O Brasil tem se tornado recorrente cenário de chuvas cada vez mais fortes — como a enxurrada que devastou Petrópolis, na Região Serrana do Rio, e as tempestades em Pernambuco.  Já está claro que os desastres socioambientais não são uma projeção pessimista, mas uma realidade avassaladora que tende a causar impactos cada vez mais graves sobre a vida dos moradores das cidades atingidas. As consequências de alagamentos e deslizamentos devastam, principalmente, a população negra, a mais pobre e que reside em locais mais precários. Somos nós, as mulheres e os jovens negros, as maiores vítimas de desastres socioambientais. Por trás desse fato reside uma outra tragédia, ainda maior, que devasta o povo preto há muito mais tempo, antes mesmo dos riscos provocados pelas emergências climáticas: o racismo ambiental.

Os negros ocupam as áreas mais pobres e abandonadas das cidades. Historicamente, favelas e periferias não recebem infraestrutura e serviços adequados, tornando o povo preto uma presa fácil e mais vulnerável a qualquer evento climático. É o que chamamos de racismo ambiental. O resultado dessa desigualdade a gente vê todo verão. Centenas de vidas que se esvaem em deslizamentos. Famílias inteiras desmoronadas. Em um contexto de emergência climática, sanar o déficit de infraestrutura das áreas pobres se torna ainda mais urgente. Trata-se de fazer justiça ambiental. Como primeiro passo, é preciso direcionar os recursos para quem mais precisa deles.

É o que recomenda o Plano Estadual de Adaptação às Mudanças Climáticas elaborado em 2017, mas que não saiu integralmente do papel. Embora remonte há cinco anos, o documento ainda apresenta propostas válidas. Entre elas, além de levar infraestrutura às regiões mais pobres, preservar os ecossistemas, planejar o uso do solo e impedir construções em áreas de risco. Estamos na terceira década do século XXI e os municípios não dispõem de plano de contingência definindo os procedimentos necessários em situações de calamidade. Como pode?

As centenas de mortes causadas pelas tempestades em todo o Rio de Janeiro vêm no rastro de uma inanição de investimentos estaduais. De acordo com o Portal Transparência Fiscal, os gastos com prevenção de risco e recuperação de áreas atingidas, em 2021, alcançaram somente 40,4% do valor reservado no orçamento do ano. O governo do estado executou, no ano passado, apenas 23,6% do total previsto na recuperação dos municípios da Região Serrana.

A Lei Orçamentária de 2022 não anuncia mudanças de rumo. Destina à gestão ambiental do estado 54% menos recursos, em comparação com 2021 (já considerando a correção da inflação de 10,06%). A verba da Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade sofreu redução de 31,2%. O investimento em gestão e prevenção de risco geológico teve diminuição de 99,95%. Para as ações de preparação de emergências e desastres nada foi reservado. E, até março, Claudio Castro executou apenas 6% do previsto para 2022 com medidas de prevenção e de resposta ao risco e recuperação de áreas atingidas.

Em vez de agir antecipadamente, o poder público prefere reagir às tragédias com assistencialismo e militarização, recorrendo a agentes da defesa civil e ao Exército no socorro às vítimas. Um modelo de resposta que chega tarde demais e gera custos altos. A mudança é paradigmática. Passa por implantar a governança climática no Rio, como proponho no Projeto de Lei 5440/2022. Não dá mais para pensar a sociedade dissociada do meio ambiente. Todas as decisões da administração pública devem ser avaliadas frente aos riscos e às oportunidades que as emergências climáticas geram.

O Rio precisa de um sistema de monitoramento de eventos ambientais, de estudos de impactos das vulnerabilidades e de ações de mitigação de desastres. Para já. O que o governo está esperando?

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