De Nova Zelândia, a halterofilista fica de fora da briga por medalhas mas faz história como a primeira atleta transgênero na competição

Foto: Chris Graythen/Getty Images

Por Barbara Murden para Cobertura Colaborativa da NINJA Esporte Clube

Pela primeira vez na história, uma atleta trans disputou as Olimpíadas. Aos 43 anos, Laurel Hubbard garantiu uma vaga no levantamento de peso categoria superpesados (acima de 87 kg). Depois de sofrer uma grave lesão no cotovelo em 2018, Hubbard atualmente é a sétima de sua categoria no ranking mundial. Em um comunicado, a atleta disse: “Estou grata e humilde pela gentileza e apoio que me foram dados por tantos neozelandeses. Quando quebrei meu braço nos Jogos da Commonwealth há três anos, fui informada de que minha carreira esportiva provavelmente havia chegado ao fim. Mas seu apoio, seu incentivo e seu aroha (amor) me guiaram através da escuridão”.

Laurel ficou de fora da conquista por medalhas nesta segunda-feira (2), mas faz história sendo a primeira atleta trans a competir nos 125 anos de história das Olimpíadas, embora as Olimpíadas tenham começado a permitir atletas trans em 2004.

Antes mesmo de iniciar a competição nos Jogos Olímpicos, Laurel encarou a missão de derrubar o peso do preconceito. Hubbard enfrenta o que ela chama de “um dos equívocos que estão por aí” sob a alegação de que ela tenha treinado nessa modalidade esportiva pouco antes de fazer a transição de gênero.  A atleta parou de levantar peso em 2001. Onze anos depois, em 2012, começou a terapia hormonal e tornou-se Laurel Hubbard.

A halterofilista competiu no levantamento de peso internacional pela primeira vez em 2017, no Australian International & Australian Open 2017 na categoria acima de 90 kg, ganhando a medalha de ouro e se tornando a primeira mulher trans a ganhar um título internacional de levantamento de peso pela Nova Zelândia. Embora Hubbard cumprisse os requisitos de elegibilidade para competir, sua vitória gerou polêmica, com alguns outros competidores dizendo que, com a presença dela, a competição era injusta.

Comentando sobre as críticas que recebe por participar do levantamento de peso feminino como uma atleta transgênero, Hubbard disse ao site de notícias Stuff em 2017: “Tudo o que você pode fazer é se concentrar na tarefa em mãos e se continuar fazendo isso, você conseguirá superar.  Estou consciente de que não serei apoiada por todos, mas espero que as pessoas possam manter a mente aberta e talvez olhar para o meu desempenho em um contexto mais amplo. Talvez o fato de ter demorado tanto para alguém como eu aparecer indique que alguns dos os problemas que as pessoas estão sugerindo não são o que parecem”.

As regras do Comitê Olímpico Internacional (COI) de 2004 exigiam a cirurgia de redesignação genital. Essa obrigatoriedade caiu em 2015, quando a entidade revisou suas diretrizes por entender que as mesmas feriam os direitos humanos. As regras do COI em vigor determinam que as atletas trans permaneçam por ao menos um ano com os níveis de testosterona dentro de um limite estabelecido pela entidade.

De acordo com a orientação atual, os níveis de testosterona das atletas trans devem estar abaixo de 10 nanomoles por litro de sangue por pelo menos 12 meses antes de sua primeira competição. Só depois desse período elas se tornam aptas a participar das disputas. O limite também precisa ser obedecido durante todo o período de competições, sob pena de suspensão. Para homens trans, por outro lado, o texto não institui nenhuma restrição.

A inclusão da atleta causou divisão, com seus apoiadores saudando a decisão, enquanto os críticos questionam a justiça de atletas transgêneros competindo contra mulheres cisgênero.  Em maio de 2021, quando Laurel Hubbard se qualificou para os Jogos Olímpicos, Anna Van Bellinghen, uma halterofilista belga falou a um site de notícias que achava toda essa situação “injusta” e o que vem acontecendo é “como uma piada de mau gosto”.

