Por Daniel Estevão Ramos de Miranda

As eleições de 2022 em Mato Grosso do Sul sofrem a influência do rescaldo do bolsonarismo. O fato mais destacado e inédito é o protagonismo nacional assumido por duas de suas senadoras, ambas candidatas à Presidência da República: Soraya Thronicke (União Brasil) e Simone Tebet (MDB).

Eleita na “onda Bolsonaro” de 2018, Thronicke foi progressivamente se afastando do bolsonarismo “puro”, tornando-se, inclusive, crítica do governo federal, e estreitando laços com as lideranças nacionais do PSL, ao mesmo tempo em que firmava sua liderança no diretório estadual daquela sigla, ainda antes da fusão com o DEM. Ela é também a última remanescente dos quatro senadores eleitos pelo PSL em 2018 (Major Olímpio faleceu, Flávio Bolsonaro migrou para o PL e a Juíza Selma perdeu o mandato). Encabeçar a chapa presidencial do novo condomínio partidário que gerou o União Brasil é, portanto, a culminância de sua pragmática estratégia de sobrevivência política pós-bolsonarismo.

Simone Tebet e Soraya Thronicke. Foto: Reprodução/TV Band

Paralelamente, a candidatura presidencial de Simone Tebet também é resultado parcial de decisões visando sobrevivência política diante dos impactos do bolsonarismo, mas por outras vias e circunstâncias. Com sólida carreira política em Mato Grosso do Sul e eleita com votação expressiva para o Senado em 2014, Tebet decidiu não concorrer à reeleição seja para aproveitar a conjuntura favorável resultante da nacionalização de seu nome na esteira da CPI da Covid, seja por ter calculado que provavelmente não se reelegeria senadora diante da força avassaladora acumulada pela ex-ministra do governo Bolsonaro, Tereza Cristina (Progressistas), a terceira mulher protagonista nessa eleição sul-mato-grossense de 2022.

Completando o quadro dessa dimensão mais nacionalizada, Luiz H. Mandetta (União Brasil), também ex-ministro do governo Bolsonaro que ganhou muita visibilidade nacional no início da pandemia de Covid-19, concorre ao Senado, mas com uma candidatura que não ganhou muita tração na medida em que aquela visibilidade se esvaiu rapidamente enquanto capital eleitoral ao mesmo tempo em que Tereza Cristina consolidou sua posição como a candidata de Bolsonaro em um estado onde os partidos mais à direita são historicamente mais fortes.

Dado esse histórico mais conservador e o desempenho de Bolsonaro em 2018, dois candidatos ao governo tentam captar o eleitor bolsonarista: Eduardo Riedel (PSDB) e Capitão Contar (PRTB). Esse último, eleito deputado estadual mais votado em 2018 na onda bolsonarista, seguiu o presidente Bolsonaro quando esse ingressou no PL, supondo ser o candidato “natural” do partido e do bolsonarismo no estado. Contudo, ficou sem espaço quando o PL decidiu não lançar chapa para o governo estadual, apoiando o PSDB. Migrando para o PRTB, Capitão Contar trocou uma reeleição provavelmente fácil para a Assembleia Legislativa de MS por um arriscado movimento de ascensão política na expectativa de que a força do bolsonarismo puro no estado seja suficiente pelo menos para levá-lo ao segundo turno, algo que as pesquisas até o momento não apontam.

Já Eduardo Riedel, ex-secretário de infraestrutura do atual governador Reinaldo Azambuja (PSDB), conta com o apoio do agronegócio (setor econômico mais forte do estado), da máquina do governo, das forças políticas no interior do estado (o PSDB elegeu 45% dos prefeitos de MS em 2020) e do próprio presidente Jair Bolsonaro, que declarou apoio durante sua participação por vídeo-chamada na convenção do PL-MS. Para selar o compromisso, Riedel compõe chapa com Tereza Cristina, cujo suplente é o amigo pessoal de longa data de Jair Bolsonaro, o Tenente Portela.

Contudo, embora as eleições majoritárias (Governo e Senado) em MS sejam marcadas por tais influxos bolsonaristas, o único favoritismo identificado nas pesquisas de intenção de voto até o presente momento é o de Tereza Cristina para o Senado. As eleições para o governo estadual são marcadas pela disputa mais acirrada não apenas deste século, mas provavelmente da história de MS. Colocando em perspectiva histórica, os vencedores de todas as quatro eleições para governador realizadas entre 1982 e 1994 obtiveram sempre mais de 50% dos votos no 1° turno (ou no turno único, antes de 1988). Entre 2002 e 2018, a disputa, mesmo quando intensa, se concentrou em apenas duas grandes candidaturas. A exceção, portanto, foi a eleição de 1998, com três candidatos fortes e competitivos.

Dada essa trajetória, é necessário ressaltar o ineditismo de quatro candidaturas competitivas para o governo de MS em 2022: a de Eduardo Riedel, já indicada acima, a do ex-governador André Puccinelli (MDB), a do ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD) e a da deputada federal e ex-vice-governadora, Rose Modesto (União Brasil). As pesquisas apontam a liderança de Puccinelli, mas não muito folgada, pois oscila entre 25-30% das intenções. Ele é seguido pelos outros três que, dependendo da pesquisa e das margens de erro, ora estão empatados tecnicamente, ora se distanciam, mas ficam em geral entre 14% e 20% de intenções de voto cada um. Se as intenções de voto do Capitão Contar, que se aproxima dos 10%, crescerem, poderá entrar no páreo. Já as candidaturas de esquerda (Giselle do PT, Adonis do PSOL e Magno do PCO) somadas ficam abaixo dos 5% de intenções de voto.

Os currículos dos quatro candidatos mais competitivos, resumidos muito brevemente acima, apontam outra tendência que marca as eleições de 2022: o fechamento das portas, partidárias e entre o eleitorado, para os outsiders, a valorização da experiência e do profissionalismo político pelos próprios candidatos e, a julgar pelas pesquisas eleitorais, pelos próprios eleitores, majoritariamente. Se, em 2018, o então novato na política Juiz Odilon disputou o segundo turno contra Reinaldo Azambuja, em 2022 não há mais esse espaço, pois mesmo que o maior herdeiro do discurso antipolítica de 2018, Capitão Contar, cresça nas pesquisas, não se trata mais de um novato ou outsider propriamente.

Portanto, as eleições de 2022 parecem ser o marco principal do processo de reorganização das forças políticas e partidárias após o violento choque que a onda bolsonarista produziu. Onda essa que, ao que tudo indica, não deixará muitos herdeiros diretos no estado.

Daniel Estevão Ramos de Miranda é doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.

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