A disputa entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes da Câmara e do Senado, tornou-se pública e notória, constrange os demais poderes e pode ter consequências institucionais e sociais catastróficas. A opinião pública percebe que é uma disputa por espaços de poder, mas fica difícil compreender como um assunto tão hermético, como o das “comissões mistas”, pode levar a uma crise política. Parece cortina de fumaça. Talvez seja mesmo.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco | Geraldo Magela / Agência Senado

 

A Constituição estabelece que propostas legislativas enviadas pelo Poder Executivo ao Congresso devem ser analisadas, primeiro, pela Câmara e, quando aprovadas, seguir para o Senado. Caso elas sejam emendadas, devem voltar para a Câmara, que, afinal, decidirá sobre as alterações aprovadas pelo Senado. Porém, quando o presidente da República edita uma Medida Provisória (MP), a Constituição prevê que uma comissão mista, composta por deputados e senadores, deve ser criada pelo presidente do Congresso para analisá-la, antes da sua votação nos plenários das duas casas.

As MPs entram em vigor de imediato e precisam ser aprovadas pelo Congresso, em até 120 dias, sob pena de caducarem, não sendo possível reeditá-las numa mesma legislatura. Com isso, podem ocorrer lacunas jurídicas capazes de afetar a estrutura administrativa e a execução de programas e políticas de governo. O trâmite em uma comissão mista, em vez das comissões da Câmara e do Senado em separado, presta-se a agilizar a sua análise.

Em 2020, com o advento da pandemia, as mesas diretoras da Câmara e do Senado baixaram uma resolução estabelecendo mecanismos para votações remotas e trâmites simplificados, para viabilizar a continuidade do funcionamento do Congresso naquele contexto especial, até que a crise de saúde fosse superada e as suas atividades legislativas fossem normalizadas. Entre eles, ficou autorizada a votação de MPs diretamente nos plenários da Câmara e do Senado, ficando dispensada a criação de comissões mistas.

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Fato é que Lira amou essa discricionariedade, que o dispensou de ater-se a qualquer instância colegiada e, por meio da indicação dos relatores das MPs em plenário, aumentou o seu poder de definir como e quando seriam votadas. Numa dessas, Lira consumia, na Câmara, quase todo o prazo de 120 dias, restringindo o poder revisional do Senado pela falta de tempo para o retorno à Câmara de eventuais alterações aprovadas.  

Lira também amou outras excepcionalidades, passando a constituir “grupos de trabalho” a seu critério, sem submeter a sua composição à representação dos partidos e definindo pessoalmente os relatores, para tratarem de assuntos importantes, como a revisão do Código de Mineração. Pelo regimento da Câmara, temas como esse deveriam ser discutidos numa comissão especial. Indispensável lembrar que, ao mesmo tempo, Lira operava o “orçamento paralelo”, para cooptar os votos e aprovar os projetos em plenário.

Em abril de 2022, o Ministério da Saúde declarou o fim da “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional”, com que foram encerradas as restrições impostas pela situação de pandemia. Porém, Lira fez que não notou e, enquanto não houve questionamento, seguiu adotando os ritos sumários da resolução conjunta. Nesta semana, reagindo ao pleito de Pacheco pela volta do trâmite normal, Lira disse: “O país cobra do Parlamento brasileiro agilidade e resolutividade das pautas importantes para o funcionamento da sociedade. No período difícil da pandemia, a votação de Medidas Provisórias diretamente nos Plenários da Câmara e do Senado, sem passar por Comissões Mistas, se mostrou dinâmica e eficiente, respeitando o tempo previsto de análise nesta Casa Legislativa de até 90 dias”.

Tudo ou nada

Lira já se viu tolhido pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que exigiu transparência nas emendas do “orçamento secreto” e pela disposição do governo Lula em recuperar a capacidade de investimento do governo federal. Agora, reage à ameaça de ter que devolver ao Senado o poder de constituir comissões mistas para tratar das MPs. Ele pressiona os senadores para aprovarem uma emenda à Constituição, que suprima a previsão de comissões mistas, tornando permanente a situação provisória, cujo prazo de validade já está vencido.

Pacheco até tentou mediar a pendência, propondo que a tramitação das MPs começasse de forma alternada, uma pela Câmara e a seguinte pelo Senado, mas Lira não topou, ameaçando partir para o tudo ou nada. Pacheco aceitou que as MPs editadas por Bolsonaro, que ainda tramitam, sigam o rito anterior, mas decidiu criar comissões mistas para analisarem as MPs editadas por Lula. O presidente ameaça boicotar o seu funcionamento, bloqueando a indicação de deputados.

(E-D) Rodrigo Pacheco, Lula e Arthur Lira | Bruno Spada / Agência Câmara

Ouvido pelo STF, já que o caso já está judicializado, Lira declarou tratar-se de uma questão interna do Congresso, não cabendo intervenções dos demais poderes. Ele quer evitar uma derrota no STF, já que o texto constitucional é óbvio. Ao mesmo tempo, incita o governo federal a também exigir um recuo do Pacheco, para evitar que caduquem MPs fundamentais, como a que institui os atuais ministérios e a que recria o programa Bolsa Família.

Lira argumenta que a supressão das comissões mistas também interessa ao governo, que se vê eventualmente constrangido a ter que atender pleitos fisiológicos dos seus integrantes para aprovar as MPs. Mas não há nada que comprove que eles acrescentem muito aos pleitos que ele mesmo advogaria para a sua aprovação em plenário. Lira aposta que um processo legislativo mais discricionário interessa a qualquer governo. Só que também poderia ser usado contra o governo.

Acordos pontuais

O presidente da Câmara não tem como mudar a Constituição contra o Senado e não tem como derrotá-lo no STF. O impacto de um boicote às MPs afetaria a sociedade, além do governo. Nesse rumo, terá tudo para dar em nada (em merda). Deve recuar.

Esta semana começou frenética, com Lira procurando uma saída do beco político em que nos meteu. Sugeriu a aprovação de uma emenda à Constituição para fixar prazos intermediários para cada etapa da tramitação de MPs, o que faz sentido qualquer que seja o procedimento, para que nenhuma das casas fique prejudicada na sua análise. E também reivindicou, aceitando as comissões mistas, que haja, na sua composição, o triplo de deputados em relação ao número de senadores, já que são 513 deputados e 81 senadores. 

Essa proposta deve ser rechaçada, já que a paridade hoje prevista, de 12 deputados e 12 senadores, representa um equilíbrio qualitativo entre as duas casas, e não uma correlação quantitativa, que implicaria em derrota para o Senado, a priori, em qualquer eventual pendência com a Câmara.

Pode ser que os dirigentes do Congresso já tenham chegado a um acordo quando você estiver lendo essa coluna, mas parece difícil que isso aconteça nos próximos dias, enquanto se esgota o prazo para votar as primeiras MPs editadas por Lula. Já se cogita um acordo pontual para analisar as quatro mais importantes, com base no rito constitucional, enquanto as demais caminhariam para caduca e seriam substituídas por projetos de lei, a serem enviados pelo Executivo para o Congresso em regime de urgência. Com isso, seriam evitados maiores prejuízos ao país, enquanto senadores e deputados ganhariam mais tempo para chegarem a um acordo sobre os seus poderes no trâmite de MPs.

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