Foto: Reprodução / Instagram Roberto de Carvalho

Por Ben Hur Samuel

No início dos anos 1960, o estilo rock’n’roll progressista norte americano, a influência de mudanças políticas na América do Sul, como os golpes de estado que ocorriam simultaneamente com eventos mundiais ideológicos – tais quais a Guerra da Coréia e a corrida espacial -, a cultura nacional que buscava ter sua identidade cultural própria com base em movimentos artísticos que aconteciam na Europa, uma banda de rock que começava sua prolífica carreira em uma cidade britânica e cujo o nome seria conhecido no mundo todo e, por fim, homéricas eventualidades que ocorreriam de maneira gradual influenciariam de maneira antológica a vida de uma moça de um lar conservador, cujo próprio pai uma vez a categorizou de “ovelha negra da família” pelo seu jeito de levar as coisas.

Essa moça que acabei de me referir buscava o reconhecimento e não a submissão. Buscava a luz das telas de cinema influenciado por filmes inovadores e não a tempestiva vida de uma dona de lar da revista Life dos anos 1950. Ela queria o mundo, queria ser diferente, ela queria ser ela, buscar em sua essência uma maneira de se expressar e mostrar ao mundo que ser quem ela era, era o bastante.

Foi ela que apelidou Elis Regina de Pimentinha em uma certa ocasião e, para Elis, aquele apelido seria tão imortal quanto a sua carreira. Foi ela que compôs uma canção para Zezé Motta, maximizando a vida da cantora brasileira que em 1976 interpretou a escrava alforriada Xica da Silva no filme homônimo de Caca Diegues. Foi ela que, meticulosamente, abriu (e por boa parte de sua carreira) as portas para a chegada das mulheres do rock’n’roll nacional.

Existem dubiedades que me impedem de imaginar o que seria do rock nacional se não fosse por esta mulher, esta rainha, esta cantora, esta deusa do rock nacional que tanto contribuiu em suas letras, que agora fazem parte da história da Música Popular Brasileira (MPB) como um todo, esta mulher que se chamava Rita Lee.

Para contar sua aventura não devo ter cerimônias e pretendo adiantar sua trajetória para quando, em 1966, ingressou na banda Os Mutantes, composta por dois irmãos: Sérgio Dias e Arnaldo Batista – cuja influência da mãe pianista tornou a atmosfera familiar bastante confortável para eles que já tinham em mente o plano de trazer uma fruição do estilo de música que buscavam se inspirar, ora pelos Beatles, ora por Jimi Hendrix. Creio que, naquela época, não era ciência deles o quão antológico seria o impacto deles no rock sul-americano e como seus comportamentos influenciariam o rock nacional dos anos posteriores.

O sucesso da banda não foi tão imediato como se aparenta. Apesar de aparecerem em programas televisivos de grande audiência pelo o público jovem, foi em 1967, no festival de música popular brasileira mais polêmico de sua história, em um palco recheado de ativistas, defensores dos direitos humanos e uma plateia extremamente jovem buscando a liberdade aprisionada pela ditadura militar no Brasil, que junto de Gilberto Gil e da canção “Domingo no parque”, em um número que seria criticado pela utilização da guitarra elétrica por parte de um grupo mais ortodoxo, que Os Mutantes teriam a primeira experiência de fama entre boa parte do público do qual buscava almejar o sucesso crítico e comercial.

A chegada da fama do grupo definitivamente ocorreria em 1968, quando vários fatores sociais se entrelaçavam em todo o mundo.

Nos Estados Unidos, por exemplo, Martin Luther King era assassinado de maneira brutal no hotel onde estava residindo. No Vietnã, era estabelecida a primeira guerra em Saigon das tropas norte-americanas. Na França, estudantes se opondo ao Governo resolveram dar início a um dos movimentos estudantis mais inspiradores de todos os tempos. E, no Brasil, o Ato Institucional número 5 era estabelecido pelos militares.

Foi contudo no momento mais desafiador de nossa história latino-americana, que artistas se mobilizaram e exploraram temas como a sexualidade, a diversidade e identidade nacional. Foi neste momento que surgia a Tropicália, um movimento cultural formado por entidades intelectuais, cantores, cineastas, poetas e compositores que visavam transformar a cultura brasileira em algo único, singelo e inortodoxo, de difícil compreensão, mas de visão randômica e subjetiva.

Foi neste ano que Os Mutantes participaram de dois projetos culturais extremamente esplendores: “Panis et circenses”, um álbum feito por vários artistas membros da Tropicália, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Tom Zé entre outros, e “Os mutantes”, o primeiro álbum solo do grupo onde continha clássicos como “Baby”, “Minha menina” e ”Panis et circenses”. Desse momento em diante, a fama do grupo havia se tornado bastante aclamada, principalmente com os álbuns seguintes, nos quais haveria uma maturidade tanto artística quanto inovadora. Álbuns posteriores como “Mutantes”, em 1969, “A divina comédia ou ando meio desligado ” e “Os mutantes e seus cometas no país dos Baurets”, em 1972, tinham como objetivo trazer para o público experiências amplamente diferentes sobre o profissionalismo do rock nacional que, já durante aquele período, passava a ser bastante explorado por outros artistas.

