Paulo Freire nos ensina que a rebeldia não pode existir sem que lutemos pelo nosso amanhã, engajados no processo de transformação do mundo. Não basta, portanto, a indignação, ela precisa ser ponto de partida para a ação por um projeto.

O Brasil vive um momento crítico: estamos diante de um segundo turno das Eleições Presidenciais de 2022 que vê o risco iminente de reeleição de uma figura que, em todo seu mandato (2019-2022), atuou contra os direitos da população e pelo enxugamento do Estado, tirando-o de sua essencial e função primária de presença na vida das pessoas, cortando os recursos do orçamento público da Educação, Saúde e Assistência para alocar para agendas “secretas” e para o cumprimento de uma política econômica de austeridade que varreu de mortes o país em uma das piores crises políticas, socioeconômicas e institucionais desde 1988.

Neste instante em que somos convidados a escolher entre a democracia e a justiça social versus o autoritarismo e a barbárie, nos vemos atordoados sobre qual a melhor estratégia para garantir os 50% dos votos mais um que iniciarão um processo de ruptura com esse ciclo de retrocessos. E é nessa situação que precisamos recorrer à pedagogia engajada de Paulo Freire.

O Dicionário Paulo Freire traz, em seu verbete sobre “Rebeldia/Rebelião”, escrito pela educadora Cheron Zanini Moretti, um caminho crucial: a ideia freireana de uma educação capaz de colocar as pessoas em “condições de resistir aos poderes, de armá-los contra”, nas palavras de Freire. Daí já temos a centralidade da ação que vai além do resistir: uma ação que passa de uma conscientização ingênua para uma conscientização crítica.

Do estado passivo de “imersão” a indignação brota e nos leva para um estado de “participação” e, portanto, para a rebelião, em si carregada de emoção. Essa rebelião, para Freire, é extremamente positiva e legítima, porque é “um sintoma dos mais promissores da vida política”. É a linha cruzada da inação para a ação política.
Rebeldia é fundamentada na resistência, no reconhecimento de que “uma das condições para a continuidade da briga contra o poder que nos domina é reconhecer-nos perdendo a luta, mas não vencidos”, porque com a “vontade enfraquecida, a resistência frágil, a identidade posta em dúvida, a autoestima esfarrapada, não se pode lutar”.

Acontece que, para o educador, “a mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho”. Assim, não basta a denúncia emocionada e legítima da injustiça, é preciso somar isto a um “profundo senso de responsabilidade que sempre nos levou a lutar pela promoção inadiável da ingenuidade à criticidade. Da rebelião em inserção”.

Precisamos, portanto, estarmos inseridos em movimentos organizados nos sindicatos, nas escolas, nos clubes, nas comunidades, nas igrejas e em outros espaços e movimentos, construindo a democracia. Dessa forma,

Uma das questões centrais com que temos que lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente.

É preciso além de denunciar, anunciar; além de rebeldia, revolução. A revolução é a construção do novo, do sonho, do projeto em si. É trabalhar juntos, de forma organizada, crítica, consciente e democrática por um projeto de país.
Moretti conclui, assim, que “uma educação ‘puramente rebelde’ só pode ser gerada pelo educador e pela educadora autoritária, pois os/as progressistas estabelecem uma relação dialógica em que o espontaneísmo da rebeldia se educa com a crítica, com o problema, com a curiosidade”.

Sejamos, assim, dialógicos, críticos, anunciadores diante dos passivos, inativos, dos votos nulos e brancos, das abstenções. Sejamos instigadores da rebeldia a partir da curiosidade. Sejamos revolucionários na ação em direção ao país que queremos. Ninguém resiste à indignação diante da injustiça e nenhum coração pulsa fraco diante de olhos brilhando pelo sonho de um país com democracia e justiça social.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Márcio Santilli

‘Caminho do meio’ para a demarcação de Terras Indígenas

NINJA

24 de Março na Argentina: Tristeza não tem fim

Renata Souza

Um março de lutas pelo clima e pela vida do povo negro

Marielle Ramires

Ecoturismo de Novo Airão ensina soluções possíveis para a economia da floresta em pé

Articulação Nacional de Agroecologia

Organizações de mulheres estimulam diversificação de cultivos

Dríade Aguiar

Não existe 'Duna B'

Movimento Sem Terra

O Caso Marielle e a contaminação das instituições do RJ

Andréia de Jesus

Feministas e Antirracistas: a voz da mulher negra periférica

André Menezes

Pega a visão: Um papo com Edi Rock, dos Racionais MC’s

FODA

A potência da Cannabis Medicinal no Sertão do Vale do São Francisco

Movimento Sem Terra

É problema de governo, camarada