No dia 30 de julho, o monumento a Carlos Marighella em São Paulo, no mesmo local onde ele foi morto com 4 tiros em operação do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, assim era chamado) na Ditadura Militar, em 1969, amanheceu com tinta vermelha fresca. No mesmo dia, na Zona Oeste, ainda em São Paulo, uma imagem da Marielle Franco, assassinada em 2018, amanheceu coberta por também uma tinta vermelha e rasurada com a frase “Viva Borba Gato”. Esses casos não são isolados, pelo contrário: carregam consigo um simbolismo ao racismo e, sobretudo, ao fascismo presente no Brasil.

É importante lembrar e saber que a população preta está condenada a morrer pela política de extermínio, que tem linguagem e estética. Desta forma, se faz necessário pontuar a sua estrutura que também advém diretamente e indiretamente do fascismo: para que o fascismo se materialize há uma necessidade de existir um sistema unipartidário ou monopartidário, isto é, tendo apenas como partido o fascismo para a atuação no sistema política nacional; com tal implementação, a demanda para sustentar o seu funcionamento é direcionado a personificação e individualização da sua organização para que idolatrem a liderança. Em outras palavras, o líder se torna a única pessoa capaz de conduzir a nação ao seu destino. O que por sua vez, despreza valores coletivistas – como no caso do socialismo.

 

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Assim sendo, para a garantia da sua permanência no estado criam-se valores de vitimização a fim de perseguir grupos denominados por estes como “inimigos do povo”. Gerando, dessa maneira, uma sensibilização na sociedade, mobilizando as massas que sem informação e conscientização se faz refém desse estado. Mas isso apenas se torna efetivo quando a sua argumentação faz referência e é sustentada por e através de uma fake news, ou seja, adotam em sua retórica a ideia de que o seu inimigo é incapaz de combater as crises e de levar a nação à prosperidade. Sendo capaz de manipular o entendimento da população.

Contudo, acontecimentos como a rasura da imagem de Marielle e o caixão de Carlos Marighella pintado com tinta vermelha fresca são representações fascistas? Se analisarmos, esse cenário reflete a desvalorização de figuras que foram vítimas de um governo autoritário e racista por outrem que são responsáveis por tais violações. Rasurar a imagem de Marielle com a frase “Viva Borba Gato”, um bandeirante (nome dado a quem capturava e escravizava negros e indígenas, além de estuprarem e traficarem mulheres), significa cultuar o seu racismo e fazer viva a historicidade da sua ancestralidade colonizadora. Afinal, essa estátua atualmente foi incendiada e, ainda que nela exista um contexto sociopolítico fascista, um empresário foi capaz de se articular com o prefeito do município, Ricardo Nunes, para pagar a sua reforma.

Ao mesmo tempo, é negada a liberdade de Paulo Galo, algo totalmente ilegal, sem estarem preenchidos os requisitos da prisão temporária. Aqui é possível notar quem é o “inimigo do povo” e enxergar que contra ele está o Estado – detentor do poder, inclusive de decisões judiciais – agindo a modo de operar a favor de Borba Gato e a todos que o representam na atualidade. O que se faz visível quando, segundo o Anuário de Segurança Pública, 66,7% da população carcerária é formada por negros no Brasil.

Além disso, fora a rasura na imagem de Marielle, o número “666” foi destacado ao lado esquerdo inferior do seu rosto, remetendo a grupos neonazistas. Posto tudo isso, é possível refletir: não é apenas sobre a Marielle, mas sim sobre o que ela representa. Preta, periférica, bissexual e uma liderança política anticolonial, não é à toa que ocupar essa posição fez dela um corpo assassinado. Basta olhar para o cenário da conjuntura atual que você vai perceber que nada mudou, a vereadora travesti, preta e periférica, Benny Briolly, a dois meses atrás vinha recebendo cartas que a chantageava, uma delas – a mais grave – fazia direção direta com o Ronnie Lessa, PM da reserva réu no assassino de Marielle.

Ou seja, vandalizar a imagem da Marielle, é uma ameaça genocida contra a população preta, pobre, periférica e operária. Pois tanto a Marielle, quanto a Benny, vão contra um projeto de governo em que os únicos a ocupar a política sejam homens, cisgêneros, brancos, burgueses e, sobretudo, militares. Já que este projeto inválida e vai contra a estrutura estruturante fascista e racista, negando-os a possibilidade de operar a sua política de extermínio com concisão, se faz necessário reproduzir códigos – sendo estes recados da cultura misógina, racista e fascista.

Sendo assim, as operações policiais nas periferias são as provas vivas desse fenômeno social, como no caso de jacarezinho, ou até mesmo no caso da Katlhen Romeu (vítima de uma operação ilegal ocorrida no complexo de Lins). Se não há eficácia de promover segurança em tal operação, visto que apenas 1,7% delas são eficazes, segundo um estudo realizado pela Universidade Federal Fluminense, por que, por qual motivo, para quem, houve a insistência em invadir esse território?

Com todas as reflexões é fácil chegarmos à resposta. Como nos diz Mbembe, sobre as políticas de extermínio, é relevante para o estado aplicar uma hierarquização daqueles que estão versus aqueles que estão na base. Gerando, desse modo, técnicas e operações a fim de separar os territórios da colônia. O que acontece entre a periferia e o centro. Negando à favela saneamento básico, educação, unidades hospitalares, segurança, etc. E a partir desse controle estatal, dão sustentabilidade a sua relação de poder. Mas se porventura, um corpo ousar em sair da sua condição, é necessário intervir, mesmo que esse ato custe a sua vida. Afinal, “bandido bom é bandido morto”, ou preto bom é preto morto?

Assim sendo, o fascismo e racismo também se encontram na subjetividade. Para o fascismo existir é fundamental ter o racismo como uma das suas bases, e para o racismo ser retroalimentado é fundamental um modelo fascista. Afinal, mataram Marighella, mesmo em sua morte. Cobriram uma lápide de sangue. E em nosso cotidiano, segundo uma pesquisa realizada pela Rede Penssan, 13,7% da população que apresenta insegurança alimentar grave, ou seja, ocorrência de fome, é negra; e segundo uma outra pesquisa realizada pelo Censo da População em Situação de Rua, 70% dos moradores em situação de rua, em São Paulo, são negros, ou em outras cidades, como aponta o PNDU, sobre Belo Horizonte, a cada dez moradores em situação de rua, oito são negros. Isto quer dizer que, se não nos matam a tiros – como no caso de Marighella que se encontrou numa emboscada – nos matam de fome, ou até mesmo de frio, já que a frente fria que está preste a chegar no Brasil terá como alvo corpos que se encontram dentro de uma vulnerabilidade social, como no caso de moradores em situação de rua.

Ou seja, se não nos organizarmos, seremos nós quem morreremos em memória e honra aos heróis deles – os brancos colonizadores. É por isso que criar estratégias de sobrevivência é essencial. A luta e mobilização preta, sobretudo do poder popular, é urgente para que possamos ocupar as ruas, os prédios, a política e subverter o racismo e fascismo do Estado, que a população acompanha através da tinta vermelha ou de sangue.

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