Por Priscila D. Carvalho e Mariana Dutra

O engajamento e posicionamento político de brasileiros no exterior voltou à agenda eleitoral nesta semana. Na terça-feira, 20 de setembro, enquanto Jair Bolsonaro visitava Nova York para a Assembleia-Geral da ONU, manifestantes brasileiros fizeram ações de alta visibilidade na cidade de Nova York. Projetaram imagens do rosto de Jair Bolsonaro com a palavra vergonha escrita em quatro idiomas no prédio da ONU. Enquanto isso, no centro da cidade, as frases “tchutchuca do centrão” e “broxonaro” foram projetadas no famoso prédio do Empire State Building. Estas imagens se alastraram nas redes, sendo compartilhadas até pelo ator hollywoodiano Mark Ruffalo.

Há outros casos de articulações prévias sendo reativadas em períodos eleitorais – ou quando novos temas relevantes para o grupo entram na agenda nacional. O grupo de Nova York, Defend Democracy in Brazil, ativo desde de 2015 no contexto de organização de ativistas no exterior contra o impedimento da presidenta Dilma Rousseff, atualmente conta com quase 19 mil seguidores nas redes sociais. Em outras cidades estadunidenses, alguns grupos que também vinham articulados desde 2015 incorporaram-se aos “Comitês Populares de Luta”. Os comitês são estratégia da própria campanha de Lula para mobilização de base com apoio de parceiros históricos como movimentos sociais e que superaram as fronteiras nacionais.

Em Genebra, os protestos começaram em 11 de setembro, com  uma bicicletada em apoio a Luiz Inácio Lula da Silva. A agenda segue a cada domingo, até o dia 25 no Bains des Pâquis, onde acontece uma feira – ou mercado de pulgas. Organizadoras do evento prepararam também placas para casas e para bicicletas. Não faltaram toalhas do Lula: os objetos viajam rápido nesses tempos. O grupo que organiza os protestos de Genebra identifica-se como Comitê Lula Livre e reúne-se desde 2018. 

A estratégia de protestos no exterior vem sendo usada também por entusiastas de Jair Bolsonaro. Em setembro, seus apoiadores fizeram motociatas em cidades como Miami, reproduzindo um dos principais formatos de manifestação no solo nacional. Ali, as atividades aconteceram no dia 5 de setembro, e o cenário era parecido com o das manifestações vistas no dia 7, no Brasil: verde e amarelo dominava a cena e apoiadores cantaram o hino nacional. O protesto foi registrado no YouTube. 

Apoiadores do candidato à reeleição também mantém grupos fechados no facebook, tais como Brasileiros de direita nos Estados Unidos e Brasileiros de direita no Exterior. Organizam-se também presencialmente. Realizaram o evento Congresso Conservador Brasileiros – US em junho, na região metropolitana da cidade de Boston, nos EUA. O objetivo, segundo organizadores, foi divulgar ideias de direita e promover um dia de imersão em valores e pautas conservadoras.

Os enfrentamentos entre os diferentes grupos políticos são visíveis no exterior. Na semana passada, um grupo expressivo de apoiadores de Bolsonaro esteve sob a sacada da embaixada do Brasil em Londres, onde ouviu o discurso do presidente com fortes reações de apoio.  Ao mesmo tempo, ambientalistas brasileiros e não brasileiros protestavam contra o presidente, na capital da Inglaterra.

O tema é importante pois, de acordo com as últimas estatísticas do Itamaraty , entre 2015 e 2020 o número de brasileiros residentes no exterior aumentou em 55%. São aproximadamente 4,2 milhões de brasileiros morando fora do país, dos quais quase 700 mil estão aptos a votar nestas eleições.. A comunidade emigrada é territorialmente dispersa, mas permanece unida e até mesmo engajada em questões nacionais, por afinidades ideológicas e políticas. 

A presença de protestos relacionados às eleições em outros países reforça a ideia de que a ação coletiva pode ocorrer além das fronteiras e, ainda assim, manter-se conectada à  política doméstica. O teórico Kym Barry, ao analisar o fenômeno da cidadania e território, observa que  “a migração dissocia cidadania e residência, rompendo com as concepções organizadas de Estados-Nação como entidades territoriais limitadas com populações fixas”.

A imagem de um bumerangue foi usada para explicar como funciona a pressão internacional para temas nacionais. Grupos da sociedade civil sem acesso aos governos nacionais buscam aliados internacionais – organizações do sistema ONU, outras ONGs – para pressionar governos e identificado no influente trabalho das pesquisadoras Margareth Keck e Kathryn Sikkink, ainda nos anos 2000.

As manifestações e protestos eleitorais nem sempre chegam a angariar parceiros internacionais, mas podem ganhar atenção da mídia internacional ou, quando são bem conectados em redes sociais, chegar a influenciar brasileiros – aqui ou no exterior.

Nesta eleição, quando a adesão ao nacionalismo é um dos temas em disputa, é curioso que as disputas nacionais sejam, também elas, afetadas pelo aumento da circulação de pessoas para além das fronteiras nacionais. A globalização se apresenta nas dinâmicas eleitorais por meio dos eleitores. 

Priscila Delgado de Carvalho é pesquisadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (pós-doutorado) e pesquisadora associada do INCT Instituto da Democracia. Investiga a atuação de atores coletivos em processos democráticos, com ênfase na transnacionalização de movimentos sociais e sindicatos rurais, e percepções de cidadãos sobre autoritarismo e democracia. Doutora em Ciência Política pela UFMG.

Mariana Dutra é Mestre em Políticas Públicas pela FLACSO e graduada em Ciências Sociais pela UFPR. Atua como Pesquisadora & Gestora de Projetos em organizações sociais nacionais e internacionais nas áreas de Cidadania, Políticas Públicas e Migrações. Está Diretora Executiva do Instituto Diáspora Brasil. 

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