Esta é mais uma entrevista exclusiva da seção “Vozes e rostos: comentaristas Paralímpicos” da NINJA Esporte Clube

Foto: Washington Alves/MPIX/CPB

Por Danilo Lysei e Laura Abreu

Tubarão da piscina. Quem carrega o título de um dos animais mais extraordinários dos sete mares, com toda a certeza nas piscinas temido é. Clodoaldo Silva compõe o time das lendas paralímpicas brasileiras reconhecidas mundialmente no esporte. Com o acúmulo de 14 medalhas nas edições dos Jogos Paralímpicos em que participou, bem como inúmeras vitórias em outras competições de natação, o brasileiro se tornou uma referência nas piscinas nacionais e internacionais pela sua atuação e trajetória pessoal.

Os mergulhos iniciais

Clodoaldo é portador de paralisia cerebral, ocasionada pela falta de oxigenação durante o seu nascimento. Em vista disso, o atleta se locomove sobre cadeira de rodas por conta do efeito em seus membros inferiores. Aos sete anos de idade, passou pela primeira cirurgia para desdobramento e alongamento das pernas. Incentivado à natação para reabilitação terapêutica desta e de outras cirurgias, sua mãe, Dona Maria das Neves, colocou o nosso protagonista nas águas aos dezesseis anos.

Dali em diante, o tubarão potiguar começou a avançar nas raias sem parar: “(…) Com apenas dois anos de piscina, participei do meu primeiro campeonato brasileiro, conquistando três medalhas de ouro. Em 1999, tive minha primeira experiência internacional, representando o Brasil no Mundial na Nova Zelândia. No mesmo ano, competi na 1ª edição dos Jogos Para Pan-Americanos, na Cidade do México. Não parei mais”, elenca.

Foto: Arquivo

No decorrer da trajetória, Clodoaldo compartilha que para que todo esse desempenho nas águas fosse escrito na história, sua mãe teve papel fundamental no apoio e referência de vida, desde o seu início. “Ela sempre me disse também que eu não me fizesse de coitadinho. Que eu agisse normalmente, como qualquer pessoa. E assim sempre foi. Todos os dias eu tenho desafios e na natação, não foi diferente”, reforça. O nadador aborda que foi após a participação em Sydney 2000 e conquista das 4 medalhas (prata nos 100m livre, 4x50m livre e 4x50m medley e bronze nos 50m), sem qualquer patrocínio, que percebeu que poderia fazer mais nas piscinas pelo seu futuro.

Até a edição seguinte, em Atenas 2004, o brasileiro era alimentado pelo treino e pelo foco na vitória. E foi no berço do olimpo que ele faturou uma expressiva conquista nas águas:

“Eu queria um ouro, mas pasmem, eu ganhei 6 e mais uma prata”, descreve. “O meu desafio foi chegar na piscina todos os dias, ter alimento em casa, ajudar minha mãe, fazer tudo que um ser humano normal faz e me desafiar a treinar como nunca para melhorar a minha vida e a vida da minha família”.

Descrição do Post: Clodoaldo (à direita) posa junto com Ádria Santos (à esquerda) mostrando inúmeras medalhas no pescoço. Ambos sorriem. #PraTodoMundoVer

Neste momento também, Clodoaldo pontua, que a sociedade começou a virar as atenções para atletas com deficiência: “foi contratada equipes de fotografia e de geração de imagem para poder colocar o esporte paralímpico na mídia em Atenas 2004. Olha que sorte a minha. A televisão estava lá. E eu, simplesmente ganhei sete medalhas. Surgia um multimedalhista paralímpico e, de quebra, o Brasil começou a conhecer o esporte paralímpico. Surgia também o interesse do SporTV (pelos jogos)”.

Tamanho foi seu percurso profissional dentro do esporte que, em 2016, Clodoaldo recebeu um dos convites mais valiosos que um atleta poderia receber: o de acender as chamas da pira paralímpica dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro.

Descrição do Post: #PraTodoMundoVer: Clodoaldo (à esquerda) bosa sobre o palco branco, ao lado da pira paraolímpica do Rio 2016. Ele usa roupas brancas e está sobre a sua cadeira de rodas. Na imagem está de noite e chove, e as chamas fortes iluminam o cenário.

Clodoaldo Silva recebeu as chamas de Ádria Santos, última brasileira a desfilar com a tocha e cruzar o estádio do Maracanã sobre a chuva. Foto: Marco Antonio Teixeira/MPIX/CPB

“Esse foi um dos momentos mais importantes da minha vida. Até hoje eu arrepio quando lembro. O Maracanã lotado. As pessoas gritando meu nome. A mensagem que passamos de inclusão. É um filme que faz parte da minha história”.

“No dia 7 vão completar 5 anos que passei por isso. Tá vendo quando eu digo que sou utilizado. Eu sei que faço a minha parte. Mas eu sou apenas uma ferramenta utilizada para mostrar ao Brasil que as pessoas com deficiência existem e que temos que fazer muito mais do que fazemos por elas para transformar o Brasil em todos os sentidos. Eu sou feliz por fazer parte de tudo isso”, projeta ele, sobre o marco das chamas.

