É o que sinto recebendo a Medalha da Inconfidência e é o que toda mulher negra de periferia que supera cotidianamente desafios deveria sentir

Tenho muito orgulho dos lugares que ocupo hoje, ser uma professora da educação infantil, advogada popular, deputada estadual – uma das poucas mulheres negras da história da ALMG – e presidenta da Comissão de Direitos Humanos. É nesse lugar, que hoje posso contribuir efetivamente para as causas que acredito, e dar voz, aos que assim como eu, um dia se sentiram invisíveis para o Estado.

A notícia (convite), para receber a mais alta honraria do estado de Minas Gerais me traz a esse lugar de nostalgia, de reviver os caminhos que percorri até chegar aqui. Desde menina pobre, empregada doméstica, primeira da família a ter um diploma, até o reconhecimento pelo trabalho de defesa dos direitos humanos.

Foto via Mandato Andreia de Jesus

A Medalha da Inconfidência carrega consigo um legado importante da história de Minas e do Brasil: a luta por liberdade e justiça – valores pelos quais eu também luto todos os dias. E passados mais de 200 anos desde a revolta que dá nome a medalha, é inegável a influência que Tiradentes e seus companheiros tiveram para a criação do sentimento republicano, que mais tarde nos livraria das amarras coloniais.

É reconhecendo tudo isso, que eu também sei o peso que é, uma mulher negra e periférica, ser condecorada com um título que decorre de um período onde pessoas como eu nem sequer eram vistas com humanidade. É preciso, e é importante, lembrar que a Inconfidência não foi um movimento que pregava a abolição da escravatura. Na verdade, alguns dos homens que integravam o movimento eram “donos” de escravos. Faço isso, não para renegar a honraria que me é dada, pelo contrário, invoco o passado para demarcar a importância desse presente e para continuar a construir um futuro.

E mesmo nesses 70 anos, desde que a Medalha foi criada no Governo de Juscelino Kubitschek, tenho certeza que centenas de homens negros, e principalmente, mulheres negras, que se destacaram “pela notoriedade de seu saber, cultura e relevantes serviços à coletividade” não receberam justas homenagens. Mas a cada ano mais mulheres negras entram para esta seleta lista que já foi dominada por homens brancos.

Foto via Mandato Andreia de Jesus

Agradeço o reconhecimento do meu trabalho, da minha luta e da minha trajetória de vida, mas mais do que uma honraria individual, recebo esta medalha como uma mulher negra de periferia que como tantas outras supera cotidianamente desafios. Penso na minha mãe, irmãs, amigas, vizinhas que me inspiraram e inspiram para seguir avançando na defesa da vida, dos direitos humanos e do bem viver ancorado no coletivo. E dedico a elas esta conquista.

Receber o título de honra me leva a pensar também nos meus ancestrais, nos muitos heróis e heroínas negras que foram apagadas da história sem que isso, de forma alguma, diminuíssem suas contribuições para que eu e outras pessoas negras possamos ser livres hoje. Então agradeço também aos líderes da Revolta dos Malês, em especial Luiza Mahin, pela luta incansável pela liberdade.E agradeço a todos, e principalmente todAs que vieram antes de mim e me guiaram pela luta que tem valores de justiça, liberdade, união e república, assim como queriam os inconfidentes, mas que agora isso se estenda à todas e todos, e essencialmente aos que mais precisam.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

Colunista NINJA

Memória, verdade e justiça

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Dríade Aguiar

'Rivais' mostra que tênis a três é bom

Andréia de Jesus

PEC das drogas aprofunda racismo e violência contra juventude negra

Márcio Santilli

Através do Equador

XEPA

Cozinhar ou não cozinhar: eis a questão?!

Mônica Francisco

O Caso Marielle Franco caminha para revelar à sociedade a face do Estado Miliciano

André Menezes

“O que me move são as utopias”, diz a multiartista Elisa Lucinda

Ivana Bentes

O gosto do vivo e as vidas marrons no filme “A paixão segundo G.H.”

Márcio Santilli

Agência nacional de resolução fundiária

Márcio Santilli

Mineradora estrangeira força a barra com o povo indígena Mura

Jade Beatriz

Combater o Cyberbullyng: esforços coletivos