O Senado votou pela criminalização de quem come a comida estragada. Criminalizar o usuário de drogas no Brasil não vai diminuir o consumo de drogas e a violência alimentada pelo tráfico internacional de entorpecentes. Não diferenciar o traficante do usuário, criminalizando ambos, mesmo que a pena seja diferenciada, não promove avanço algum para a redução da criminalidade. É um retrocesso acreditar que criminalizar o porte de qualquer quantidade de drogas vai trazer algum impacto para a segurança pública. Esta visão ultrapassada só vai aumentar a violência e a perseguição aos jovens negros da periferia, que já são, todos os dias, alvos de batida policial, sem nenhum motivo explícito.

A PEC das drogas traz mais problemas do que soluções. Do ponto de vista jurídico, porque não diferencia o traficante do usuário, do usuário problemático de drogas daquele que é vítima e necessita de tratamento de saúde. Já o traficante, quase sempre confundido com jovens varejistas da periferia, é aquele que vende um produto e promove a cadeia do consumo, que lava dinheiro no jogo do bicho e em outros empreendimentos sem levantar desconfiança. Para que a justiça brasileira realmente avance nesta questão, é fundamental estabelecer esta diferenciação entre o usuário, dependentes químicos e  também os trabalhadores varejistas daqueles que comandam e se enriquecem com o tráfico de drogas, e, por isso, estão blindados nos condomínios de luxo.

No Brasil, quem é encarcerado e condenado tem um perfil bem definido – jovem, negro e pobre. As abordagens policiais não vão bater nos portões dos prédios chiques, das mansões e festas da zona Sul, onde se concentram os maiores consumidores de drogas pesadas. Não vamos ser inocentes. A maconha é droga da periferia, onde acontece, cotidianamente, batidas policiais por uso de drogas, em que jovens negros são covardemente agredidos, seja com 10, 15 ou 30 gramas de baseado.

Não queremos uma sociedade que não saiba os danos que as drogas podem causar, que seja alienada ou doente. Pelo contrário, a sociedade deve ter conhecimento e informação sobre tudo, para saber fazer boas escolhas. No caso das drogas, há o uso recreativo e há o risco de dependência química, assim como o álcool, que é uma substância liberada. Beba com moderação pode dar certo muitas vezes, e em outras não. Temos uma situação que exige atenção à saúde, mas proibicionismo e criminalização geram mais violência, e não têm sido pedagógicas para o jovem. Acredito que as campanhas educativas nas escolas e dos governos possam orientar, contribuindo para a formação de uma sociedade mais consciente.

Toda esta discussão em torno da PEC das drogas é uma reação conservadora contra o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de um caso sobre a quantidade de droga que diferencia usuário e traficante. O ministro Alexandre de Moraes votou pela não criminalização do porte apenas de maconha. A então presidenta da Corte, ministra Rosa Weber, também votou no mesmo sentido. Até agora, a maioria dos votos propõe critérios de quantidade para a diferenciação entre usuário e traficante.

Para os senadores que votaram favoráveis à PEC, este julgamento do Supremo pode acabar descriminalizando as drogas no país, o que não é verdade. Todos querem menos violência e mais segurança pública. Mas quem vai pagar o preço da ineficaz criminalização das drogas, do enriquecimento ilícito de políticos e personagens, por meio do tráfico internacional, das vidas que não tem preço, que se perdem, todos os dias, nas vilas e favelas?  A guerra às drogas pode ser muito reconfortante apenas para parcela de brancos e ricos.