Por Henrique André

Henrique André, 43 anos, nascido em São Paulo, enraizado em Petrolina, Pernambuco, forjado no afeto, ativista de nascimento, designer orgânico e de formação. Fui apresentado ao Design, ele ainda se chamava Desenho Industrial, não era tão badalado como hoje mas sempre foi inspirador e desafiador, como segue sendo.

No final dos anos 90 cursei na FAAP, Fundação Armando Álvares Penteado, 4 semestres do curso de Desenho Industrial, profissão pouco consumida, mas que estava em exponencial crescimento. Um divisor de águas para mim, homem negro que buscava se entender e se encontrar dentro de uma estrutura social que, por vários motivos, não me acolhia. Um dos motivos que me levou à não conclusão do curso.

A semente do Design estava plantada em mim: praticava Design Thinking mesmo quando estive distante da área, traduzindo ao pé da letra “Pensar como projetista”. Design Thinking é um método para estimular ideação e a perspicácia ao abordar problemas relacionados a futuras aquisições de informações, análise de conhecimento e propostas de soluções.

No processo de conquista de espaço quando cheguei em São Paulo, em dezembro de 1998, vindo de Petrolina – cidade do vale do São Francisco em Pernambuco –, onde cresci num núcleo familiar preto, mas que não tinha a discussão racial como tema cotidiano, deparei-me com a poesia periférica. A potência do movimento Hip Hop e a transição dos bailes blacks, começaram a ganhar espaço em territórios sofisticados da cidade de São Paulo, como Pinheiros e Vila Madalena.

O Hip Hop – que nasceu no gueto – é um dos movimentos mais transformadores na sociedade: a arte, a música, a moda, a atitude e o comportamento cultural são outros após sua existência. Este movimento foi essencial para potencializar minha auto estima e a minha produção criativa, me fez pensar soluções para seguir me expressando, como homem, preto, de 1,90m, barba e cabelo Black.

O Desenho Industrial passou a ser chamado de Design e o curso foi desmembrado em seus seguimentos: design gráfico, design de produto e esse processo de certa forma me fez acreditar que o curso não era para mim, que tinha que entrar numa caixa, numa partição social, para seguir vivo e producente dentro de uma estrutura social que me via como uma ameaça e que, muitas vezes, apagava minha existência.

Mas minha existência nunca foi negociável, sempre ativo e em constante transformação, a escrita reverberou forte em mim, a poesia começou a aflorar na minha vida adulta como brotava quando eu ainda era criança, aos 12 anos, lá em Petrolina. E, junto da potência da escrita, a vontade de recitar, gritar pro mundo meus escritos também veio. Fui estudar teatro.

Um curso livre que durou pouco, que não me ajudou a recitar melhor, mas me fez escrever mais. E o que era para ser uma peça teatral se torna um livro, uma história de sonhos, pesadelos, fantasia, humanidade, sentimentos e sentidos; e como o ativismo e militância se manifesta de várias formas, o livro é afrocentrado, com apenas personagens negros e para homenagear a ancestralidade, todos os nomes próprios são em iorubá. Mas ainda faltava algo, uma comunicação para disputar o imaginário eurocêntrico que nos é imposto nos mecanismos de educação e formação. Faltava a ilustração, que mesmo sabendo da minha aptidão para o desenho e as técnicas adquiridas na Faculdade, que eu tinha abandonado, não me sentia seguro para executar. As andanças por eventos de cultura me apresentaram várias pessoas, entre elas evidencio Isaac Santos (@isaacosantos), jovem artista, quadrinista, ilustrador e designer, que contribuiu com meu primeiro projeto literário em prosa, não somente com ilustrações generosas, mas também com apontamentos no texto e, principalmente, como inspiração. Isaac é um artista completo, com escrita rica e ilustração cheia de significado e expressão. Muito generoso, aceitou de imediato o convite para ilustração do primeiro livro afrofuturista que escrevi.

“Alágbára: o Sonho”, foi publicado e esse livro me trouxe muitos presentes, como o reconhecimento enquanto escritor Afrofuturista, conhecer pessoas, visitar lugares e a participação no coletivo “O Futuro é Preto”, que reacendeu a chama da academia em mim. Estar com pretas e pretos que disputam o espaço acadêmico, com relevância e protagonismo, foi o incentivo necessário para eu voltar o olhar para os estudos, seguir produzindo arte, desenhando,aprendendo e continuar contando histórias.

A medida que as pesquisas sobre afrofuturismo foram sendo aprofundadas, o desenvolvimento do trabalho como design foi crescendo: na área editorial, com diagramação e ilustração, pensando soluções na relação com as pessoas e como os livros e revistas podem chegar aos leitores e impactar a vida desses consumidores. No ativismo,o olhar ampliou, não só para os desdobramentos do racismo, mas também para as causas LGBTQIAP+, para a acessibilidade e a educação.

Para um homem negro, que supera as estatísticas na estimativa de tempo de vida, existir é uma ato de resistência e trazer as pautas  minoritárias em seu trabalho, arte e estilo de vida é uma ato de militância constante. Design e ativismo convergem em mim e crescem com a oportunidade de escrever e pensar questões cotidianas que nos atravessam aqui no Design Ativista.

Henrique André é designer gráfico, escritor e pesquisador Afrofuturista que busca inspiração no cotidiano e na ancestralidade. Está no Coletivo “O futuro é preto”, grupo voltado para ações de tecnologia, inovação, educação e cultura por um olhar afrodiaspórico.

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