de insegurança alimentar. Ainda segundo o relatório, são 10 milhões de pessoas desnutridas no país. Na sua opinião, como é possível reverter esse quadro?

João Diamante – Primeiramente, com políticas públicas de qualidade. Precisa ter políticas públicas de qualidade para a gente trabalhar e lutar pela redução da fome. É muito importante ter políticas públicas de qualidade, onde vão dar condição de cada um cumprir o seu direito de pelo menos uma alimentação ao dia e sair dessa situação de vulnerabilidade alimentar, de insegurança alimentar. Então, políticas públicas acabam atingindo todo mundo ou uma grande parcela da sociedade. A segunda coisa é trabalhar a conscientização. Trabalhar o desperdício, trabalhar toda essa parte que é muito importante, que pode manter diversas famílias sendo alimentadas só com o que a gente desperdiça.

Então, isso também é uma ajuda muito grande. Terceira coisa são esses projetos sociais que trabalham com alimentos e bebidas, que inserem, que incluem na sociedade, de alguma forma, dando condição através do conhecimento. E outra coisa, a sociedade se organizar como sociedade civil e ser mais solidária, um ajudar o outro. Se tem no mundo todo, aproximadamente, 70 milhões e 300 mil pessoas em vulnerabilidade alimentar, e no Brasil 21 milhões de pessoas em insegurança (alimentar), existe mais do que o dobro, mais do que o quíntuplo de pessoas que não estão nessa situação.
Se cada um se solidarizar, se cada um for solidário com o próximo, ali, a gente vai conseguir sair dessa. Então, tem também a situação da galera, tanto cidadão quanto sociedade civil, se organizar para fazer uma corrente e ajudar o próximo.

André Menezes – Por que os programas de TV sobre alta gastronomia no Brasil gostam tanto de colocar os chefes franceses em destaque e acabam esquecendo de valorizar os profissionais brasileiros que são capacitados e estão aí com projetos incríveis como o Diamante na Cozinha e o Gastronomia Periférica?

João Diamante – Acredito muito que tenha essa postura dentro dos programas de televisão no Brasil por conta da colonização, né, cara? A gente sempre teve essa cultura de valorizar muito o colonizador e desvalorizar o que é nosso. E nós somos muito ricos e nós temos capacidade, como você mesmo disse na pergunta, para projetos incríveis, com pessoas incríveis, super inteligentes.

A grande questão no Brasil é que não é a alta gastronomia, não é o grande chefe francês, e sim o conhecimento. Aqui no Brasil, o conhecimento é privilégio e nem todo mundo tem acesso. Uma coisa que deveria ser, que deveria não, uma coisa que é direito de todo mundo, mas que não é cumprido ali à risca, é o conhecimento de qualidade. E aí, dessa forma, acaba que a grande maioria que se destaca são pessoas que têm um conhecimento, às vezes, um pouco mais elevado, de fora do que as pessoas que estão dentro (do país).

E as pessoas que estão dentro, que têm conhecimento, que correram atrás, que tiveram uma oportunidade, que isso é importante, dar a oportunidade, acaba ficando um grupo muito seleto, um grupo muito pequeno, um grupo privilegiado. E aí, dessa forma, abre mais espaço, ainda, para as pessoas que vêm de fora, que têm um nível de conhecimento maior. E a gente acaba tendo essa questão da valorização do colonizador e da desvalorização do que é nosso. Uma estratégia de um sistema para que isso fique muito barato, isso fique muito, muito corriqueiro, e que eles consigam valorizar o que eles querem. Mas, todo dia, a gente está brigando quanto a isso, a gente está buscando e está lutando para quebrar esse sistema através de projetos sociais, como o Diamante na Cozinha, Gastronomia Periférica, Escola Ivy Dias Branco, Gastromotiva, Chefe Aprendiz.

Então, tem várias outras escolas, outras instituições privadas, sociais ou públicas que estão fazendo esse trabalho muito bem feito e esse cenário vem mudando ao longo do tempo. Mas, é um trabalho de formiguinha, que a gente precisa continuar fazendo para poder ocupar nosso espaço, que é de direito.

André Menezes – Como você mantém a criatividade em sua cozinha? Você busca inspiração em algum lugar específico?

João Diamante – Hoje eu acabo tendo um privilégio de poder viajar o Brasil e o mundo todo, e dessa forma fica uma maneira mais latente de toda vez eu estar olhando uma coisa diferente no mundo, no Brasil, uma técnica diferente, um modo de fazer diferente, um ingrediente diferente, e isso ajuda muito a parte criativa. Então, isso fica muito mais fácil.

Eu sei que essa é a realidade de poucos, quase ninguém tem esse privilégio que hoje eu tenho, que eu tive através das oportunidades, através das políticas públicas, através da arte, da cultura e da educação. Consegui pegar essas oportunidades e transformar em coisas palpáveis, como esse privilégio que eu tenho hoje por conta do meu trabalho, viajar o Brasil e o mundo todo, e dessa forma ajudar muito a minha parte criativa. Mas o que eu gosto muito de fazer, para além disso que eu falei, da parte criativa, é pegar ingredientes que estão no dia a dia de todo mundo, de uma pessoa que é super humilde ali, que ela entenda como um ingrediente dela talvez “não nobre”, porque um sistema coloca língua, moela, coração, fígado como um ingrediente “não tão nobre”, fazer elas entenderem que não existe ingrediente nobre ou não nobre, e sim existe conhecimento, existe técnica. E se ela tem conhecimento, se ela tem técnica, ela faz esse ingrediente ser tão nobre quanto qualquer um. Mas, como eu já falei na pergunta anterior, conhecimento no Brasil é privilégio, né, cara? Nem todo mundo tem. Então é essa a busca que a gente tem através do Diamante na Cozinha e em outros projetos: é dar esse conhecimento para as pessoas para que elas consigam fazer preparações de alto nível com o que elas têm em casa.

