Dez de fevereiro é o Dia Estadual de Mobilização para Enfrentamento da Covid-19 e seus impactos nas Favelas e Periferias, por meio da Lei 9186/2021, de minha autoria enquanto deputada estadual na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo é garantir que o Poder Executivo amplie a participação social na vigilância em saúde de base territorial e promova a proteção social específica para os territórios periféricos e favelados, com ações integradas entre a Administração Pública, as Universidades, a sociedade civil e os movimentos sociais.

Em 26 de fevereiro de 2020, há quase dois anos, aconteceu o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. O país, que já carregava as desigualdades sociais e econômicas em sua espinha dorsal, vem desde então lidando com a crise sanitária, ao mesmo tempo em que precisa disputar o imaginário da população frente ao negacionismo do desgoverno de Jair Bolsonaro. Analisando esse contexto historicamente, logo foi possível identificar que moradores de favelas e regiões periféricas enfrentavam a pandemia de Covid-19 de forma diferenciada: falta d’água e saneamento básico, acesso aos serviços de saúde, maioria nos serviços essenciais e informais onde o isolamento social era inviável, além da alta concentração de pessoas por domicílio, com a maioria das casas possuindo pouca iluminação e ventilação natural e ainda pouco espaço físico.

Apesar dessa realidade, foi a população periférica e favelada que assumiu a linha de frente do enfrentamento do vírus em suas localidades, uma vez que as ações dos governos e as estatísticas não chegavam em seus territórios de forma específica. Um exemplo disso foi o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, composto por 21 organizações e coletivos, além de 27 instituições parceiras; que desde julho de 2020 publica dados sobre o alcance da Covid-19 nas favelas. De acordo com levantamento da organização Comunidades Catalisadoras (Concat), que compõe o Painel, nessa mesma data havia casos em que os números de Covid-19 coletados por entidades das favelas eram nove vezes maiores do que os oficiais.

Outra iniciativa direta de entidades de favelas foi o CoronaZap, idealizada e implementada na favela do Borel pelo jornalista e morador Igor Soares, juntamente com uma equipe de voluntários também moradores. Com o considerável aumento no número de mortes e relatos de pessoas com sintomas do novo Coronavírus na favela, alguns pesquisadores do território foram em busca de notificações da prefeitura através dos postos de Saúde da Família (PSF) e das Unidades de Pronto Atendimento ( UPA) da Grande Tijuca. E para a surpresa, não havia nenhum tipo de registro especial dos territórios da favela. Apenas casos registrados por bairros. O Coronazap, era um canal de comunicação direta entre pesquisadores e moradores do território para que pudessem ter uma ideia mais realista de como o vírus estava atingindo o cotidiano da população e suas consequências. Foi disponibilizado o número de um whatsapp, onde o morador preenchia um questionário com os seus dados pessoais, sintomas, período de contaminação, dentre outros, armazenados em um banco de dados que mais tarde viraram relatórios.

Desde o início da pandemia, a Federação das Associações de Favelas, Comunidades e Amigos do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) denunciava que os governos federal, estadual e municipal não tinham um plano de contingência contra o novo Coronavírus. Foi

nesse contexto que diversas organizações sociais tiveram que mobilizar seus canais de comunicação para que a população entendesse a necessidade do isolamento. Para isso, realizaram campanhas de arrecadação de alimentos e kits de higiene para ajudar as pessoas a respeitarem a exigência que poderia lhe assegurar a vida.

Muitas lideranças comunitárias perderam a vida no combate ao Coronavírus, pois ao mesmo tempo em que o Covid-19 chegou a matar mais de mil pessoas por dia, também havia o problema da fome. Em âmbito estadual, o Programa Supera Rio de auxílio emergencial se mostrou insuficiente para sanar todos esses problemas com apenas R$ 300. Outra ação feita pela FAFERJ durante a pandemia foi o auxílio solidário em parceria com o Movimento Favelação, onde era doado o valor de R$ 300 às famílias em situação mais vulnerável, com o objetivo de complementar suas rendas e essas famílias pudessem comprar gás de cozinha e outros mantimentos inflacionados durante a pandemia.

Paralelamente a isso, as operações policiais não pararam durante a pandemia e diversos movimentos, assim como nosso mandata, se mobilizaram para que a ADPF 635 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) fosse cumprida. Desde que essa medida entrou em vigência, em 5 de junho de 2020, restringindo operações policiais não urgentes e não planejadas em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia, que deveriam ocorrer somente se fossem estritamente necessárias e com a ciência do Ministério Público, houve 1.852 tiroteios em ações ou operações policiais na Região Metropolitana, uma queda de 39% no período de um ano e sete meses antes da decisão (3.022), segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Isso quer dizer que, mesmo com a diminuição dos casos, ainda tivemos os assassinatos bárbaros de João Pedro, Katlhen Romeu e a Chacina do Salgueiro em novembro de 2021.

Nesse campo de atuação, as mulheres negras criaram redes de solidariedade que já existiam antes da pandemia, agora para a sobrevivência das comunidades. Eram elas que estavam à frente dos grupos de doações, das cozinhas solidárias, na confecção de máscaras e também no trabalho direto como agentes comunitárias de saúde, enfermeiras, técnicas, médicas. A linha de frente no enfrentamento à Covid nas favelas tem cara de mulher negra!

Hoje, cerca de 13,6 milhões de pessoas vivem em favelas e periferias, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva. E, dentre os mais afetados pela pandemia nesses locais estão as mulheres, que chefiam quase metade dos lares brasileiros. Segundo a pesquisa, mais de 5,2 milhões dos moradores de favelas e periferias são mães, e mais de 92% dessas mulheres revelaram que tiveram ou terão dificuldade para comprar itens básicos de sobrevivência e de garantir o sustento e alimentação de suas famílias.

Só é possível estabelecer critérios de enfrentamento à Covid-19 se os poderes entenderem a complexidade socioeconômica e geográfica do Rio de Janeiro, atravessados por raça, gênero, classe e bairro para elaboração de dados precisos sobre o contágio, letalidade e vacinação. Entretanto, até o momento, o governo do estado do Rio de Janeiro não apresentou esses levantamentos como exige a Lei. E a população favelada, junto às universidades e organizações sociais, seguem sendo a grande protagonista e pesquisadora dos rumos que a pandemia pode causar com suas variantes.

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