Maré potente 

A trajetória do paratleta é apenas mais uma confirmação da importância da natação paralímpica. Neste ano, o tubarão passou suas “nadadeiras” para outros atletas que brilharam nas piscinas de Tóquio. A maré boa e potente do Brasil na natação garantiu 23 subidas ao pódio, Clodoaldo pontua que novos destaques surgiram e que essa geração vem forte.

Quando falamos de esporte paralímpico, temos que ter a consciência de que estamos falando não só disso. Estamos falando de inclusão, de quebra de paradigmas na sociedade, de igualdade e de muitas coisas. Estamos, de certa forma, nos mostrando e dizendo aos governantes que precisamos de mais atenção, que as pessoas com deficiência precisam de mais oportunidades. Daniel Dias e Gabriel Araújo, com o formato dos seus corpos, dizem que a gente não precisa cultuar também o corpo perfeito. Então, não é só sobre natação paralímpica ou esporte paralímpico. É sobre mudar o mundo. Uma medalha ou, no caso da natação, 23, valem muito, entende? A natação fez o seu papel enquanto esporte de alto rendimento e também fez o seu papel enquanto bandeira das pessoas com deficiência. Isso é lindo, que orgulho!”, reforça o campeão das águas.

Consciente também do divisor de águas que foi seu período terapêutico, ele enfatiza que “a natação vale muito para o Brasil porque ela forma ídolos com deficiência, dissemina isso para as crianças e pode ajudar a mudar a visão delas em relação às raízes preconceituosas, impregnadas na sociedade“.

Da piscina para as telinhas

Veterano no esporte paralímpico e das telinhas, Clodoaldo já é figurinha carimbada nas transmissões das disputas de paranatação. Ele já participou da bancada como comentarista dos Jogos Parapan-Americano de Lima, em 2019, e do Campeonato Mundial de Natação. Neste ano, ele voltou para a televisão com a missão de comentar as disputas das raias aquáticas, a cerimônia de abertura e encerramento dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020.

“Eu torço pelo Brasil como brasileiro, então a emoção é grande demais”. É assim que Clodoaldo define o sentimento de participar das transmissões deste ano, sabendo da importância de ter esse espaço ocupado por pessoas com deficiência (PCD) e o quanto isso é representativo.

 

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“A mídia precisa nos enxergar. Precisamos dizer ao mundo da mídia internamente que podemos ocupar os espaços de comentaristas, produtores, narradores e todos os espaços. Por outro lado, ter um Clodoaldo ou uma Ádria na frente da TV é também dizer para o Brasil que não existe nada que não possamos fazer”, destaca.

Apesar de reconhecer que ainda há muita coisa a ser melhorada na cobertura dos jogos paralímpicos pela mídia tradicional, Clodoaldo aponta que estamos no caminho certo e relembrou que os primeiros passos da cobertura do desporte paralímpico foram dados na edição de Atlanta, em 1996, com jornalistas convidados pelo Comitê Paralímpico Brasileiro. Hoje, a transmissão do evento se concentra nos canais da Rede Globo e da TV Brasil.

Nos bastidores do estúdio, o tubarão não nada sozinho. Ele reforça que, para tudo dar certo nas transmissões, é necessário muito estudo e dedicação de uma equipe inteira, é o conjunto do esforço de todos que faz efeito. E esse trabalho em conjunto cria laços que ultrapassam a fronteira profissional,  Clodoaldo destaca a parceria construída com Luiz Prota: “A gente virou irmão. Imagina você descobrir uma nova função profissional e, junto com ela, fazer amizades”.

 

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Além de trazer novas amizades, a participação nas bancadas trouxe outro tipo de pódio para Clodoaldo: o das redes sociais. O paratleta recebeu uma chuva de mensagens calorosas dos internautas, que seguiram à risca o lema que ele criou: “se Clodoaldo não dorme, ninguém dorme”. E realmente foi assim, muitos passaram a madrugada acordados acompanhando os comentários divertidos e descontraídos do paratleta, que garante, em tom de brincadeira, ser realmente do jeitinho que as pessoas assistem na televisão. Quem diria que um “tubarão” poderia ser tão carismático?

“As pessoas se divertem com as bobagens que eu digo. Eu vibro por isso, porque o que eu recebi de mensagens de amor dizendo que estou alegrando elas, não têm como descrever. Eu choro de alegria. As pessoas me tratam como se eu fosse amigo delas. É incrível, elas torcem por mim. Elas dizem que estarão comigo”.

Com o fim dos jogos paralímpicos, os seguidores enviaram mensagens dizendo que sentirão falta dele nas telinhas. O ídolo aposentado das piscinas brasileiras conseguiu cativar a todos com a sua participação nas transmissões das disputas de natação, finalizando ela dando a letra: “vamos exaltar o esporte paralímpico e as pessoas com deficiência. Essas pessoas não precisam de peninha e coitadismo, precisamos de inclusão e oportunidade”.

Vozes e rostos: comentaristas paralímpicos” é uma minissérie de reportagens, em formato Perfil, que contará um pouco da história por trás dos atletas paralímpicos participando como comentaristas na edição dos Jogos Paralímpicos Tóquio 2020. É uma forma de nos orgulhamos não só dos nossos representantes que foram ao Japão, mas daqueles que aqui ficaram e que brilharam, trazendo mais inclusão, diversidade e representatividade em uma cobertura esportiva da edição.

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