Em abril, mobilizações indígenas acontecem no momento em que a preservação de Áreas Protegidas para a produção das chuvas e regulação do clima está em debate no Estado

*Por Rafael Nunes, analista de políticas climáticas do Instituto Socioambiental (ISA)

Entre 2 e 5 de abril, aconteceu o 2º Acampamento Terra Livre (ATL) em Cuiabá, na Praça Ulysses Guimarães. Organizado pela Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT), a mobilização precede o ATL Nacional, que será realizado no fim do mês em Brasília. Em Mato Grosso, o mote do encontro foi “Construindo nossas perspectivas territoriais e de direitos!”.

Por mais que a discussão sobre os direitos territoriais indígenas possa parecer distante da maioria das pessoas nos centros urbanos, o ATL tem ganhado maior importância.

Isso porque, especialmente em Mato Grosso e na Amazônia Legal, as Terras Indígenas e outras Áreas Protegidas, como Unidades de Conservação, são os locais que garantem a produção das chuvas vitais para as populações urbanas e rurais no Cerrado e nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do país. Se esses territórios não forem conservados, o regime de chuvas em todas essas regiões será comprometido.

Não por acaso, um dos temas em debate no ATL foi a gestão territorial das Terras Indígenas e o Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso. Assim como o direito territorial originário, o Zoneamento Socioeconômico Ecológico é um tema de debate que fica em segundo plano diante do nosso corrido cotidiano.

O instrumento do Zoneamento servirá para planejar a expansão e uso do solo em Mato Grosso pelos próximos dez anos, de modo a considerar as variáveis sociais, econômicas e ecológicas. É por essa política que o Estado organizará o seu crescimento e definirá áreas prioritárias para conservação e para o desenvolvimento de atividades econômicas.

Uma década é tempo suficiente para populações urbanas dobrarem de tamanho, como é o caso de Querência, e zonas metropolitanas, como Cuiabá-Várzea Grande, terem incremento de quase 20% em sua população. Em diversos locais do estado, paisagens inteiras mudaram com a conversão da vegetação nativa em plantios, com a construção de hidrelétricas e outras infraestruturas. Mudou assim a forma de se utilizar a água e a própria forma como o regime de chuvas se comporta.

Mato Grosso é um Estado com três biomas e cujas bacias hidrográficas são essenciais para alimentar tanto o sistema de águas amazônico quanto o importante Rio Paraguai e seu vasto Pantanal, que neste ano apresentam os níveis mais baixos já registrados.

Aqui também se encontram 43 Povos Indígenas e a maior diversidade etnolinguística do mundo, no Território Indígena do Xingu (TIX), onde também existe um alto número de espécies de animais e plantas endêmicas, raras, algumas ameaçadas de extinção.

São esses fatores que sustentam a condição climática e hídrica necessária para que Mato Grosso continue a ser um dos maiores produtores de grãos, algodão e proteína animal do Brasil e do mundo. A produtividade do agronegócio se encontra ameaçada, com perdas consideráveis de safra nos últimos anos, justamente por conta da imprevisibilidade climática e mudanças no regime de chuvas devido à substituição das vegetações nativas do Cerrado, Amazônia e suas transições.

Quando analisamos os focos de incêndio florestal dos anos anteriores e de 2024, fica evidente a importância que as Terras Indígenas possuem na manutenção das vegetações nativas e, portanto, do clima, das águas, dos estoques de carbono e diversos serviços ambientais.

Sistema de monitoramento remoto de desmatamento da vegetação nativa da Rede Xingu+ demonstra que territórios indígenas como o Xingu são responsáveis pela manutenção das vegetações nativas e servem como freio para processos como desmates e incêndios – logo vêm sendo vitais na regulação do clima, produção de chuvas e manutenção dos estoques de carbono. Mais informações de monitoramento remoto da bacia do rio Xingu podem ser encontrados em: https://xingumais.org.br/observatorios/degradacao

O cenário desafiador e complexo, porém, pode ser enfrentado com soluções criativas, que misturam técnicas ancestrais de uso e manejo da vegetação com a criatividade e conhecimento dos nossos povos.

Um exemplo de sucesso é a Rede de Sementes do Xingu – nascida em 2008 a partir da campanha ‘Y Ikatu Xingu (“Salve a Água Boa do Xingu”) – e que, por meio da muvuca de sementes, consegue fornecer soluções técnicas e práticas para restaurar áreas degradadas. Contando com coletores de sementes indígenas e urbanos, a Rede de Sementes do Xingu planta as florestas do futuro e consequentemente ajuda a recuperar áreas de nascentes e beiras de rios.

O ano de 2024 traz várias oportunidades – e sementes – para debater a forma como gerimos nossas águas e territórios. Tanto o ATL, quanto o Zoneamento, são frentes centrais para debater se, nos próximos anos, o Mato Grosso agirá ativamente para manter as águas que fazem crescer os grãos e fornecer chuvas aos centros mais populosos do país, ou se seguirá em uma rota de aceleração da perda de áreas naturais e de impactos sociais negativos.

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