Os presidentes da Câmara e da República, Arthur Lira e Jair Bolsonaro. Foto: Isaac Nóbrega / PR

O deputado Arthur Lira (PP-AL) é destaque na política brasileira neste ano de 2021. Elegeu-se para a presidência da Câmara dos Deputados, com 302 dos 513 votos possíveis, com o apoio de 11 partidos e do presidente Jair Bolsonaro. Sua vitória concretizou a aliança de dois extremos: o da Direita e o do fisiologismo, que já produziu a aberração do orçamento paralelo, à disposição do conjunto de parlamentares arregimentados pelo Centrão para compor a base governista, o “grupo dos 300”, para se apropriar do que resta da capacidade de investimento do país. Também fortaleceu outras criaturas, como o deputado Ricardo Barros (PP-PR), protagonista do festival de corrupção na compra de vacinas contra o coronavírus, que assola o governo federal nesses dias.

Lira tem fama de que cumpre o que promete, mas não é confiável em relação ao que planeja. Ele tem pautado o que mais interessa ao governo, como a privatização da Eletrobrás, mas vem plantando numerosos “jabutis” legislativos que agravarão os custos para a população da crise hídrica e energética em evolução. Também esteve ativo, junto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em articulações diplomáticas visando a obtenção de vacinas para o Brasil, num contraponto à postura de omissão do presidente Bolsonaro.

O presidente da Câmara mantém na gaveta numerosos pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Diz que não estão dadas as condições para processá-lo, mas evita entrar no mérito dos crimes alegados. Diz, apenas, que Bolsonaro ainda mantém apoio significativo na sociedade e que não há – ou não havia – povo na rua para exigir a instauração de um processo de impedimento. Fato é que o “grupo dos 300” aprofunda seus tentáculos no governo na medida em que Bolsonaro enfraquece-se, tornando-se mais dependente de apoio parlamentar para não ser derrubado. No limite, Lira também se fortalecerá com a eventual queda do presidente, o que o tornaria vice de Mourão, um presidente ainda mais fraco.

Lira também é adepto de aproveitar a pandemia para “passar a boiada”. Chegou à presidência da Câmara com uma proposta de dar transparência à pauta, mas aprovou uma reforma regimental que lhe dá amplos poderes para manipular as prioridades do plenário, a nomeação de relatores de projetos e forçar a votação de matérias importantes sem garantir espaços de discussão, negociação e maturação dos textos legais.

Licenciamento declaratório

Com o deputado alagoano surfando no meio da crise e aprontando tantas, vai passando meio desapercebida uma característica já marcante da sua gestão: a promoção de um extenso retrocesso legislativo para atropelar, por meio de projetos de lei anticonstitucionais, os direitos socioambientais. Entregou, também, para parlamentares da extrema direita as presidências de comissões técnicas importantes, como a de Constituição e Justiça.

Foi assim que a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) tornou-se presidente da Comissão de Meio Ambiente e, na sua primeira ação pública nessa condição, acompanhou o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, numa viagem ao Pará para tentar liberar uma montanha de toras de madeira apreendidas pela Polícia Federal. A foto de Zambelli com Salles, tendo o produto do crime como fundo, fala mais do que um milhão de palavras sobre sua nova missão.

O maior dano ambiental promovido por Artur Lira, até agora, foi a aprovação no plenário da Câmara de um projeto que abre caminho à destruição do licenciamento ambiental. Trata-se da pior proposta de lei já formulada, que isenta do licenciamento uma extensa lista de projetos e atividades, reduzindo-o a um processo meramente declaratório por parte dos empreendedores. Se a proposta for aprovada, danos ao meio ambiente e à população, mesmo irreversíveis, só seriam efetivamente aferidos depois de ocorrerem. 

O monstrengo aprovado pela Câmara caiu no colo do Senado e Rodrigo Pacheco promete, pelo menos, permitir a discussão mais aprofundada do texto, o que sequer aconteceu na Câmara. Assim, talvez o Senado disponha-se a avaliar o impacto desse retrocesso legal sobre os investimentos requeridos para as obras pretendidas, já que são crescentes as exigências socioambientais colocadas pelos principais fundos internacionais.

Grilagem e desmatamento

Está prestes a entrar na pauta da Câmara outro projeto de lei que, a pretexto de promover a regularização fundiária, já está incentivando, antes mesmo de ser aprovado, um avanço inédito das frentes de grilagem e de desmatamento de terras públicas, especialmente na Amazônia. Não falta lei para regularizar ocupações passadas, mas o que se pretende é legalizar ocupações mais recentes, inclusive por empresas, permitindo a apropriação privada de extensões ainda maiores de áreas públicas. O roubo de terras promove o desmatamento ilegal porque, tradicionalmente, a derrubada da floresta é um dos elementos de prova de ocupação efetiva do território.

No Senado, também tramita um projeto de lei para ampliar o desmatamento e a grilagem de terras. Parlamentares ruralistas, dos mais predadores, pressionam Lira e Pacheco para que a Câmara e o Senado disputem a primazia desse crime fundiário e ambiental. Nesse meio tempo, parte da opinião pública pode perceber que a tal “regularização” fundiária é uma farsa. Seja lá qual for o resultado dessa gincana grileira no Congresso, é certo que o desmatamento na Amazônia vem batendo recordes, mês a mês, e que a gestão do Lira só afunda, mais e mais, a imagem do Brasil no mundo.

Esbulho das Terras Indígenas

Como se não bastasse, Arthur Lira está fazendo prosperar outros projetos de lei para impedir a demarcação de Terras Indígenas e permitir a ocupação de áreas já demarcadas por frentes de grilagem e de mineração predatória, além da exploração por terceiros dos recursos naturais nelas existentes. Nesse sentido, referendou a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça de um projeto de lei eivado de inconstitucionalidades, tentando se antecipar aos resultados do julgamento que deve entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), no segundo semestre, acerca dos direitos territoriais indígenas.

Não se sabe se Lira cederá às pressões da sua base mais predatória para pautar em plenário, de imediato, o esbulho das Terras Indígenas, antes mesmo da extensão da grilagem das áreas públicas. Também não se sabe qual será a disposição do Senado para destilar tantas maldades, abrindo discussões sobre o que passar batido pela Câmara. Ocorre que a última palavra tende a ser dada pela Câmara nos processos legislativos iniciados nela. O rolo compressor do Lira tende a prevalecer.

É por essas e outras que o STF está se transformando numa terceira e definitiva câmara legislativa, especialmente quando o próprio Legislativo, que deveria servir de contraponto moderador à fúria reacionária do Executivo, assume tamanho protagonismo para minar, por leis ordinárias, os parâmetros socioambientais da Constituição. Lira poderá estender o seu legado predatório bem além do fisiologismo e da corrupção, com graves sequelas à diversidade das nossas gentes e ambientes, e à nossa própria identidade, nesse mundo em crise climática.

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