Ricardo Salles e Jair Bolsonaro. Foto: Antonio Cruz – Agência Brasil

“Excepcional ministro”! Assim reagiu Jair Bolsonaro à deflagração da Operação Akuanduba, pela Polícia Federal, para investigar a exportação ilegal de madeira ilegal (desculpem a redundância) promovida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e outros detentores de funções de confiança da área ambiental federal. A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e não foi informada à Procuradoria-Geral da República, para evitar vazamentos. Bolsonaro elogiou Salles no Palácio do Planalto, logo após a operação, na presença dele e do diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, aparentemente surpreso, mais perdido que cego em tiroteio.

A pedido de Salles e por ordem de Bolsonaro, Maiurino demitiu o delegado Alexandre Saraiva, da Superintendência da PF no Amazonas, por causa da apreensão de milhares de toras de madeira nativa extraídas ilegalmente de áreas públicas. O ministro empenhou-se na exoneração de Saraiva e na liberação da madeira, a pedido da AIMEX, associação dos grandes madeireiros sediada no Pará. No ano passado, Salles e Bim haviam editado um “despacho” para liberar a exportação de madeiras nativas sem comprovação de origem, no bojo das desregulamentações promovidas na área ambiental, para “passar a boiada”, conforme referência feita em reunião ministerial de abril de 2020.

Maiurino é tido como politiqueiro e é visto na corporação como alguém que conspira contra o profissionalismo da atividade policial e flerta com o uso político, ideológico e familiar que Bolsonaro vem fazendo da PF. Embora a operação tenha sido determinada por Moraes, em segredo de Justiça, tem sido lida como resposta da PF ao ato pusilânime do diretor-geral.

É nesse contexto que Maiurino propôs, sexta-feira passada (21), que seja retirada a autonomia dos delegados da PF em investigações que envolvam autoridades com foro privilegiado, cabendo, nesses casos, ao diretor-geral decidir sobre seus rumos, criando dois pesos e duas medidas e acochambrando politicamente as investigações que lhe interessem.

Moscas na sopa

Quando soube da operação contra Salles, Saraiva postou no Twitter o Salmo 96:12, da Bíblia: “Regozijem-se os campos e tudo que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta”. Em seguida, para ressaltar a resistência corporativa à interferência política, publicou: “as funções da PF (Art 144, CF) transcendem às pessoas, pois possuem padrões de comportamento recorrentes, valorizados e estáveis”. Em seguida, citou Raul Seixas: “e não adianta nem me dedetizar, porque você mata uma e vem outra em meu lugar…”

Mas a decisão de Alexandre Moraes foi além de autorizar a operação e suspendeu os efeitos do tal “despacho”, com que Bim e Salles liberaram a exportação ilegal. A PF identificou movimentação anormal de dinheiro pelo escritório de advocacia do ministro e quer saber se há conexão com propinas pagas por empresas madeireiras, a título de prestação de serviços jurídicos.

E o pior é que a operação da PF originou-se de uma denúncia vinda dos Estados Unidos, decorrente da apreensão pelas autoridades alfandegárias de lá de toras de madeiras nativas sem a devida documentação. Diante disso tudo, é de se perguntar que conceito fica de Salles para os interlocutores norte-americanos, como John Kerry, que negociam acordos sobre a questão climática e a proteção de florestas com o governo brasileiro.

A decisão de Moraes também afastou Bim e diversos outros assessores de confiança dos respectivos cargos, desmontando a burocracia policial recrutada por Salles. Não tem precedente o afastamento de um presidente do Ibama por crime ambiental, com suspeita de corrupção. A entropia operacional do órgão, que já era grande, tende a ser total. Na operação, sigilos telefônicos e fiscais foram quebrados e celulares e computadores foram apreendidos, inclusive os do ministro.