Em um comunicado, Kereyn Smith, Secretária Geral do Comitê Olímpico da Nova Zelândia, afirmou: “Reconhecemos que a identidade de gênero no esporte é uma questão altamente sensível e complexa que exige um equilíbrio entre direitos humanos e justiça no campo de jogo”. Smith ainda pontuou que a equipe da Nova Zelândia possui uma forte cultura de respeito e inclusão, e que eles estão comprometidos em continuar apoiando atletas qualificados do país, garantindo seu bem-estar físico e mental, e todas as suas necessidades de alto desempenho, enquanto estiverem se preparando para disputar as Olímpiadas.

Para Rafaelly Wiest, Conselheira Consultiva do Grupo Dignidade e Diretora Administrativa da Aliança Nacional LGBTI+, a decisão do COI está em consonância com a Organização Mundial de Saúde (OMS) que oficializou durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, a retirada da classificação da transexualidade como transtorno mental da 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID). A informação já havia sido divulgada em 2018, porém a oficialização da normativa foi feita na ocasião. A Resolução CFP nº 01/2018 tem o objetivo de impedir o uso de instrumentos ou técnicas psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminação e veda a colaboração com eventos ou serviços que contribuam para o desenvolvimento de culturas institucionais discriminatórias e está baseada em três pilares: transexualidades e travestilidades não são patologias; a transfobia precisa ser enfrentada; e as identidades de gênero são autodeclaratórias.

A transexualidade sai, após 28 anos, da categoria de transtornos mentais para integrar o de “condições relacionadas à saúde sexual” e é classificada como “incongruência de gênero”.

“É inadmissível categorizar uma pessoa com base no seu órgão genital de nascimento em detrimento da construção corpórea, bloqueio hormonal e as mudanças físicas que isso acarreta. É preciso olhar para esses indivíduos como cidadãos e cidadãs, fora do estigma cultural e social que é dado ás pessoas trans”, afirma Rafaelly.  “A presença de Laurel nos Jogos Olímpicos é importante assim como Valentina Sampaio para a Victoria’s Secret, Glamour Garcia e Nany People na TV, Rachel Levine no governo Biden, Vivian Miranda na Nasa, a professora doutora Megg Rayara na UFPR. É você ter Maria Joaquina. São diversos os lugares da mulher trans”.

Maria Joaquina Cavalcanti Reikdal é uma adolescente transgênero brasileira, atualmente com 13 anos, atleta da patinação artística no gelo, categoria Novice Advanced da International Skating Union, com possibilidades reais de representar o Brasil nas Olimpíadas de Inverno de 2026. O pai de Maria Joaquina, Gustavo Uchoa Cavalcanti, em entrevista à NINJA Esporte Clube afirmou: “Ela tem o nível técnico necessário, agora o que nos falta é apoio, para que, até as próximas Olimpíadas, ela desenvolva ainda mais seu potencial. Hoje, em território nacional, talvez ela seja a única a realizar o Double Axel, mesmo treinando no rink no gelo apenas duas vezes ao ano”.

Desde 1949, a Carta Olímpica, documento que norteia a realização dos jogos, inclui entre seus valores fundamentais o princípio da não-discriminação: “A prática esportiva é um direito humano. Toda pessoa deve ter a possibilidade de praticar esporte sem discriminação de nenhum tipo e dentro do espírito olímpico, que exige compreensão mútua, espírito de amizade, solidariedade e jogo limpo”.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

Colunista NINJA

Memória, verdade e justiça

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Andréia de Jesus

PEC das drogas aprofunda racismo e violência contra juventude negra

Márcio Santilli

Através do Equador

XEPA

Cozinhar ou não cozinhar: eis a questão?!

Mônica Francisco

O Caso Marielle Franco caminha para revelar à sociedade a face do Estado Miliciano

Colunista NINJA

A ‘água boa’ da qual Mato Grosso e Brasil dependem

Márcio Santilli

Mineradora estrangeira força a barra com o povo indígena Mura

Jade Beatriz

Combater o Cyberbullyng: esforços coletivos

Casa NINJA Amazônia

O Fogo e a Raiz: Mulheres indígenas na linha de frente do resgate das culturas ancestrais

Rede Justiça Criminal

O impacto da nova Lei das saidinhas na vida das mulheres, famílias e comunidades

Movimento Sem Terra

Jornada de Lutas em Defesa da Reforma Agrária do MST levanta coro: “Ocupar, para o Brasil Alimentar!”