Por Jaqueline Fernandes

Abre edital. Para saber, geralmente, tem que fazer parte um circuito seleto. Abre edital, uma mãe de santo que confere e-mail uma vez por semana recebe a informação. Não entende muito. Faltam dois dias. Pede ajuda. Ela faz uma rede, passa pros grupos de capoeira, que passam pros de percussão. O movimento cultural negro se agita, fóruns multiplicam a oportunidade. O correio nagô faz o serviço. A negrada se ouriça, quer participar, levar a cultura afro-brasileira pros palcos, ser remunerada. O jogo é pesado: tem que ter CNPJ, saber elaborar projeto, fazer inscrição online, ter nota fiscal para comprovar antigos cachês que nunca foram pagos, contratos que vão ser analisados pelo Ministério Público.

O terreiro não tem documento. A capoeira não tem Ordem dos Músicos. Mestras e mestres griôs não têm o valor da oralidade ancestral considerada na maior parte dos editais. As comunidades quilombolas não estão em dia com o ECAD. Nós sempre criamos, mas os direitos autorais não entram nos nossos bolsos. Para tradições negras, regras brancas. A cultura do sinhôzinho ainda é a que tem fomento. Quem tem os mecanismos, leva. E daí vem o papo de ter que aprender, é fato. Mas eu me pergunto pra que a mestra de capoeira vai querer ter OMB…e por aí vai a nossa batalha: qual edital vai considerar nossas especificidades? Porque também queremos jogar de acordo nossas preciosidades e referências.

Escrevi esse texto em 2009 e ele, infelizmente, é pior do que atual: retrocedemos. Tenho refeito vários caminhos que me fizeram chegar até aqui, desde os anos 90, e, cada vez mais, faz sentido escrever, pensar, agir e produzir. Eu sempre me ocupei muito em produzir e agora tenho me sentido muito impulsionada a escrever mais, compartilhar mais reflexões sobre gestão, sobre ações afirmativas, inovação e disrupção em torno das políticas públicas na área da cultura.

É preciso trazer inovação para o campo da administração pública e para as políticas culturais. Para isso é necessário encarar e enfrentar as disparidades com honestidade e empenho, trabalhar para superar as violências, exclusões e negações de direitos que espelham na cadeia produtiva da cultura as desigualdades presentes na sociedade e no mercado de trabalho em geral. E por falar em direito e inovação, precisamos mirar na mudança, tendo a legislação como prioridade. Modernizar o conjunto de leis e regramentos, incluir, avançar. Tenho sido repetitiva nisso, eu sei. É quase como se tivesse requentando alguns textos. Mas não. Enquanto o racismo sistêmico requentar formas de nos manter marginalizades, infelizmente, essas reflexões seguem atuais e precisando ser amplificadas.

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