A saída emergencial da vereadora Benny Briolly (Psol-Niterói/RJ) do Brasil, após sofrer graves ameaças no exercício de sua atuação parlamentar, é um dos fatos mais graves que vivenciamos, no Rio de Janeiro, após as ameaças de morte sofridas por Taliria Petrone, a saída de Jean Wyllys do Brasil e o feminicídio político de Marielle Franco. Benny foi a mulher eleita em Niterói com o maior número de votos e a primeira mulher trans da câmara de vereadores da cidade. Há cinco meses, desde o início de seu mandato, Benny vinha recebendo ofensas e ameaças: em uma delas, por e-mail, o autor cita seu endereço e exige sua renúncia do cargo. Caso contrário, iria até a sua casa para matá-la.

No início do ano de 2019, o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) – que já era protegido por escolta polícial desde o assassinato da vereadora Marielle Franco – teve que sair do Brasil para preservar a sua própria vida. Alvo de várias ameaças, principalmente depois da eleição do atual presidente da república, Jean precisou abrir mão do mandato para o qual acabara de ser reeleito, mesmo depois de um exitoso e combativo trabalho como primeiro deputado assumidamente gay do legislativo federal brasileiro. Mais recentemente, já no início deste ano, ameaças e intimidações foram feitas à vereadora Erika Hilton e às covereadoras Samara Sosthenes e Carolina Iara (todas do Psol-SP). Esta última teve a sua casa alvejada por dois tiros na madrugada do dia 26/01/2021.

O que todas essas pessoas têm em comum é o fato de serem parlamentares LGBTI e, na sua maioria, mulheres, transexuais, negras e representantes das classes populares. Todas vítimas da LGBTIfobia. Pessoas que, via de regra, não são bem vindas nos espaços de poder e no asséptico ambiente parlamentar. Como ressalto no meu livro Cria da Favela (2020, p. 202): “… o cotidiano desses espaços dominados pela elite branca política e econômica revela quanto os herdeiros da casa-grande não suportam nossa cara preta, a cara de povo. Afinal, só toleravam a presença de mulheres negras de cabeça baixa, viradas para as panelas ou lavando o banheiro”.

Elaborei o conceito de “feminicídio político” e acredito que ele se encaixa perfeitamente em tudo que nós temos passado em nossa atuação nos espaços de poder. O patriarcado, que nos condenou à invisibilidade em vida e em morte, também não nos quer na linha de frente da política (institucional ou não) e por isso tenta, a todo instante, nos anular e até nos matar, como fizeram com a vereadora Marielle Franco, em 2018. E como fazem hoje com as ameaças e intimidações a Benny Briolly, Erika Hilton, Samara Sosthenes, Carolina Iara, Érica Malunguinho, Talíria Petrone, a mim e a tantas outras.

Muitos me acusam no parlamento de ter o “nariz em pé”, mas o que os homens brancos, cisheteronormativos temem de verdade é a nossa cabeça erguida. É por isso que uma das minhas primeiras atitudes quando me pronuncio no Parlamento é erguer a cabeça e a voz. E esse “erguer a voz”, passar de objeto a sujeito, como diz bell hooks, é o que tem acontecido depois da execução sumária de Marielle Franco: mulheres, negras, periféricas, LGBTI denunciando com seus próprios corpos e sua fala assertiva o velho racismo, machismo, misoginia e LGBTIfobia.

Neste dia 17 de maio, dia de combate à LGBTfobia, é preciso reafirmar que a nossa ocupação nos espaços de poder só poderá ser mais robusta se for coletiva, se for baseada na filosofia Ubuntu “eu sou porque somos”. Somos resistência de saberes coletivos, ancestrais e, para darmos conta da luta contra as desigualdades sociais sem nos desumanizarmos “(…) é necessária uma interseção entre teoria e prática, entre o Parlamento e a rua, alicerçada na luta para e pelos nossos: mulheres, povo preto, pobre, trabalhador, LGBTQI.” (idem, p. 203)

Nosso papel enquanto parlamentares na luta contra a LGBTfobia é potencializar, reverberar e lutar contra todo tipo de preconceito, LGBTfobia e opressão. Mas, em especial, é lutar para que o patriarcado seja substituído por relações humanas não-hierárquicas, com direito à diversidade, à livre orientação sexual e identidade de gênero. Seguimos nessa luta hoje e sempre!

#Bennynãoestásó!

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