Crescimento da violência letal, sensação de impunidade e eleições são a mistura perfeita para o charlatanismo das propostas no campo da segurança pública

Arquivo / Agência Brasil

Quando começa o período eleitoral, é possível completar uma cartela de bingo com as promessas mais realizadas quando se trata de justiça para se ganhar votos. As propostas são sempre as mesmas: mais presídios, menos direitos, fim das saídas temporárias, penas mais duras… Essas ideias estão a serviço de uma sociedade que privilegia a violência e a punição como principais intermediadoras dos conflitos e que ignora que o sistema de justiça penal que conhecemos hoje se baseia em desigualdade e exclusão. 

Nos últimos 20 anos, por exemplo, a população carcerária mais que triplicou e, durante a pandemia, pessoas privadas de liberdade foram literalmente deixadas para morrer. Do lado de fora da prisão, convivemos com uma política de segurança pública que se vale de uma lógica de repressão e cujas promessas visam apenas maquiar a realidade para passar a sensação de que algo está sendo feito. Mas cabe a pergunta: você tem se sentido mais seguro ou segura? 

Grande parte desse aumento do encarceramento está relacionado à nossa política proibicionista de drogas. Contrariando o que está sendo feito em parte do mundo, a política criminal que temos hoje aumenta a criminalidade e os modelos de segurança aplicados falham em endereçar suas causas. As violações que ambos carregam trazem consequências negativas para toda a população, mas em um país atravessado por uma enorme dívida racial como é o nosso, são os jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade que mais veem as suas vidas atingidas.

E na tentativa de banalizar questões complexas durante o período eleitoral, quem perde é o eleitor. Um exemplo disso é a política de drogas ter sido reduzida no estado de São Paulo ao combate à cracolândia. Após uma série de ações desastrosas que ocorreram neste ano contra pessoas em situação de rua e uso abusivo de drogas, a pauta já ocupou os discursos dos pré-candidatos ao estado de São Paulo. As soluções apresentadas nos discursos foram internação compulsória, aumento de efetivo policial e bonificação por atuação em operações na região, além do “combate ao crack” e ao tráfico sem maiores especificações de como isso se daria.

As promessas desconsideram uma série de questões, desde a falta de moradia digna e saúde até o fato de que o álcool (e não o crack) é considerado por pesquisadores da área como o grande causador de problemas de violência entre a população de rua. A solução mais óbvia seria a abordagem multidisciplinar, mas o que é oferecido para a sociedade é um policiamento mais repressivo que em nada resolverá a questão.

As operações policiais têm sido colocadas como a principal forma de combater crimes contra a vida. Mas o resultado delas é tão somente o aumento dos dados de letalidade e o encarceramento em massa de pessoas que cometeram crimes sem violência.

Em 2020, período em que as pessoas mais ficaram em casa devido à pandemia, a polícia matou mais do que em todos os outros anos que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública monitorou, desde 2013. Já neste ano, mais de 70 crianças e adolescentes foram baleados em Pernambuco, de acordo com o Instituto Fogo Cruzado. Para que não fiquemos apenas na abstração dos números, um desses casos foi o de Heloysa Gabrielli, de apenas 6 anos, baleada no peito enquanto brincava na casa da avó, em Porto de Galinhas, Região Metropolitana do Recife.

A ausência da devida investigação e responsabilização de crimes violentos é o que causa na população uma sensação de impunidade, sendo que o Brasil é um dos países que mais aprisionam pessoas no mundo. Ou seja, pune-se muito e mal. Essa cultura é tão forte que faz com que o investimento só em manutenção do sistema prisional, sem incluir outras pastas ou novas vagas, tenha sido mais alto que o investimento federal feito em educação básica em 2021, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ocorre que essa aposta tem sido feita todos os anos, inclusive por governos ditos progressistas.

Para sairmos desta lógica é necessário um olhar sistêmico para os problemas sociais. Precisamos encarar e enfrentar o racismo, que é estrutural no modo como a sociedade pensa o tema. É preciso escutar as vítimas dessa política, as mães das vítimas, seus familiares. Precisamos, também, que a sociedade esteja inteirada, discuta os temas para que a justiça criminal e a segurança pública não fique restrita a um grupo seleto, onde sempre as mesmas pessoas públicas e instituições falam sobre o tema. É preciso discutir segurança pública no campo, nas cidades e, em especial, nas periferias onde é mais negligenciada e abarca o maior número de vítimas.

Ana Navarrete é jornalista, especialista em Direito da Criança e do Adolescente e comunicadora do GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares.

Giovanna Preti é comunicadora na Rede Justiça Criminal e especialista em Mídia, Política e Sociedade.

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