André Menezes – Você acha que a pauta racial avançou no Brasil?

João Diamante – Eu acho que a gente vem em uma crescente bem interessante. Acho que depois da catástrofe que aconteceu com o George Floyd, nos Estados Unidos, a coisa deu uma reviravolta muito significante e eu senti isso no dia a dia como algo muito importante. Logicamente que a gente está muito longe de onde a gente quer atingir, de onde a gente quer chegar, aonde a gente pode estar como direito. Mas avançou muito, sobretudo depois desse momento.
A gente pode falar no momento antes de George Floyd, e depois da morte de George Floyd, infelizmente. As nossas grandes revoluções acontecem em catástrofe, você pode pegar a história toda aí e você vai observar isso. Mas após a morte de George Floyd, a evolução que teve aí não só no Brasil, mas no mundo sobre pautas raciais, foi muito grande e continua evoluindo, mas está longe do que a gente precisa ter.

André Menezes – Quais são as conquistas que você mais se orgulha até aqui?

João Diamante – As conquistas que eu mais me orgulho são as conquistas do coletivo. Mesmo que o mercado peça um nome quando ganhamos um prêmio, minhas conquistas são super coletivas. Ganhei a Medalha Pedro Ernesto na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, entrei para a lista dos trinta jovens mais promissores do Brasil (Forbes Under 30), mas isso tudo pelo trabalho coletivo que a gente faz, não só com a alta gastronomia, mas também através do projeto social Diamante na Cozinha, em que há o envolvimento de diversas pessoas para que isso possa acontecer.

Então, esse reconhecimento, de um trabalho coletivo que é feito há anos, é uma das maiores conquistas que a gente pode ter. Eu tenho a agradecer muito à minha esposa, à minha família, à minha mãe, minha filha, todas as pessoas que me rodeiam no Diamante na Cozinha, no grupo JD, que faz a gestão da minha carreira, no restaurante, tanto no Diamante Gastrobar, quanto na lanchonete Diamante. E o mais legal disso tudo é que viramos referência no Brasil.

Aliás, uma das coisas que me deixou mais impactado nos últimos anos foi o lançamento do nosso livro, que se chama Receita de Diamante, em que há parte da minha história atrelada às receitas.

Sobre o livro, ainda, aconteceu algo inusitado em um dos lançamentos em Macaé, quando uma criancinha, com no máximo 11 anos, começou a chorar de soluçar, e eu fui perguntar o motivo, e ela me disse que não tinha dinheiro para comprar o livro e ela queria muito o livro, que a minha história inspirava muito ela. Quando eu ouvi isso, eu senti uma grande responsabilidade. Ao mesmo tempo que sinto muito orgulho da minha trajetória, sinto que temos muita responsabilidade com o futuro do país.

André Menezes – E como foi passar pela pandemia de Covid-19 no Brasil? Foi possível ser solidário e manter o projeto ativo?

João Diamante – Olha, foram anos longos de pandemia e nessa época conseguimos doar mais de 20 mil toneladas de alimentos para diversas comunidades no Rio de Janeiro. Além disso, conseguimos levar também assistência médica, jurídica e financeira para pessoas que tinham pouco acesso e se encontravam em grande vulnerabilidade social, sobretudo onde a grande mídia falava com um determinado grupo de pessoas e não falava para a grande massa que também estava precisando. Um dos exemplos era: não saia de casa; o outro: usa álcool em gel. Poxa, naquela época, tinha gente que se não saísse de casa, iria morrer de fome, pois o Governo só foi ajudar depois de um tempo longo, e muitas pessoas não tinham nem dinheiro pra comprar comida, como iria comprar álcool em gel?

Então, conseguimos ficar na linha de frente, levando uma assessoria de qualidade, falando a mesma língua daquelas pessoas que normalmente moravam 8 pessoas em uma casa, sem saneamento básico, e nós conseguimos levar uma assistência bacana e fomos reconhecidos que fizemos na pandemia e foi grandioso.

André Menezes – Qual legado você quer deixar?

João Diamante – Eu acredito que o coletivo sempre se sobressai em cima do individual, e se cada um fizer a sua parte dentro do coletivo, a coisa vai funcionar muito bem. É aquela coisa de não deixar o peso apenas para um lado, é preciso distribuir o peso para chegarmos numa situação de equidade (em todos os sentidos). Dessa forma, conseguimos, certamente, projetar uma sociedade melhor. Por isso, todos os meus trabalhos são voltados para o coletivo. Eu até pensei que, depois da pandemia, as pessoas entenderiam melhor que sozinhos não somos nada. O Diamante na Cozinha ajuda as pessoas neste sentido, de entender que de onde elas saíram existem muitas pessoas na mesma situação e agora que elas conseguiram, podem fazer algo para ajudar nessa luta coletiva.

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