Por Isabella Queiroz
Convidada: Ana Ribeiro

Você já se deparou nas redes sociais ou em outros veículos de mídia com anúncios envolvendo um processo seletivo focado apenas em um grupo de minorias?

A sociologia nos diz que minoria é um termo que se refere a diferentes grupos de pessoas que se encontram em posições sociais diferenciadas da maioria social, que são as pessoas que são mais próximas a cargos de poder social dentro da sociedade. Esses grupos geralmente têm maior dificuldade de acesso a condições básicas de sobrevivência, acesso a educação, saúde, segurança, etc, e se encontram em desvantagem com relação ao grupo da maioria social.

Esses grupos minoritários se encontram em desvantagem sempre por um motivo associado diretamente com o preconceito racial, classe social ou gênero, e muitas vezes uma coisa pode ser associada a outra e intensificar essa desvantagem. Esses grupos, por muitos anos ficaram, e ainda ficam, excluídos da sociedade, são e foram marginalizados e por muitas das vezes não tiveram seus direitos básicos garantidos.

Alguns grupos que reconhecemos como minorias são:

Minorias Étnicas: pessoas negras, indígenas ou outras denominações de etnia onde o indivíduo não se identifica como pessoa branca/caucasiana.

Minorias Nacionais: pessoas oriundas de países cuja a cultura, costumes, religião e língua diferem do país onde esse grupo se encontra.

População de baixa renda: esse grupo de pessoas, ao contrário do que o termo minoria possa indicar, são, na verdade, maioria absoluta no Brasil. São os indivíduos que vivem em situação de pobreza.

Também reconhecemos como minorias mulheres, indivíduos LGBTQIA +, pessoas com deficiência, entre outros grupos cujas dificuldades sociais são muito mais acentuadas.

É nítido que para uma pessoa negra o caminho para conseguir um emprego bacana, uma vaga na universidade, seus direitos básicos assegurados é muito mais conturbado.

Tenho inclusive o costume de falar “a gente que nasceu pobre, em zona periférica, sem acesso a educação de qualidade não tem que abrir as portas para crescer na vida, a gente tem que arrombar elas.” E a gente tem mesmo.

Com dados, podemos apontar as diferenças de maneira mais explícita. Segundo o IBGC, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, hoje 51% dos profissionais formais são mulheres, porém apenas 38% estão em cargos de liderança.

No começo de 2022, me deparei com algumas vagas exclusivas para mulheres, cisgênero ou transgênero, que foram muito atacadas na internet. Isso me fez pensar, o que se pensa quando se depara com um recrutamento pensado exclusivamente em um grupo de pessoas de minoria?  É importante ressaltar, também, que a vaga em questão era de um setor extremamente técnico onde 90% dos profissionais são homens,

A maior parte dos comentários vinham de pessoas que se identificam como homens cisgêneros brancos, e podem ser lidos a seguir:

Aqui vemos como exemplo a pejorativização de alguns direitos reivindicados por mulheres ao longo dos anos.

Já aqui, vemos a inexistência da compreensão acerca das dificuldades enfrentadas por mulheres para entrarem em setores técnicos profissionalmente, além da falta de compreensão acerca dos privilégios que a maioria dos profissionais da área possui e seu índice alto de contratação, ao contrário do foco da vaga: mulheres.

Essa problematização de processos seletivos sempre aparece no meio da divulgação deles, e o que observo é número de comentários negativos, muitas vezes preconceituosos e sem dimensão da questão em evidência, e que colocam esse tipo de prática como algo segregativo.

Porém, ao contrário do que pode se pensar sobre esse assunto, essa iniciativa é legal e não tem nada a ver com uma “discriminação” de homens brancos. Possui respaldo constitucional, pela Constituição Brasileira, além do respaldo do Estatuto da Igualdade Racial e do próprio Supremo Tribunal Federal.

A ideia de que isso gera segregação é uma ilusão, pois a inclusão de pessoas de diferentes grupos sociais em espaços onde não ocorreria de forma natural é o que gera a promoção da diversidade e inclusão, que deve ser sempre presente nos ambientes profissionais, além de outros. A segregação ocorre hoje, quando indivíduos pertencentes a grupos minoritários não conseguem ter acesso a empresas e posições dignas de trabalho.

Convidei para trazer mais sobre o assunto a Ana Ribeiro, que é Headhunter e especialista em recrutamento no setor de tecnologia, além de atuar diretamente na tratativa:

“Qual a sua reação quando se depara com processos seletivos exclusivos para mulheres ou pessoas negras?

Você acha que é só uma maneira de segregar as pessoas?

Na verdade, essa é uma prática legalmente reconhecida graças aos argumentos retirados de pesquisas de diversidade e inclusão em que é comum notar que os dados nos mostram que mulheres, por exemplo, estão presentes em um número muito reduzido de cargos de liderança ou até mesmo em posições intermediárias na hierarquia, isso quando é possível notar que existe alguma mulher ou pessoa preta presente. E ainda, representam uma minoria nas posições de atuação em áreas masculinizadas, como o ramo automotivo e da tecnologia.

Ta, mas qual o real impacto e a importância de gerar processos seletivos e programas de desenvolvimento com direcionamento explícito  de exclusividade para estes grupos de afinidade?

A resposta vai além do mínimo, que é a “reparação histórica”, ou seja, fazer algo em resposta ao atraso e danos que o cenário de pré-abolição da escravidão causou, agir quanto aos prejuízos do machismo na vida da mulher, à violência da homofobia, à exclusão do capacitismo, e à demofobia que reforça a aversão à pessoas de baixa renda. E esse ‘ir além’ se trata também da resposta para a análise dos dados que temos hoje e que de maneira muito lenta demonstram poucas mudanças em relação à diversidade. Como benefício, a consequência de ter pessoas diversas é gerar mais inovação, visto que podemos ter contato com diferentes visões de mundo.

E não vai pensar que esse direcionamento de vagas exclusivas tiram a oportunidade de alguém ou abaixar o nível da seleção. Esses pensamentos já são completamente enviesados e preconceituosos.

Todas as pessoas devem possuir acesso à carreiras dignas, porém os privilégios ainda não são iguais.

Lembre-se que acima de tudo, é importante ajudar a sociedade a não demorar 50 anos ou mais para dizer que realmente existe diversidade em todos os lugares.”

Para concluir, precisamos ter em mente que sim, as minorias sofrem inúmeros preconceitos e desigualdades, e isso as impede de chegar a cargos de liderança e de ter um emprego digno na maioria absoluta dos casos. A meritocracia que tantos falam é uma ideia falsa, que quando ocorre, ocorre de maneira seletiva. Escolhendo cor, bairro, renda, sexo, identidade de gênero e mais de 90% das vezes não se projeta em pessoas negras, de baixa renda, LGBTQIA+ ou mulheres.

Processos seletivos exclusivos são extremamente necessários e isso vai muito além de cotas.

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