Por Márcio Santilli

No próximo domingo, teremos o segundo turno das eleições, para presidente e, em 12 estados, também para governador. Estamos no auge da radicalização política e à espera da definição do povo brasileiro sobre o seu futuro.

Se você, leitor(a), ainda não escolheu o seu candidato, considere a busca pela paz como critério principal. Isso porque, após as eleições, o mais importante será reunir o país. Se seguirmos no rumo da conflagração e da intolerância, não teremos como enfrentar os enormes desafios dos próximos anos, como os impactos políticos e econômicos da guerra na Ucrânia e a crise climática.

Jair Bolsonaro em estande de tiro com um fuzil. Foto: Instagram/Jair Bolsonaro

Para enfrentar esses desafios, ninguém precisa abrir mão das suas convicções políticas ou religiosas. As diferenças devem ser reconhecidas, toleradas e respeitadas, e os demais interesses, sempre que possível, podem e devem ser politicamente mediados. As ameaças são muito maiores do que as diferenças. Para aproveitar as pequenas oportunidades existentes nesse contexto, os países precisam unir forças e articular competências. Os que se consomem em violência interna ficam para trás.

Supondo que você concorde com essa premissa, a pergunta que fica é a seguinte: quem tem melhores condições de diálogo com forças que, hoje, são adversárias? Bolsonaro ou Lula?

Ética do confronto

Bolsonaro é o presidente da República, assume-se como político de direita, mas se coloca como um inimigo do “sistema”. O “sistema” não é o capitalismo, ao qual ele se associa, mas o regime democrático constitucional estabelecido em 1988.

Bolsonaro diz combater o “sistema” por meio do “sistema”. Ocupa a Presidência, coopta uma maioria parlamentar lhe entregando o orçamento e avança sobre o Judiciário, nomeando cupinchas para o Supremo Tribunal Federal (STF) e atacando os demais ministros. Atualmente, o “sistema” é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proclamará o resultado das eleições.

Para Bolsonaro, o “sistema” pode estar em qualquer pessoa, segmento social ou instituição de que ele discorde ou passe a discordar. Pode ser a cantora Anitta, os quilombolas ou as universidades. Também pode ser outro chefe de Estado, ou o “comunismo”. O “sistema” é fluido, uma espécie de metamorfose ambulante, moldada por uma ética do confronto. É ela que cativa e mantém seguidores. Na ausência de inimigos, o seu castelo de cartas cai.

Mas a ética do confronto também se aplica a aliados e ex-aliados. É longa a lista de ministros e de apoiadores que romperam com o governo e foram execrados por campanhas de fake news produzidas no próprio Palácio do Planalto. Assim como continuam acirradas as relações entre as forças que mantém o apoio a Bolsonaro. Um bom exemplo é o alijamento do candidato à Vice-Presidência, general Braga Neto, que pouco aparece nos atos, peças de campanha e propaganda na TV.

Por outro lado, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, é a estrela emergente na campanha, depois do seu apoio decisivo para detonar a candidatura de Flávia Arruda (PL) e levar Damares Alves (Republicanos) à vitória na eleição para senador do Distrito Federal, ambas ex-ministras e integrantes da coligação do governo. 

Tentando minimizar o desgaste causado pelo assédio recente de Bolsonaro sobre adolescentes venezuelanas, Michelle entregou o próprio presidente. Nesta semana, em cerimônia pública numa importante igreja evangélica do Rio de Janeiro, ela disse: “Não olhe para o meu marido; olhe para mim, que sou serva do Senhor”.

Jair Bolsonaro na parada militar de 7 de setembro de 2022. Foto: Alan Santos / PR

Política de alianças

Lula nunca foi considerado um candidato do sistema capitalista, apesar do crescimento do PIB durante os seus governos ter sido acima da média das últimas décadas. Foi, sim, muitas vezes candidato, vitorioso e derrotado, sob a égide do sistema constitucional vigente, assim como Bolsonaro. Lula subordinou-se à prisão por força de condenações judiciais, que depois foram anuladas pelo mesmo sistema judicial, que ainda julgará Bolsonaro.

Lula nunca foi considerado um candidato do sistema capitalista, apesar do crescimento do PIB durante os seus governos, que nada tiveram de “comunista”. Foi, sim, muitas vezes candidato, vitorioso e derrotado, sob a égide do sistema constitucional vigente, assim como Bolsonaro. Lula subordinou-se à prisão por força de condenações judiciais que, depois, foram anuladas pelo mesmo sistema judicial, que ainda julgará Bolsonaro. Não há anjo – nem mito – nessa disputa.

No início da sua trajetória política, Lula contrapôs-se à frente ampla contra a ditadura, representada pelo então partido de oposição, o PMDB, para viabilizar o seu próprio partido, o PT. Lula recorreu à polarização política e à estigmatização de adversários em disputas eleitorais. Porém, sempre governou em regime de coalizão de forças, que incluíam políticos, partidos e empresários que hoje integram a coligação de Bolsonaro.

