O Serro nasceu da mineração colonialista do século 18, baseada no ouro e pedras preciosas. Mas séculos depois, é um exemplo bem-sucedido da superação de um regime exploratório. A cidade foi a primeira a ter seu conjunto arquitetônico tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e o desenvolvimento da agricultura familiar permitiu que a produção – do internacionalmente reconhecido – Queijo do Serro fosse o primeiro Patrimônio Cultural Imaterial de Minas. Além disso, Serro é abrigo de comunidades quilombolas e todo conhecimento e cultura que resistiu à escravidão.

Mas, infelizmente, vemos novamente a cidade e todo seu incomparável patrimônio e meio ambiente ameaçados pela mineração. Projeto “Céu Aberto” da mineradora Onix promete “avanço” aos velhos moldes da mineração extrativista.

Desde 2019, já denunciávamos o perigo do então projeto da mineradora Herculano nas proximidades dos territórios das comunidades quilombolas de Queimadas, e todo dano que o licenciamento para mineração traria.

Licenciamento que abriu um precedente perigoso, e fez com que me juntasse novamente à população de Serro, e principalmente às comunidades quilombolas da região, na luta contra mais um empreendimento de mineração, agora proposto pela empresa Ônix Mineração.

O projeto, como apontado pelo Grupo de Estudo em Temáticas Ambientais (Gesta), da UFMG, não apresentou informações fundamentais sobre seus impactos ambientais e para a população, não tendo nem citado a comunidade quilombola de Queimadas. É também ilegal segundo o próprio plano diretor da cidade, como colocado pelo Laboratório de Estudos em Geopolítica do Capitalismo (Legec), da UFV. Ainda assim, o CODEMA (Conselho de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Serro) organizou reunião e, ignorando os especialistas e o povo serrano, aprovou por 9 votos o licenciamento.

Como presidenta da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, oficiei um pedido para que o projeto da “Mina Céu Aberto” fosse retirado da pauta e que se fosse aberto o diálogo com a população, assim como também fez o Ministério Público. Também aprovamos o requerimento de uma audiência pública sobre no que isso ocasiona a violação de direitos humanos.

Numa democracia é direito da sociedade civil a participação nos projetos que envolvem seus territórios e principalmente aqueles que os põem em risco, como, sabemos bem, é o caso da mineração.

Mas parecem desconhecer a constituição federal e a legislação ambiental que estabelece prerrogativas quanto à participação popular nos processos para conceder licenciamento ambiental. E de maneira gravíssima, reforça o racismo ambiental histórico, e ainda vigente em Minas, quando ignora a Convenção 169 da Conferência Geral da Organização do Trabalho (OIT) – que garante a participação das comunidades tradicionais na decisão sobre empreendimentos que impactam direta ou indiretamente sobre seus territórios.

Não damos a batalha como vencida. Seguimos trabalhando na proteção dos povos quilombolas e na construção de uma economia sustentável para as comunidades e para a cidade. Foi com esse intuito que enviamos, com emenda parlamentar definida de forma participativa, um trator e implementos agrícolas para uso do Quilombo de Queimadas e outros territórios. O desenvolvimento da agricultura familiar é a chave para uma economia construtiva! É preciso subsídio para os 1683 estabelecimentos agropecuários da região e aumentar os mais de 5 mil postos de trabalho que eles geram, segundo o IBGE. Longe dos insuficientes 100 empregos prometidos pela Ônix.

O futuro de Serro está na agricultura, no ouro branco que é o queijo ali produzido, no turismo ecológico – que em boa parte só é possível graças à proteção das matas e dos rios, feitas pelas comunidades quilombolas e sua cultura. Esse é o futuro quero quero ajudar a construir!

É evidente que o ciclo do ouro deu lugar ao ciclo do minério e da lama. O colonialismo moderno fica por conta da mineração predatória e das grandes corporações.

Queremos Serro livre da mineração! Queremos que as comunidades quilombolas sejam ouvidas por meio de consulta e tenham seus territórios preservados! Que o CODEMA e os órgãos responsáveis tenham como exemplo à justiça do Rio Grande do Sul, que atendeu os pedidos do povo Guarani e anulou o projeto que os colocava em risco, com à Mina Guaíba.

Eu continuo trabalhando diariamente na ALMG, mesmo diante da dificuldade para enfrentar as grandes mineradoras, em defesa de um desenvolvimento sustentável que preserve o meio ambiente, os povos tradicionais e sua cultura. E sigo determinada em não permitir que as nuvens cinzas do minério transformem o Serro num mar de lama.

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