por Lígia Ziggiotti e Rafael Kirchhoff

Armários e direitos. Efeitos da racialização e da gendrificação dos corpos e dos desejos. Tensões e potências fora e dentro do movimento LGBTI+. Com todo este acervo, as inspiradoras mulheres por nós entrevistadas formam a coluna deste mês dedicada à visibilidade lésbica. Presenças sapatônicas revolucionárias dos espaços que ocupam, elas nos respondem sobre militância, desafios presentes e futuros para as suas pautas e atravessamentos de opressões múltiplas que recheiam de sentido a data de 29 de agosto.

ANAJUDH-LGBTI: Quais violências específicas podem ser destacadas como pautas importantes para conduzir os debates no dia da visibilidade lésbica?

Ananda Puchta: A violência psicológica e o assédio moral nos afetam cotidianamente, seja pela tentativa de invalidar nossos relacionamentos e afetos, seja pela tentativa de invisibilizar nossa existência nos espaços públicos e privados. No dia da visibilidade lésbica ainda é necessário marcar nosso protagonismo e ocupar todos os espaços possíveis para que, mesmo violentadas, continuemos resistindo e demarcando a existência dos corpos e corpas lésbicas.

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Ananda Puchta: Advogada, Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-PR (2019/2021), co-fundadora do Coletivo Cássia. Foi finalista no 24º Prêmio Claudia na categoria políticas públicas e participou como Fellow na Out & Equal Workplace Advocates.

ANAJUDH-LGBTI: Considerada a arena política, o movimento LGBTI+ tem conseguido disputar narrativas e obter alguns avanços dentro do sistema de justiça. Como ativistas e militantes lésbicas têm atuado nesse espaço e em que medida suas demandas são contempladas nas proposições do movimento?

Ana Carla da Silva Lemos: Menciono movimentos no plural por compreender que esses espaços são diversos e têm vários caminhos políticos. Nas últimas décadas, os movimentos têm ampliado os olhares, articulando as imbricações de gênero, raça, classe e sexualidade, especialmente porque a sexualidade é o cerne da opressão que direciona fortemente as ações, mas os demais marcadores têm saído, por assim dizer, do armário e dialogado mais interseccionalmente. Através desses amadurecimentos e organizações dos movimentos pelas de militâncias individuais, em grupos, redes, atuação nos espaços de controle social e gestão, tem-se ampliado as articulações políticas, o que contribuiu para o acesso ao sistema de justiça nos últimos anos, como doação de sangue, adoção, casamento. No entanto, sabemos que ainda precisamos avançar muito, pois no cotidiano ainda encontramos muitas LGBTfobias institucionalizadas. Para os casais lésbicos, considero a Lei Maria da Penha 11.340/206 um dos avanços, pois reconhece como violência doméstica as violências cometidas nas relações de conjugalidade.

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Ana Carla da Silva Lemos é lésbica feminista, negra, poeta, cientista social e mestra em Antropologia, pela UFPE. Integra o Instituto PAPIRO – Pesquisa Antropológica e Social, o FAGES – Núcleo de Família, Gênero e Sexualidade da UFPE, a Rede Nacional de Ativistas e Pesquisadoras Lésbicas e Bissexuais – Rede LesBi – Brasil.

ANAJUDH-LGBTI: Como o atravessamento racial é sentido junto aos movimentos lésbicos e como o atravessamento lésbico é sentido junto ao movimentos negros?

Giorgia Prates: Para a comunidade lésbica eu sou negra e para a comunidade negra eu sou lésbica. Mas nem sempre percebo que existe mesmo essa significação. Os movimentos, ainda que estejam lutando para modificar, transcender, as questões que afetam os nossos direitos humanos, ainda não conseguiram unificar essas questões. Toda pluralidade tem suas subjetividades. Ser lésbica na comunidade lésbica, por exemplo, significa entender que, embora não se trate de uma hierarquia de opressão, existem as singularidades. E entender que as lésbicas negras nem sempre vão ter as mesmas “facilidades” para se colocar na luta de maneira equânime. Esses atravessamentos precisam ser pensados porque, para além de tudo, existem muitas coisas em relação ao campo da afetividade e do amor que foram alteradas nas mais variadas violências desde o período em que as nossas ancestrais foram escravizadas. E, sendo uma mulher negra lésbica, o racismo, a misoginia e LGBTfobia são os pesos que nos consomem diariamente.

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Giorgia Prates é fotógrafa, fotojornalista e pré-candidata a vereadora na Mandata Coletiva das Pretas, em Curitiba.

ANAJUDH-LGBTI: Como você percebe o campo jurídico para a sua existência, como advogada lésbica, e para as pautas coletivas, como um espaço de concretização de direitos?

Andressa Regina Bissolotti dos Santos: Nos dois sentidos, o campo jurídico pode ser descrito como um desafio e um espaço de atuações que possibilitam a construção de direitos e de uma percepção social mais acolhedora de nossas existências. Um desafio, por ser mulher, e especialmente ser lésbica, é, em alguns casos, ainda razão de exclusões e invisibilizações. Isso força aquelas de nós que tem a dor e o privilégio de não serem imediatamente identificadas como lésbicas a constantemente fazer a difícil escolha de se revelar ou não, tendo em vista os riscos e/ou oportunidades que podem daí advir. Esse aspecto se mostra cotidianamente em nossa atuação profissional, como advogadas, professoras, pesquisadoras. No sentido da construção de direitos, o campo jurídico tem sido um relevante espaço historicamente na construção de uma sociedade mais acolhedora, construção essa que se está ainda por fazer. Atualmente, os direitos têm sido centrais para resistir a uma negação contundente de nossa existência, vinda de diversos espaços sociais e institucionais. Mas o direito é, ele mesmo, paradoxal. Assim como na escolha de revelar-se ou não, a decisão por mobilizar o aparato jurídico ou não requer também sempre um questionamento, no sentido dos riscos e possibilidades que podem daí advir.

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Andressa Regina Bissolotti dos Santos é Doutoranda e Mestra em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná, professora da Universidade Estadual de Maringá e da Faculdade de Pinhais, secretaria da ANAJUDH-LGBTI e da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/PR, integrante da Rede LesBi. Advogada.

Sugerimos harmonizar esta leitura com as obras “Controle”, de Natalia Borges Polesso, e com “Nimona”, de Noelle Stevenson. Lésbicas, as duas autoras apresentam, através de romance e de quadrinhos, respectivamente, expressões de vivências de gênero e de sexualidade fora do padrão hegemônico. Para assistir, são favoritos da ANAJUDH-LGBTI os filmes “Secreto e Proibido” e “Retrato de uma jovem em chamas”, ambos tematizando relações homoafetivas entre mulheres. E se o caso é sambar, Leci Brandão é uma boa pedida para o sábado.

Lígia Ziggiotti é doutora em Direitos Humanos e mestra em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, professora de Direito Civil da Universidade Positivo e vice-presidente da Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos LGBTI – ANAJUDH (@anajudh_lgbti).

Rafael Kirchhoff é advogado, militante de direitos humanos e presidente da ANAJUDH (@anajudh_lgbti).

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