Para completar a cena, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou, na sexta-feira, a taxa consolidada oficial de desmatamento na Amazônia, entre agosto de 2019 e julho de 2020, 9,5% acima do salto de 45% já havido nos 12 meses anteriores. Mais 10,5 mil km2 foram derrubados, além da degradação causada pela extração de madeira. A taxa preliminar já havia sido divulgada no final do ano passado.

Além disso, abril deste ano teve o maior índice de desmatamento para esse mês, desde 2015, conforme o sistema Deter do Inpe, que não é responsável pela taxa oficial, mas apenas serve para subsidiar em tempo quase real operações de fiscalização do Ibama. Os dados disponíveis sobre os últimos meses indicam que a tendência de alta da destruição da floresta prossegue, portanto, desnudando Bolsonaro.

Quem está amando essa história é o vice-presidente Hamilton Mourão, escanteado por Bolsonaro da agenda amazônica e preterido na reunião de cúpula sobre mudanças climáticas convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, em abril. Mourão disse que a contundência e a extensão da decisão de Moraes devem significar que ele dispõe de “indícios fortes” contra Salles. Na véspera da operação, Salles insinuou, em entrevista à Revista Exame, que o vice-presidente falhou na condução das operações de fiscalização na Amazônia.

A insolvência socioambiental do Brasil já impacta as negociações comerciais entre o Mercosul e a União Européia, para o acesso do país à OCDE e também repercutirá nas conversas iniciadas com o governo Biden sobre a questão climática. Situação que se agrava com a operação da PF e o novo recorde de desmatamento em abril.

Os excepcionais

Guerrilha na PF, acefalia no Ibama, vergonha diplomática, destruição das florestas, além das mais de 450 mil vítimas do negacionismo sanitário. Nada disso importa muito a Bolsonaro. A pressão externa certamente o incomoda, por isso se dispõe a ler qualquer discurso que lhe seja oferecido para ganhar tempo, enrolar dirigentes estrangeiros e chegar às eleições de 2022.

Bolsonaro tem toda razão quando diz que Salles é um ministro excepcional. Em pouco mais de dois anos, Salles implementou uma gestão policialesca, espalhou o medo, cerceou e desautorizou a atuação de funcionários, desestruturou as agências, os orçamentos e os fundos ambientais, liberou todo tipo de poluição tóxica e de crimes ambientais, além de atropelar as leis com uma boiada. Entre outras consequências, o desmatamento na Amazônia é o maior em 12 anos. Um desempenho excepcional mesmo!

Mas o estrago provocado pela dupla Bolsonaro-Salles vai além das fronteiras e traduz-se em aumento das emissões de gases estufa na atmosfera, na contramão dos esforços internacionais para ampliar as metas de redução já assumidas no âmbito do Acordo de Paris. Ainda há controvérsias técnicas para se medir os estoques de carbono em cada formação florestal, mas, tomando por base 499 toneladas por hectare (adotada pelo Fundo Amazônia), houve um aumento de 56% na média anual de emissões por desmatamento no atual mandato (5,23 gigatoneladas de CO2) em relação à média dos cinco anos anteriores (3,35 gigatoneladas).

A denúncia de que Salles anda se vendendo para facilitar a venda de madeira ilegal mundo afora é uma pá de cal na credibilidade do Brasil nas negociações internacionais em curso. Mas Bolsonaro não terá dificuldades para encontrar outro oportunista para o ministério. A própria bancada ruralista, que bancou Salles e o seu desgoverno, poderá oferecer nomes que atrapalhem menos a empulhação aos incautos. Porém não será fácil encontrar um predador tão ávido e determinado como Ricardo Salles.

Dificuldades terão a agricultura, para manter o ciclo de duas safras anuais; o sistema elétrico, para operar com represas vazias; e as grandes cidades, para garantirem o abastecimento de água; diante da tendência de redução do volume de chuvas por causa do aumento do desmatamento e da contaminação dos rios, muito agravados na gestão da dupla Bolsonaro-Salles.

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