Foto: Lucas Sharif

“E o esquecer, era tão normal, que o tempo parava…”

Ao som de “Fazenda”, música de Nelson Ângelo interpretada por Milton Nascimento no disco Geraes, começou a viagem de reencontro com o sertão mineiro, narrada a seguir, e tudo o que ele representa. Na arte e na vida, no campo e na cidade, na natureza e na cultura, este pedaço do Brasil ainda insiste em ser “esquecido”. Isso guarda em si um paradoxo, pois este esquecimento é problema e solução, é causa e efeito, é defeito e virtude, e é o enigma a ser desvendado por todos os que se dispõem fazer a sua travessia. A travessia do Caminho do Sertão.

Inspirado na magnífica obra de João Guimarães Rosa, o mineiro Almir Paraca tem se dedicado na última década a inventar tradições por estas “bandas”. Almir, que carrega no nome o seu território, a cidade de Paracatu, tem um longo histórico de militância e atuação política em todo o Noroeste mineiro. Já foi vereador e prefeito da sua cidade natal, foi também deputado estadual, por 3 mandatos, pelo Partido dos Trabalhadores. Contudo, Almir abandonou a política institucional, e desde 2013 tem se dedicado quase que exclusivamente a desenvolver o projeto “Caminho do Sertão”, que percorre todos os anos mais de 150 km a pé, desde o ponto de partida no distrito de Sagarana até o Parque Grande Sertão Veredas, onde finda a caminhada. Um percurso que corta o espaço/tempo retratado e universalizado pela literatura do consagrado escritor mineiro.

A convite de Almir Paraca, passei 10 dias na região visitando as comunidades quilombolas e descobrindo as belezas naturais. Tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do Projeto Caminho do Sertão desde a sua gênese, quando tudo não passava de uma “viagem” de Almir e Sandin Ulhoa (outro importante personagem desta história). Em 2014, ano de sua estreia, acompanhei a parte final da Caminhada, de Ribeirão de Areias até a chegada no Encontro Grande Sertão Veredas, realizado na cidade de Chapada Gaúcha. Retornar a ele, neste momento da minha vida e de nossa história me pareceu uma experiência desafiadora e necessária e, por isso, não pensei duas vezes em aceitar o convite do Almir para a imersão que aconteceria neste mês de setembro.

Foto: Lucas Sharif

De 2014 para cá, o Caminho acontece sempre no mês de julho, e desde então já recebeu centenas de pessoas, de muitos lugares e de perfis variados. De aventureiros e caminhantes a pesquisadores da obra de Guimarães Rosa, o Caminho tem reunido uma comunidade cada vez mais envolvida no seu processo de construção e gestão, e mais do que isso, tem cumprido um papel importante na organização das comunidades da região. Agora, o Caminho do Sertão se prepara para se tornar uma experiência permanente, aberta durante todo o ano, e esta viagem/imersão tem justamente este objetivo: debater com as comunidades e lideranças locais a implementação de uma organização mais sólida do turismo de base comunitária, e apresentar o território a novos parceiros do projeto.

Nas próximas semanas vou compartilhar essa vivência com vocês, contando um pouco da história do Caminho, suas comunidades, percursos, personagens, potencialidades e belezas naturais. Uma experiência que segue escondida como uma Vereda no Sertão, e que guarda em sua natureza, o bem e o mal, que se apresentam no meio do redemoinho…

Vai começar a travessia.

Esta é a Série Mundo Minas: as mil faces das Gerais – Especial Caminho do Sertão

“Água de beber
Bica no quintal
Sede de viver tudo
E o esquecer
Era tão normal que o tempo parava
E a meninada respirava o vento
Até vir a noite e os velhos falavam coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você, e no amanhã, nós…”

Trecho da música “Fazenda” de Nelson Ângelo interpretada por Milton Nascimento no disco Geraes.

Foto: Lucas Sharif

Foto: Lucas Sharif

 

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