Quando eu era criança, em Monte Alegre, a saúde ainda não era um direito universal. Naquela época, esse direito era vinculado ao INPS (Instituto Nacional da Previdência Social)  e quem tinha acesso eram os trabalhadores/as com carteira assinada. Lembro que, um dia em que eu estava doente, meu pai, boia fria, brigava no sindicato rural para conseguir um atendimento para mim.

A saúde não era um direito. Essa conquista veio com a Constituição Federal de 1988, que a definiu como um direito de todas as pessoas e um dever do Estado. Foi a primeira vez que a lei reconheceu essa universalidade fundamental e o SUS tem cumprido um papel essencial na garantia desse direito. Nos relatos das pessoas mais velhas é comum lembranças de pessoas de sua convivência que morreram à míngua, morreram sem atendimento.

Da mesma maneira foi o direito à educação. No século XIX, no Brasil, a educação era um direito de muito poucos: dos brancos, dos homens, dos ricos, dos filhos dos colonizadores. Já indígenas, negros e negras, pobres, mulheres, pessoas com deficiência estavam fora da escola e do direito de aprender. Como resultado de muitas lutas, vimos esse direito também ser ampliado no século  XX. A educação formal passou a ser vivida pela maioria das crianças e adolescentes, atingindo quase 100% pelo menos no ensino obrigatório ao final dos anos 90.

Esses direitos são resultado de muita luta. Lutas de pessoas que dedicaram tempo para que saúde, educação, assistência social e outros direitos fossem garantias mínimas à todas as pessoas. Os/as servidores/as tiveram um papel fundamental para essas conquistas, tanto na luta quanto na implementação da política. E – apesar da grande contribuição que  nós servidoras/es públicos temos para a melhoria das condições de vida da população brasileira, para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil – vivemos um desmonte do serviços públicos e uma verdadeira cruzada das elites contra o serviço público.

Esse combate contra as/os servidoras/es públicos é explicada dentro da lógica do capital. A diminuição do papel do Estado na sociedade é parte fundamental do projeto neoliberal, na busca de ampliação dos negócios. Menos Estado e mais Mercado. Nesse projeto é preciso precarizar e privatizar a educação, a saúde, a previdência e assistência públicas, abrindo espaço para o mercado explorar melhor a classe trabalhadora.

E como é um projeto ruim para a maioria é preciso que a população aceite essas ideias e, olha aí a fake news – mesmo antes desse termo existir. Lá atrás, Collor associou servidores/as a marajás. A reforma da previdência de Temer/Bolsonaro também falava de acabar com privilégios. Mas a verdade é que o serviço público, em sua absoluta maioria, está longe de ser composto por maiorias privilegiadas. Ao contrário: muitas vezes é o único caminho para aqueles e aquelas que, mesmo tendo tido condições desfavoráveis conseguem driblar adversidades e, com muito estudo, melhorar um pouco as condições de vida em função do ingresso na carreira pública por concurso público.

E é exatamente a relativa autonomia da servidora e do servidor público que incomoda tanto as elites do Brasil, acostumadas a tratar a classe trabalhadora como objetos de sua vontade. Por essas razões que é estratégico para a elite destruir o serviço público. E não se faz isso sem uma campanha de destruição da imagem do servidor/a.

A pandemia evidenciou a importância do SUS, das escolas públicas, das políticas de assistência. Apesar da falta de recursos, do congelamento salarial, dos cortes de recursos da ciência, da saúde, da educação, das universidades, a situação do Brasil não foi ainda mais dramática pela força dos serviços públicos. Desse setor vem as boas respostas no desenvolvimento de pesquisas, na distribuição das vacinas, no atendimento à população acometida pela Covid 19.

É por isso que o governo Bolsonaro e parte grande do Congresso Nacional quer aprovar a PEC 32, a chamada PEC da Rachadinha. Ela é um tiro de morte no serviço público: retira a estabilidade do/a servidor/a concursado, entre muitos outros ataques.

Se o século XX, até os anos 90 foram de conquistas de direitos e afirmação de políticas públicas, desenvolvidas por meio do trabalho de servidoras/es públicos, atacar e desmontar os serviços públicos é central para o programa neoliberal. Se nos anos 90 essas contrarreformas já ocorreram, especialmente nos governos de Fernando Henrique Cardoso com as Reformas de Bresser Pereira, nos governos Temer e Bolsonaro temos um aprofundamento e aceleração das contrarreformas que visam o desmonte dos serviços públicos.

É isso que visa a PEC 32: excluir a exigência do concurso para ingresso no serviço público, acabar com a estabilidade do/a servidor/a para que se submetam aos *ditamos dos governos de plantão.* Isso vai ampliar o modelo da família presidencial que contrata gente da sua confiança e embolsa parte do dinheiro público dessas pessoas. Tudo na base do toma lá da cá. Uma terra sem leis.

É por tudo isso que barrar a PEC 32 é estratégica para a classe trabalhadora. Sem servidor/a público, não tem serviço público de qualidade e com continuidade. Quer homenagear o servidor/a público? Ajude a barrar a PEC 32. Esse é o desafio do momento. E, em tempo, participe dos atos pelo #ForaBolsonaro porque esse governo é inimigo dos serviços públicos.

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