Pesquisadores da Royal College of Art, no Reino Unido, investigam a importância dos consumidores no caminho para a circularidade

Por Eloisa Artuso*

Atualmente, muito se discute sobre a necessidade urgente de uma transição para a economia circular na moda (assim como em outras indústrias), o que significa abandonar o tradicional sistema linear (‘extrair-produzir-descartar’) para um sistema circular, mais sustentável, que se baseia na redução ou eliminação de desperdícios e na reutilização de recursos. Uma verdadeira mudança de paradigmas, que não envolve somente questões técnicas e materiais, mas também transformações de mentalidade, cultura e comportamento. O que implica, sobretudo, na forma como nos relacionamos enquanto sociedade e com a natureza.

Recentemente participei de um painel com a dra. Bruna Petreca e o Ricardo O’Nascimento, pesquisadores do Textiles Circularity Centre (TCC), da Royal College of Art, do Reino Unido, para debater o papel dos consumidores e a necessidade de envolvê-los mais, fornecendo as devidas ferramentas para agirem ativamente na economia circular. O design de experiência foi colocado como um apoio importante nesse processo. A conversa fazia parte do evento Brazil: Creating Fashion for Tomorrow, realizado na Embaixada Brasileira em Londres, que abriu a programação da London Fashion Week.

À frente da linha de pesquisa sobre Experiência do Consumidor, Bruna aponta que “são necessários, em média, mais de 20 anos para que as inovações tecnológicas sustentáveis sejam adotadas pela sociedade.” Isso fez com que chegassem à conclusão de que não poderiam continuar focando somente em estudos de materiais inovadores ou processos da cadeia de fornecimento, mas que seria necessário colocar os consumidores no centro de todos os seus esforços.

Mas também precisamos de menos. Então, como posicionar novos materiais e valores em uma cultura de consumo diferente? É o que Bruna e Ricardo estão tentando explorar. Para isso, eles buscam entender as motivações das pessoas, seus medos, o que elas esperam de suas vidas, como elas podem criar conexões mais profundas com as roupas que vestem e como podemos começar a motivar outros modos de vestir. “Em nossa investigação, procuramos formas de levar as pessoas em consideração no desenvolvimento de têxteis: o que as pessoas vão usar? Como trazemos suas percepções e desejos para o processo de design? Muitas vezes, as pessoas sequer compreendem o valor dos materiais porque não sabem o que acontece em seus processos de produção. Então, como podemos atribuir maior significado e valor a tudo isso?”, explica Bruna.

Durante a conversa, a pesquisadora também destacou a importância do bem-estar nessa nova economia, de forma que ela priorize e permita a prosperidade e o florescimento humano a longo prazo – para todos: “o bem-estar se alimenta da criatividade e da comunidade, e essas coisas a moda pode proporcionar às pessoas”. Mas, para que todas essas transformações aconteçam, entendemos que, ao mesmo tempo, é necessário criar contranarrativas para unir as pessoas. Ou seja, um novo discurso, cenários alternativos e possíveis, em que as pessoas possam confiar para fazer a mudança. Bruna enfatiza que o estudo busca maneiras, por meio de narrativas ou tecnologias criativas, de entregar esse conteúdo às pessoas: “temos atravessado o ciclo de vida dos materiais e de seus usuários. Queremos encontrar formas de ajudá-los a passarem de consumidores passivos para cocriadores ativos”.

Para testar essas hipóteses, o Textile Circularity Centre promoveu o Regenerative Fashion Hub, uma residência de seis semanas aberta ao público, onde puderam apresentar sua pesquisa, mostrar os novos materiais de base biológica em desenvolvimento e oferecer experiências interativas para colher as percepções das pessoas que passaram por lá. Ricardo comenta que ofereceram “algumas experiências para as pessoas entenderem melhor como esses materiais são feitos e de onde vêm” e que fizeram diferentes perguntas para determinar como o bem-estar foi abordado em todos os aspectos do estudo. “Eles precisam criar um maior senso de relacionamento com os materiais. Essa foi uma das descobertas que tivemos ao longo da jornada de design que propusemos”, explica Ricardo.

O pesquisador destaca que um dos objetivos da linha de pesquisa sobre Experiência do Consumidor é o de fazer com que as pessoas possam “se ver como como parte de um sistema, antecipando onde e como poderiam atuar nele. Ao fazerem isso, elas descobrem não só as propriedades físicas dos materiais, mas muito mais do que isso, podem encontrar suas preferências, o que gostam e o que não gostam e em quais situações de uso”. Isso reforça a ideia de que explorar o codesign pode facilitar e estimular a circularidade. Por exemplo, por meio de roupas modulares, com as quais o consumidor pode escolher como montar e trocar as diferentes partes disponíveis, seja por um desejo de novidade ou pela necessidade de reparar um desgaste de uma das partes da peça gerado pelo uso.

“Durante este estudo, aprendemos que as pessoas querem se expressar. Essa é uma forma de associar isso à necessidade de novidade [estimulada pela moda] porque você pode, assim, se expressar mudando um pouquinho. Cada vez que você precisar de algo novo ou seu corpo mudar, você poderá adaptar a peça. Estamos investigando a modularidade para promover a circularidade”. Não se trata apenas de vender produtos, mas de fornecer maneiras de ajudar os consumidores: “quanto mais próximo o consumidor estiver de entender o material, saber como consertar, qual a melhor técnica para aquela situação específica, o processo se torna mais agradável e lúdico e fazemos melhores escolhas de compra e, possivelmente, compramos menos”, completa Ricardo.

De uma forma ou de outra, precisaremos dessas e de muitas outras alternativas ao consumo. Com o planeta em jogo, devemos sim despertar a responsabilidade por parte dos consumidores, a partir de um deslocamento da passividade para a atenção e participação ativa. Mas, apesar da cultura de consumo ter nos ensinado que podemos resolver nossos problemas através da compra, devemos lembrar que soluções individuais não conseguirão lidar com problemas coletivos e, em última instância, mudar o sistema. Vemos inúmeras injustiças sociais e diversos impactos ambientais ocasionados pela indústria da moda, e enfrentamos um colapso climático, dentro e fora dessa indústria. Transformar um sistema linear em circular, dentro da mesma lógica que o criou, será ineficaz. Portanto, precisamos de uma verdadeira revolução do pensar, do fazer e de como deixamos nossa pegada na Terra. Precisamos de pessoas com coragem para liderar essa transição e ajudar a imaginar novos futuros possíveis. E não podemos esperar 20 anos.

*Eloisa Artuso é pesquisadora, designer estratégica e educadora com foco em justiça socioambiental na intersecção entre clima, gênero e moda. É cofundadora do Instituto Febre e do Fashion Revolution Brasil e professora de design sustentável no IED-SP. @eloartuso / eloisaartuso.com

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