Bolsonaro deve anunciar, em breve, a que partido vai se filiar para disputar a reeleição. Tendo deixado o PSL e estando com os seus aliados dispersos por muitas legendas, ele tem que começar a reagrupar suas forças. Já rifou Hamilton Mourão e está em busca, também, de um vice. E arrebentou o DEM, atraindo o seu presidente, ACM Neto, para a operação que derrotou Baleia Rossi (PMDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara.

ACM preferiu fazer uma média com o Bolsonaro e os demistas incrustados no governo, pisou na bola com o Maia e gerou uma crise de confiança entre os quadros que vinham dando novo lustro à carcomida imagem do partido. Maia se desfiliou do DEM e deslocou, também, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. ACM ainda segura no partido Luís Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde e pré-candidato a presidente, mas não terá como manter essa ambiguidade por muito mais tempo.

A polarização Lula-Bolsonaro consolidou-se com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que anulou as condenações judiciais e restabeleceu a elegibilidade do petista. Sucederam-se conversas entre os demais pré-candidatos, mas parece já estar descartada a hipótese deles todos se unirem numa forte terceira via. Ciro Gomes, por exemplo, não admite rever a sua candidatura e anunciou a contratação, pelo PDT, do marqueteiro João Santana.

Partidos versus candidatos

O PSDB está mais do que dividido. João Dória, governador de São Paulo, não conseguiu reunir os principais líderes do partido e viu Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, lançar-se na disputa. Já Aécio Neves e outros dirigentes defendem que o partido não tenha candidato próprio à Presidência, facilitando a união do “centro”. O PSDB postergou para o ano que vem sua decisão, o que pode deixá-lo a reboque no jogo.

Lula esteve em Brasília, na semana passada, articulando alianças para as disputas nos estados e tentando cavar apoios no “centro”. Lembrou aos navegantes que teve como vice José de Alencar, um empresário liberal-democrata. Conversou com deputados de vários partidos, como Maia, o Alessandro Molón (PSB-RJ) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Ouviu de Gilberto Kassab, presidente do PSD, que o partido pretende ter candidato próprio.

Faria bem à estratégia de Lula dispor de um vice do PSD, mas ele achou meno male a hipótese de candidatura própria da legenda de direita, entendendo que ela tiraria mais votos de Ciro, que teve a senadora Kátia Abreu, do PSD de Tocantins, como vice nas últimas eleições. Quanto mais dividido, menos provável será a presença do “centro” num eventual segundo turno das eleições. Já os demais candidatos centristas avaliam que a candidatura do Ciro tiraria mais votos do Lula do que deles, em especial no Nordeste.

Há pré-candidatos sem partido, como Luciano Huck e Sérgio Moro, além de Mandetta, cujo projeto de unir o “centro” não coincide com o de ACM para a Bahia, que é de unir o “centro” à direita. E há um partido atrás de nomes, o PSD, que tem estrutura, bom tempo de horário eleitoral gratuito, saiu fortalecido nas eleições municipais de 2020 e, agora, descola-se do “centrão” bolsonarista. A derrapada do DEM e o nó no PSDB deram ao PSD  a chance de juntar os cacos e de protagonizar a “terceira via”.

A implosão do DEM no Rio de Janeiro pode ser indicativa. Eduardo Paes anunciou sua filiação ao PSD, enquanto Rodrigo Maia se desfiliou do DEM e parece preferir o MDB como destino. Está entre Huck e Mandetta a chance do “centro” parir alguma novidade na disputa presidencial. Com a sua antecipação, definições urgem, mas ACM embroma e o PSD espreita.

Reconstrução Nacional

Mas os problemas do “centro” vão além de nomes e siglas. O ideal liberal-democrata, ou algo próximo disso, anda muito combalido. É importante reafirmar compromissos com a democracia, mas os líderes do “centro” estão ou estiveram com Bolsonaro, que nunca escondeu os seus propósitos autoritários e conservadores. E o discurso liberal pró-reformas não parece trazer respostas suficientes e consistentes com a urgência em recuperar o país no pós-Bolsonaro. 

A importância que a pandemia e as políticas de saúde terão nas próximas eleições parece favorecer Mandetta, que não chegou a fazer uma gestão brilhante no Ministério da Saúde, mas deixou boa impressão pelo esforço de comunicação com o povo na fase inicial da pandemia. Tem habilidade política, pode ter o apoio de ruralistas moderados e se saiu bem ao depor na CPI do Senado, que apura responsabilidades pela tragédia sanitária. Isso lhe dá crédito para formular um programa de saída da crise, com maior espessura social.

Dória tem o mérito de prover a Coronavac, no contexto de uma parceria chinesa com o Instituto Butantã, que permitiu o início e a maior parte das imunizações ocorridas. Mas o seu governo  acumula problemas e desgastes. Ele terá que renunciar ao governo para concorrer à Presidência, o que não seria obrigado a fazer para disputar a reeleição. Embora baseado no estado mais populoso, a renúncia de Dória seria uma troca do certo pelo duvidoso. O mesmo se pode dizer sobre Eduardo Leite.

Uma boa proposta, que ajudaria a compor interesses pessoais e pretensões presidenciais no campo político do “centro”, seria o fim da reeleição. Claro que isso depende da aprovação de uma emenda à Constituição pelo Congresso, mas o candidato do “centro” poderia se comprometer a encaminhá-la e apoiá-la, além de abrir mão de se candidatar nas eleições seguintes em caso de não aprovação.

Outras propostas, como a reconstrução da diplomacia e das relações internacionais do Brasil, podem construir pontes com as forças de esquerda numa eventual aliança para o segundo turno. Políticas sérias para o meio ambiente e os direitos humanos serão fundamentais para superar a atual situação de isolamento internacional e destravar negociações comerciais.

Além disso, será estratégico recompor as instituições públicas de pesquisa científica e de ensino superior, assim como definir políticas de comunicação e de informação contra o negacionismo e a disseminação de fake news.

Duro caminho

Lula e Ciro têm partidos definidos e Bolsonaro tem o poder na mão. São nomes conhecidos, com recall eleitoral. Promovem um ataque especulativo sobre os partidos do “centro”, mas são rejeitados por uma fatia expressiva do eleitorado, supostamente de “centro”. Huck e Mandetta, pessoalmente, e o PSD, enquanto partido, parecem mais aptos e disponíveis para ocupar esse espaço, se agirem rápido para alcançar reconhecimento público e agregar o PSDB, entre outros apoios necessários para prover palanques fortes nos estados.

Embora não interesse aos candidatos postos e nem corresponda à minha preferência pessoal, acho melhor para o Brasil que essa candidatura de “centro” se constitua, ofereça conforto e estimule a participação dos seus eleitores. Não apenas no que se refere ao processo eleitoral, mas também às alianças e representações de que o país precisa para sair do fundo do poço.

Porém, pouco importa o que eu acho. Se houver jogo, será brutal. Uma candidatura do “centro” terá que superar, primeiro, o próprio Ciro Gomes, para poder encarnar a “terceira via” e buscar uma vaga no segundo turno. Chegando lá, deve levar vantagem na conquista dos votos dos que ficarem de fora, à direita ou à esquerda. Mas será um longo e perigoso caminho, com vários predadores agindo ao mesmo tempo. São ônus típicos dos que querem fazer história.

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