O Lula de 2022 difere do Lula de 2002 (quando se elegeu presidente pela primeira vez) e, mais ainda, do Lula de 1989 (quando se candidatou pela primeira vez). Lula amadureceu, aprendeu com a vivência política, apanhou pelos erros cometidos e foi ampliando a sua política de alianças. No primeiro turno, Lula liderou uma coligação de nove partidos, a maior na história do PT. No segundo turno, agregou o apoio de Simone Tebet, candidata do MDB que ficou em terceiro lugar, e do PDT, de Ciro Gomes, que ficou em quarto.

A política de alianças não é, por si, garantia de sucesso e implica em concessões que o limitam. Também abre espaço para o fisiologismo e para a corrupção em todos os governos. O tal orçamento secreto é o mais recente e volumoso caso de sequestro de recursos públicos por interesses inconfessáveis. Por isso, é indispensável a autonomia das instituições de controle, como o Ministério Público, cuja atuação precisa ser transparente e profissional, sem vínculos de subordinação política.

Porém, se o presidente é o chefe, o Estado é muito maior e as políticas públicas, como diz a expressão, interessam à população e não apenas aos apoiadores do governo. Partidos políticos, demais poderes, estados, municípios e instituições da sociedade civil, em sentido amplo, são partes legítimas para reivindicar e participar dessas políticas. A capacidade de mediar esses interesses é mais do que relevante para qualquer presidente.

A política de alianças vai além da participação dos partidos políticos na composição do ministério e das bancadas do governo. Ela se estende a atores políticos e sociais, que também influem nas condições de estabilidade política e de governabilidade, essenciais para que o Brasil possa melhor enfrentar os grandes desafios que estão postos.

Foto: Roberto Jefferson exibe pistolas em foto para redes sociais. Foto: Divulgação

 

Vote mesmo!

A campanha para o segundo turno foi ainda mais radicalizada que o normal, o que abriu espaço para tentativas de constranger empregados e dependentes, ou de dificultar o direito de voto de eleitores supostamente contrários. Nessas eleições, o número de denúncias de assédio eleitoral já é 326% maior do que em 2018.

Antes de mais nada, penso eu que todos devem reagir a essas ameaças e fazer todos os esforços possíveis para comparecer às seções eleitorais. Ajude, como puder, pessoas do seu círculo de relações a exercerem o direito de votar. Tentativas de constrangimento devem ser enfrentadas como sendo motivo adicional para se votar.

Por isso eu apelo, em especial, para os que deixaram seus votos em branco, ou os anularam, para que considerem fazer escolhas no segundo turno. Essas opções não são neutras e implicam omissão, num momento difícil em que vive a nação. E também apelo aos que votaram em candidatos que chegaram ao segundo turno para que encarem a dificuldade política própria dessa conjuntura e façam as suas escolhas, considerando que o segundo turno é a oportunidade legal que a Constituição lhes dá para, mesmo assim, decidirem as eleições.

Ministra do STF Cármen Lúcia . Foto: Carlos Moura / STF

Em tempo

Bolsonaro vem terceirizando, há tempos, os serviços mais sujos da sua ética do confronto para Roberto Jefferson, dirigente do PTB e militante histórico da escrotidão política. Jefferson é o fervoroso bolsonarista que inventou a candidatura fake do Padre Kelmon à Presidência, para atuar como linha auxiliar de Bolsonaro e atacar Lula com golpes abaixo da linha de cintura. O  flagrante de Bolsonaro recebendo documentos e combinando o jogo com Kelmon, no intervalo do debate entre os candidatos promovido pela Rede Bandeirantes, é bem indicativo do papel do PTB nessas eleições.

Pois bem, a semana que antecede o segundo turno começou com um ataque vil, covarde, misógino e violento de Jefferson contra a ministra do STF Cármen Lúcia, que determinou a retirada do ar de matéria fake veiculada pela TV Jovem Pan. 

Diante da situação, o ministro Alexandre Moraes, que preside o TSE, revogou a prisão domiciliar de Jefferson, que não poderia, naquela condição, sequer fazer qualquer declaração política em público, muito menos para uma agressão tão infame. O bolsonarista reagiu com granadas e tiros de fuzil à ordem de prisão dada por policiais federais. Dois agentes foram feridos. Ao que parece, Bolsonaro terceirizou o ataque, para não agravar a sua rejeição entre as mulheres nas vésperas do segundo turno, mas Jefferson exagerou na dose.

Enquanto redes bolsonaristas enalteciam a “coragem” de Jefferson, Bolsonaro tentava se desvincular, dizendo que jamais teria, sequer, tirado uma foto com ele. Confrontado com inúmeras fotos, Bolsonaro gravou um áudio xingando Jefferson de bandido.

O sinistro episódio reforça, em definitivo, os deletérios efeitos políticos e morais provocados pela ética do confronto. E também demonstra como a profusão de armas entre civis pode levar uma situação de violência verbal para o nível da violência física, ameaçando as instituições responsáveis pela segurança pública e a própria vida dos policiais. Não é por aí que vamos construir uma nação forte, capaz de enfrentar os desafios do século.

Você, assim como eu, deve considerar vários fatores para decidir o seu voto, mas as condições de cada candidato para pacificar e unir o país são fundamentais para a presente travessia. Considere isso. A ética do confronto pode catalisar instintos violentos de muitas pessoas, mas corrói as instituições e impede a unidade e a paz na nação.

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