Em uma ocasião durante o desenvolvimento do álbum “Os mutantes e seus cometas no país dos Baurets”, Rita Lee junto de seu então parceiro Arnaldo Baptista, escreveram juntos uma canção concernida sobre o que a sociedade achava do comportamento deles, em especial o de Rita Lee, que outrora havia sido tão julgada pelo seu jeito de ser e que buscava, através da dor de ser ostracizada, um sentido singelo e onírico sobre a aceitação sobre quem somos. Esta canção, que iria ser interpretada depois por Ney Matogrosso, se chamaria “Balada do Louco”, uma canção cujos versos demonstravam o julgamento popular sobre a diferença de pessoas, mas também sobre a aceitação pessoal de quem somos. Eram nos versos “Mas louco é quem me diz e não é feliz, não é feliz” que tanto Rita quanto Arnaldo buscavam mostrar ao público quem eram eles de verdade.

Este álbum inimaginavelmente se tornou o último de Rita Lee com Os mutantes, contudo, sua carreira não foi interrompida pelo cessar do grupo, já que em 1973 era formado a banda de rock nacional Tutti Frutti – cujo o nome era livremente inspirado por uma canção predecessora do rock’n’roll moderno de Little Richard, dos anos 1950. Foi com essa banda que Rita Lee, junto de seus parceiros, escreveu clássicos como “Agora só falta você” e “Ovelha negra”, sendo a primeira uma canção que expressava o desejo de Rita sobre a liberdade e sobre a aceitação de quem somos, independente dos comentários ortodoxos que buscam julgar pelo nosso jeito de levar as coisas, e a segunda uma carta aberta sobre seu relacionamento com seu pai, que não aceitou parcialmente a liberdade da filha e a renegou categorizando-a como a “Ovelha negra da família”. Outrossim, é nesta canção em que Rita expressa sua dor mais profunda, mesmo sentimento presente em “A balada do louco”: o singelo sentimento da aceitação de quem somos e como isso poder influenciar outras pessoas que também sofrem pela massiva rejeição , o que garante uma reviravolta endógena sobre amadurecimento e compreensão de nós mesmos.

Por que Rita Lee virou uma inspiração para mim

Era época de Ensino Médio e por boa parte das minhas tardes eu costumava passar no prédio Tupinambas, no centro de Belo Horizonte, por volta de 2018, onde eu, com 16 anos, ficava boa parte dos dias sozinho, sentado na sala de aula, sempre buscando úteis afazeres.

Foi numa tarde extremamente difícil pra mim, quando chequei meu telefone e notei que uma página do Instagram, feita por estudantes da minha escola, tinha acabado de colocar várias fotos pessoais minhas com o intuito de me ridicularizar. Eram fotos me comparando com montagens preconceituosas sobre a minha aparência e vários comentários que buscavam me ofender. Parecia um soco que prendia minha respiração, não havia nada que podia ser feito que me faria me sentir melhor, pelo menos era o que eu achava.

Foi justamente em uma destas tardes que me encontrei sentado contra a janela observando o Parque Municipal e os prédios que alaranjavam a cidade em um tom esperançoso que, ao colocar meu reprodutor de música em modo randômico, ouvi pela primeira vez a canção “Balada do Louco” .

A frase “Dizem que sou louco por pensar assim, Se eu sou muito louco por eu ser feliz” me motivou a ignorar os pensamentos que boa parte dos estudantes tinham sobre mim e a seguir em frente.

Passei a ponderar que se alguém como Rita vivenciou no seu passado mais profundo o que eu vivia e conseguiu sobreviver, deveria eu me aceitar mais, buscar aprimorar meu jeito e seguir em frente. Rita me mostrou que a aceitação é mais pessoal do que pública e que são as pessoas diferentes que sempre mudaram o mundo. Ela me faz cada dia mais parafrasear uma canção da cantora Joyce Moreno, “Passarinho”, do ano 1974, na qual ela simplesmente diz: “Esses que aqui estão atravancando o meu caminho, Eles passarão. Eu passarinho!”

Para mim, Rita Lee é imortal! Ela não morreu e jamais falecerá. O planeta terra foi apenas uma de suas viagens cósmicas.

Viva Rita Lee! Viva o rock nacional! Viva as portas que outrora foram abertas por Rita e que facilitaram a entrada de mulheres no rock nacional! E, sobretudo, viva nossas diferenças!!

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