Por Ana Luiza Uwai* e Marcela Amaral**

Quando falamos sobre drogas, tanto as lícitas, como o álcool e o tabaco, quanto as ilícitas, como a maconha e o crack, é comum que nos venha à mente campanhas contra o uso delas. Geralmente, o tom é de tolerância zero e a abstinência é o único norteador para lidar com problemas decorrentes do uso.

As drogas são substâncias que alteram nosso estado de consciência e o funcionamento do nosso organismo. Nesse sentido, podemos considerar desde o açúcar e o café, até os remédios de tarja preta, a cerveja e a cocaína. O que faz uma droga ser considerada ilícita é a legislação vigente. No Brasil, temos uma política de drogas proibicionista que não permite o uso nem o comércio de inúmeras substâncias.

Desde 2006, com a mudança na Lei de Drogas, o uso de substâncias deveria ser entendido como uma questão de saúde e, o comércio, como uma questão de justiça criminal. No entanto, o que vimos nas últimas décadas, com o aumento do encarceramento por crimes relacionados a drogas, foi o avanço de uma guerra pautada, principalmente, na abstinência e na punição. O cuidado não chega a quem precisa, enquanto a segurança pública chega a pessoas específicas, fazendo com que a guerra às drogas se materialize em combate contra pessoas negras, pobres e moradoras de territórios estigmatizados.

Desse contexto, é possível concluir uma coisa: a atual Política de Drogas não oferece respostas eficientes para o abuso de substâncias e a venda ilegal, pois as pessoas não estão parando de usar drogas e o tráfico está longe de acabar.

Redução de Danos: uma alternativa possível

A Redução de Danos (RD) é uma estratégia interdisciplinar de saúde pública, cultura, educação, moradia e garantia de direitos, que reconhece os múltiplos componentes sociais e territoriais que se associam ao uso e à dependência. A RD se destina ao cuidado de quem faz uso de substâncias, entendendo que essa pessoa deve ter autonomia para decidir sobre sua relação com diferentes drogas.

Essa prática surgiu no Brasil na década de 1990, mobilizada por organizações da sociedade civil e Ministério da Saúde que passaram a distribuir seringas destinadas a pessoas que faziam uso de drogas injetáveis, como forma de prevenção da disseminação do HIV e outros vírus. Esse método foi se desenvolvendo e ganhando campo nas últimas décadas, a partir de resultados positivos e, hoje, se estende para toda e qualquer pessoa no uso de qualquer droga que possa causar riscos, danos sociais e danos à sua saúde.

Implementada como política, a RD busca oferecer informações, acolhimento, ferramentas psicossociais e objetos para uso adequado das drogas, buscando minimizar danos associados ao uso de substâncias psicoativas. É uma estratégia de baixa exigência, que não possui a abstinência total ou internação como única meta do tratamento de pessoas usuárias, e tem sido utilizada como diretriz, objetivo específico e ponto de atenção para atuação dos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPS AD), assim como da Atenção Básica no atendimento de pessoas que fazem uso de substâncias.

Quando pensamos em pessoas em contextos de vulnerabilidade, que são as mais afetadas pela política de drogas, a RD se mostra como uma estratégia de sobrevivência, não apenas em relação ao uso, mas também por incluir diversas estratégias que visam o exercício de equidade e cidadania.

Ainda que as experiências baseadas na RD tenham sido positivas, nos últimos anos, as políticas voltadas à Redução de Danos têm sofrido largas interferências. Um exemplo disso foi o fechamento da Casa da Redução de Danos montada pela Escola Livre de Redução de Danos (ELRD) para o Carnaval de Olinda (PE) de 2023. A ação executada pela Polícia Civil foi motivada por uma denúncia sobre apologia ao uso de drogas. Chamar RD de apologia é algo que sempre acompanhou a estratégia, seja por falta de informação, conservadorismo ou má-fé.

É preciso se questionar, a partir disso, a quem serve a guerra às drogas? Qual é o projeto político de um país que lida dessa maneira com uma questão tão complexa? Essa discussão é urgente e, como nos ensina a Redução de Danos, deve incluir as pessoas usuárias de drogas nas decisões que as afetam. 

*Ana Luiza Uwai, jornalista, redutora de danos no Centro de Convivência É de Lei e Conselheira do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC.

**Marcela Amaral, pesquisadora no Programa Gênero e Drogas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC.

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