Foto: Mídia NINJA

As pessoas estão cansadas. Assoberbadas com as dificuldades (agravadas) de seu dia a dia. Enojadas com o noticiário da política, que, a cada dia, mais se mistura com o noticiário policial. Frustradas com a falta de resposta institucional aos protestos de massa contra as antirreformas do trabalho e da previdência.

Afinal, Temer continua, Maia assombra como sua sucessão imediata, Moro condenou Lula. É muita paulada na cabeça.

Como se nada bastasse, o governo anuncia aumento na tributação que rebate diretamente no preço dos combustíveis. Que repica no custo de vida de todos: transporte, alimentação, remédios, roupa. Inflação retroalimentada frente a salários contidos ou rebaixados.

Essa política econômica é um embuste do ponto de vista da retomada do crescimento. A LDO aprovada semana passada, a primeira dentro dos limites da PEC do Fim do Mundo, congela investimentos e reduz o gasto social. Portanto, o Estado brasileiro, historicamente o grande animador da economia, fica fora do jogo, arremessando para o buraco qualquer perspectiva de desenvolvimento. O custo do trabalho, deprimido, impede o mercado interno de desempenhar o papel que tem em outras “baleias”, como os Estados Unidos, a China, a Russia.

O preço do ajuste vai na conta dos pobres: não existe solução mais covarde, ou mais injusta, do que equilibrar orçamento através de tributação indireta. São os patos que grasnam e o povo que paga.

A tentativa de legitimação do golpe pela retomada da economia trafega pelas veias da população, privada das oportunidades que as políticas sociais de Lula e Dilma ofereciam e cada vez mais sacrificada nas soluções redistributivas (em favor dos rentistas) que o governo ilegítimo perdeu o pudor de anunciar.

Como em outros momentos de nossa história, as forças mais conservadoras, brandindo a bandeira do combate à corrupção, empreendem brutal ofensiva não só contra as recentes conquistas sociais, ainda tão embriônicas e insuficientes, mas contra as perspectivas soberanas da nação brasileira.

É assim que precisa ser compreendida a privatização fatiada da Petrobrás, o ataque à Nuclebrás, a entrega do satélite geoestacionário, o desmonte da educação superior, o desmanche do sistema brasileiro de ciência e tecnologia – cortado em quase 50% de suas já escassas verbas de sustentação. Isso num momento em que agências ranqueadoras como a Times Higher Education reconhecem que “o Brasil mantém a coroa”, alinhando 32 entre as 80 melhores universidades da América Latina, cinco entre as dez melhor classificadas.

“Eles” sabem, como nós, que, na presente etapa da evolução econômica, abrir mão do conhecimento crítico é deslizar para a irrelevância e para a subordinação internacional. Mas os compromissos colonizados que patrocinaram o golpe precisam esvaziar a inevitável vocação do Brasil como player global.

Por isso que a natureza labiríntica do golpe precisa ser desvendada. Flagrá-la em cada esquina, de onde acomete sem pena e em todas as frentes. Desafio redobrado para a militância parlamentar.

A pauta do Congresso, atropelada pelas antirreformas, inclusive a antirreforma política, asfixiou-se ainda mais com o imperativo da instauração de processo contra Temer no STF. Votos à venda, mandatos completamente segregados da representação popular. O nojo pode competir com a lucidez na definição do norte para a luta.

Numa bela entrevista a Sul21 semana passada Juarez Guimarães alertou que “qualquer pensamento político que se estreitar no plano da legalidade jurídica estará cometendo um gravíssimo erro.” Também alertou que nada pode ser mais desmobilizador neste momento do que reduzir nossa agenda à disputa de 2018.

Os golpistas, engalfinhados numa luta de morte entre a Globo e AecioTemer, com Eduardo Cunha como espectador privilegiado, unificam-se em uma tática central: tirar Lula da disputa pela perversão da norma jurídica, degradada em lixo, como bem observou Leonardo Avritzer.

Uma ironia: quanto mais atacado Lula em sua honra (condenado pelo inqualificável juiz Moro à perda… adiada de sua liberdade), mais defendido é Lula pelos brasileiros.

A revista Veja e os tucanos esperançosamente dispararam enquetes para medir o quanto a sentença de Moro tirava do lustre de Lula. Surpresa total. Acostumado a lidar com injustiças, o povo reconhece-se em Lula: não só resiliência e bravura, mas também réu de malfeito que não cometeu.

Por isso a argúcia recomenda que espreitemos o horizonte pela fresta. As muitas pedras que se avolumam no caminho (a permanência de Temer ou sua troca por Maia, a pauta do arrocho e a destruição do Estado nacional) serão dinamitadas por uma teimosia que espelhe a de Lula. E a da grande maioria do povo brasileiro a quem a história do país reservou muito mais desafios do que oportunidades.

O enfrentamento do golpe não é uma trajetória linear e previsível. Diz o épico português: “as coisas árduas e lustrosas alcançam-se com trabalho e com fadiga.” E, entretanto, nada brilha mais na vida do que a vitória obtida sobre a opressão.

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