Encaramos triplas jornadas de trabalho, violências institucionais, ataques de ódio, mas resistimos

Nos últimos anos, principalmente depois do golpe de 2016, as mulheres resistiram à bruta realidade e lutaram para seguirem vivas. Com muita luta, conseguimos eleger um novo governo e abrir os caminhos para um momento histórico, no qual é possível acreditar que dias melhores, e dias mulheres, virão.

Hoje, Dia Internacional de Luta das Mulheres, é momento de ir às ruas e celebrar a diversidade e a força que temos juntas! É ao lado de mulheres que me forjei na luta, é junto às mulheres que me fortaleço e é com mulheres que construo um mandato coletivo, feminista, com atuação direta em temas que atravessam a vida de tantas outras mulheres.

A pesquisa mais recente da Fundação João Pinheiro mostra que o Brasil teve déficit de 5,8 milhões de domicílios, em 2019. As mulheres são responsáveis pela maioria (54,3%) deles, o equivalente a 3,071 milhões dos domicílios com déficit habitacional no país. Com a pandemia e o agravamento da crise econômica, o número de famílias sem casa aumentou visivelmente nas principais cidades do país. Vemos com esperança a retomada do programa Minha Casa Minha Vida depois de anos nos quais as políticas públicas de moradia foram esvaziadas. Sabemos que a falta de moradia atinge principalmente as mulheres que são as chefes das famílias. Sabemos também a importância da moradia segura para romper ciclos de violência e garantir a dignidade. Durante anos de luta, sempre vi de perto quem segura o rojão, quem fica debaixo de lona, quem enfrenta a violência do Estado com firmeza para garantir um lugar para morar: são, na imensa maioria, as mulheres.

Também são as mulheres que estão na linha de frente contra a mineração predatória. Em Minas Gerais, estado marcado pela ação criminosa de mineradoras, os impactos socioambientais dos rompimentos de barragens e das atividades minerárias é potencializado nas vidas das mulheres. Um exemplo, foi o aumento de cerca de 270% nas notificações de violência contra as mulheres em Conceição do Mato Dentro entre os anos de 2011 e 2014, que foram os anos de pico das obras da mineradora Anglo American. Os dados são do Estudo Preliminar: violações de Direitos Humanos no contexto do empreendimento Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, Minas Gerais. Além da violência direta, há outros fatores que marcam o dia a dia das atingidas, como a interrupção de formas de gerar renda, a destruição de rios, a dissociação comunitária, o impedimento de plantios e o adoecimento mental. Ao mesmo tempo, diante de tanta injustiça, são elas que juntam forças e organizam suas comunidades para
reivindicar ações do poder público.

Sabemos que as mulheres negras e indígenas são atravessadas por processos históricos profundamente marcados pela violência. “Para a mulher negra, o lugar que lhe é reservado é o menor. O lugar da marginalização. O lugar do menor salário. O lugar do desrespeito em relação à sua capacidade profissional”, lembra a historiadora, filósofa e militante Lélia Gonzalez. São urgentes ações voltadas ao
combate da desigualdade racial e étnica que estejam compromissadas com as lutas dos povos negros e indígenas. São fundamentais novas políticas públicas para acabar com os rastros das políticas de extermínio do último governo, como o garimpo ilegal em Terras Indígenas e o incentivo ao porte de armas de fogo, que são o principal instrumento de assassinato de mulheres negras e periféricas.

As violências contra as mulheres LBT também aumentaram nos últimos anos. De acordo com pesquisa do Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, 316 pessoas LGBT morreram de forma violenta no país, em 2021. As mulheres trans são as principais vítimas. O Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais brasileiras, divulgado neste ano pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), aponta que das 131 pessoas trans assassinadas em 2022, 130 eram travestis ou mulheres transexuais. O relatório ainda aponta que, apesar da falta de dados do Estado e das subnotificações, o Brasil segue como o país que mais mata pessoas trans pelo 14º ano consecutivo. Nesse contexto, é fundamental seguirmos lutando juntas por políticas públicas para as mulheres trans, lésbicas e bissexuais pelo direito à saúde, ao trabalho e à segurança.

Os índices absurdos de desemprego e subemprego também impactam especialmente os corpos femininos. Sob a gestão Bolsonaro, o primeiro ano de pandemia foi marcado por demissões de mulheres. Dados do IBGE de 2020 mostram que aproximadamente 72% das vagas encerradas eram ocupadas por mulheres. Diante da dura realidade no mundo do trabalho, nosso mandato tem atuado há anos junto às ambulantes e às catadoras de materiais recicláveis para exigir do poder público garantias de respeito e valorização dessas atividades. Também é fundamental garantir a qualificação profissional dessas mulheres e a
equidade salarial em relação aos homens que desempenham a mesma função.

Nós, mulheres, somos maioria da população brasileira e ocupamos apenas cerca de 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 12,3% do Senado. Em Minas Gerais, somos 15 entre 77 parlamentares, ou seja, 19,4% do total. No entanto, apesar desses dados, temos alguns motivos para celebrar. Minas Gerais elegeu sua primeira deputada federal indígena, a querida companheira de lutas Célia Xakriabá. Em mais de 180 anos de história, a Assembleia Legislativa de Minas tem em 2023 a primeira mulher negra ocupando um cargo na mesa diretora, a deputada Leninha. E também tenho muita alegria de dizer que sou a primeira
pessoa orgulhosamente LGBT eleita deputada estadual.

São inúmeros os entraves estruturais na vida das mulheres para que possam assumir espaços de poder. Encaramos as triplas jornadas de trabalho, as sobrecargas domésticas, as violências institucionais, os ataques de ódio, mas resistimos.

Resistimos porque vemos na prática que as conquistas das mulheres são movidas por forças coletivas, por justiça social, por direitos, por dignidade. Nossas lutas têm o poder de transformar profundamente a sociedade. Seguimos juntas!

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