Em entrevista exclusiva após lançar “Quantas Vezes Você Já Foi Amado”, o rapper baiano fala sobre traumas, afetividade do homem preto, música e cancelamento de pessoas negras

Foto: Wilmore O. / Divulgação QVVJFA

Diogo Álvaro Ferreira Moncorvo, o Baco Exu do Blues, parece estar sempre em conflito com o que fazer e o que esperam dele. Sorridente, conta que se atrasou para a entrevista por estar discutindo com um jornalista branco em outra entrevista. Em início de divulgação do novo álbum ‘Quantas Vezes Você já Foi Amado’ (QVVJFA), Baco rejeita a busca por polêmicas a todo custo, ainda mais quando seu mais novo trabalho é uma profusão de confissões pessoais que já dizem tanto. “Tomo cuidado nos meus posicionamentos porque estou dentro de uma luta muito específica. Quando estou mal eu só sumo e nao vou despejar as coisas porque sempre que eu aparecer os homens estarão para me derrubar”, reflete.

“Eu sinto tanta raiva que amar parece errado”, ele canta na primeira faixa do novo disco. No entanto, o Baco que se apresenta é leve, parecendo satisfeito com o resultado que conseguiu ao dedicar um trabalho inteiro à afetividade preta do homem preto. “Como se vence uma guerra? Cortando o suprimento. Destruíram nossa autoestima, nossa noção de amor e afeto, a gente não acredita no nosso amor e o que vai dar mais força pra gente é o amor.  Antes de lutar, a gente tem que aprender a se admirar. Eles botam a gente para se digladiar porque é muito cômodo”, diz o rapper baiano de 26 anos recém completados.

Baco ficou afastado das redes sociais. Durante a pandemia evitou declarações sobre assuntos que poderiam envolvê-lo numa espiral de mal resolvidos. Acompanhou o cancelamento de participantes negros no BBB21 e sabe que para recuperar a imagem de pessoas pretas depois de receber ataques é muito mais difícil que para pessoas brancas. “Uma régua enorme de condenação para gente e uma régua pequena para os caras. A gente sabe como isso funciona”, aponta.

O novo álbum vem após três anos do êxito de crítica e público ‘Bluesman’ (em 2020 ele lançou o EP ‘Não tem Bacanal na Quarentena). Em ‘QVVJFA’ as faixas usam blues, soul, hip-hop e MPB para versar a construção afetiva de um homem negro enclausurado pela pandemia. Baco parece querer exorcizar os traumas. “Como homem negro quero me reconhecer como indivduo cada vez mais, sair do lugar de estar em guerra sempre. Ser forte sempre,  me entender com minhas fraquezas, meus traumas e quando acontecer os embates ter força para lidar”, reflete o cantor que cita os trabalhos anteriores: “Esu como Bluesman eu falava sobre o que sentia na hora, urgência. Esse eu olhei para que eu passei de uma forma mais calma. Pensei duas vezes para entender de onde veio essa raiva, de onde veio esse processo. Não eram arranhões, eram grandes cortes e quando esse disco começou a nascer eu entendi a profundidade do que eu vinha sentindo”, completa.

A busca pela compreensão de traumas aparece em ‘Autoestima’, oitava faixa do álbum: Sempre tive o mesmo rosto/A moda que mudou de gosto/ E agora querem que eu entenda/ Seu afeto repentino/ Eu só estou tentando achar a autoestima que roubaram de mim.

Foi o primeiro lançamento  que me senti entendido de fato, disse.

Baco já tem o sucessor do álbum atual. “Bacanal” nasceu antes, mas o rapper julgou que não faria sentido  lançar neste momento. Julga o álbum guardado excessivamente pesado e talvez ‘QVVJFA’ sirva como uma preparação ao público para lidar com questões mais delicadas. Chegou a dizer que tinha medo que as mensagens pudessem desencadear gatilhos nos ouvintes. Lidando com questões psicológicas durante parte de sua vida, o artista busca entender que para tratar do tema é preciso cuidado. “Traz gatilhos mais fortes. Estou preparando meu pubico para o que virá. Seria uma irresponsabilidade se acontecesse alguma coisa com alguém”, disse.

Até o fechamento desta matéria, o novo álbum de Baco Exu era o quinto mais ouvido do planeta. Tinha conseguido 2.5 milhões de plays no Spotify só nos primeiros dois dias. O compositor disse ter ficado surpreso com a recepção imediata do trabalho. “Por muito tempo senti que as pessoas não me entendiam tanto. Foi o primeiro lançamento  que me senti entendido de fato. Foi rápido o entendimento, me senti abraçado e acolhido”, conta empolgado.

Baco promete que fará shows do disco em 2022. Desde que começou a pandemia evitou apresentações por conta de ser do grupo de risco para contaminação da Covid. O rapper que mesmo com números expressivos nas plataformas de música, nas resenhas positivas dos trabalhos não sabe mensurar seu tamanho dentro da cena musical, se despede sorridente e agradece por não ter participado de uma entrevista que tenta polêmica com pegadinhas. Baco só quer falar de amor e arte.

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