Hoje, dia 28 de setembro, dia de latino-americano e caribenho pela descriminalização do aborto, eu não poderia tratar de outra coisa que não fosse esse direito sobre o nosso corpo que nos é negado.

Fernando Frazão/Agência Brasil

Descobrir que está grávida sem ter planejado é difícil. Passa uma série de coisas na sua cabeça. Me deparei com essa situação, como já falei nessa coluna antes, em abril deste ano (nossa, só fazem 5 meses as vezes parece que nem aconteceu). Eu tive a oportunidade de decidir se queria ter ou não. E mesmo tendo-a foi uma das decisões mais difíceis da vida. Optei em abortar. Em procurar uma forma de interromper a gravidez. Acabei não precisando fazer procedimento de forma ilegal.

Eu sempre penso nas mulheres que não tem a possibilidade de decidir!

E hoje, dia 28 de setembro, dia de latino-americano e caribenho pela descriminalização do aborto, eu não poderia tratar de outra coisa que não fosse esse direito sobre o nosso corpo que nos é negado. Não quero relatar o que eu passei e como me senti. Isso ainda dói e as marcas ainda estão aqui. Eu quero falar sobre dados, números, perspectivas e como acho que devemos fazer.

Quero dialogar e questionar a hipocrisia que hegemoniza o debate sobre o aborto no Brasil. Quando conseguiremos tratar a questão do aborto, ou melhor, o direito de decidir se queremos ser ou não mães sem a imposição de determinadas concepções morais e religiosas?

Os números não deixam dúvidas que o aborto ilegal é um perigo para a vida das mulheres. O aborto ilegal configura a quinta causa da morte materna no nosso país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 47 mil mulheres morrem todos os anos no mundo por complicações relacionadas abortos clandestinos. Quando iremos encarar essa realidade?

Criminalizar as mulheres é negar os seus direitos fundamentais, como os sexuais e reprodutivos, a autonomia da mulher, integridade física e psíquica e os direitos iguais independente do sexo, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nesse caso.

Você sabia que a sua vizinha, sua mãe, sua amiga, ou seja, pessoas mais próximas a vocês, também abortam? O rosto da mulher que aborta é o rosto de uma mulher comum, de uma mulher popular: 67% têm filhos, 88% declaram ter religião, sendo que 56% são católicas, 25% evangélicas ou protestantes e 7% professam outras religiões.

Em 2016, a pesquisa nacional de aborto mostrou que, aos 40 anos, aproximadamente uma em cada cinco mulheres do Brasil já tinham feito pelo menos um aborto (e confesso que a primeira vez que li esse resultado era algo tão distante da minha realidade!). Isso significa dizer que 503 mil mulheres, MEIO MILHÃO, fizeram aborto em 2015. Esse número é insignificante? Acredito que não.

1.300 mulheres por dia, 57 por hora, quase uma mulher por minuto!

Continuaremos negando esses números e criminalizando as mulheres? Até quando seremos obrigadas a carregar esse peso de ser clandestina?  E mais uma vez, não é uma decisão fácil como várias pessoas que são contra o aborto falam e saem espalhado de forma desumana e macabra que caso se legalize o aborto esse será um ato vulgarizado.

Enquanto as mulheres morrem buscando formas ilegais e inseguras de interromper a gravidez, um grupo de parlamentares, HOMENS, diga-se de passagem, intensificam no Congresso um bombardeio de leis que colocam em xeque o pouco que já conquistamos até agora. Querem que o Estado nos obrigue a manter uma gravidez indesejada.

 Veja o que tramita no Congresso Nacional:

PL 5069 de 2013 – Tem como autor o ex-deputado e atualmente preso por corrupção Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Amplia a tipificação do crime de aborto e retrocede nos direitos adquiridos sobre atendimento às vítimas de violência sexual.

Proposta de Emenda à Constituição – PEC 164 de 2012 – Também tem como autor o Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Altera a introdução do artigo 5º da Constituição Federal para estabelecer a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.

PEC 29 de 2015 (Senado) – Tem como autor o Senador Magno Malta (PR/ES) e vários outros. Idêntica à PEC 164/2012 (ver acima), também altera a introdução do artigo 5º da Constituição Federal para estabelecer a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. 

PL 478 de 2007 – Tem como autores o ex-deputado Luiz Bassuma (PEN/BA) e Miguel Martini (PHS/MG). Conhecido como “Estatuto do Nascituro”, baseia-se no conceito de “direito à vida desde a concepção” e transforma o aborto em crime hediondo. Sua aprovação significaria retrocesso total, já que elimina até mesmo a possibilidade da interrupção da gravidez nos poucos casos hoje permitidos, como estupro, risco de vida da gestante e anencefalia.

Lutar pela legalização do aborto e contra a criminalização das mulheres é também uma questão de classe! É garantir que a mulher, negra, pobre, da classe trabalhadora, nortista e nordestina tenha o direito à vida. Tenha o direito a completar seus estudos. A seguir trabalhando.

Num país como o nosso, onde classe, gênero e raça/etnia estruturam a pobreza e a exclusão, negar o direito ao aborto legal é contribuir para o processo de desigualdade econômica e social.

São as mulheres pobres, de maioria negra, as que mais sofrem com a criminalização do aborto. Por não terem acesso a médicos e clínicas privadas, são impedidas de recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para se submeterem ao aborto seguro, sendo obrigadas a realizar a interrupção da gravidez de forma insegura.

Precisamos criar um Fórum, com ONGs, movimentos populares e parlamentares, que discuta e proponha leis que levem em consideração os dados da realidade brasileira e encarem o silenciamento que as mulheres sofrem. Precisamos junto a isso, construir um 28 de setembro em luta nas ruas. Com as mulheres reivindicando o direito ao seu próprio corpo. Precisamos que a esquerda como um todo abrace essa pauta como parte da construção de um projeto de vida para as mulheres!

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