Me perguntam se, na condição de advogado – garantista – e de deputado, eu concordo com a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Entendo que o caso se enquadra na única exceção em que um deputado ou senador, no exercício do mandato, pode ser preso, não estando protegido pelo manto da imunidade parlamentar: flagrante em delito de crime inafiançável. No caso, dada a gravidade de suas declarações, não deve ser apenas preso. Deve ser representado ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e, devidamente processado, pode vir a ter o seu mandato cassado. Algumas indagações, de natureza jurídica, no entanto, merecem ser respondidas:

Se o vídeo já havia sido gravado e publicado em momento anterior ao da prisão, como caracterizar o flagrante após o ato supostamente criminoso já ter ocorrido? Entendo que, se um vídeo com conteúdo supostamente criminoso foi gravado, veiculado e, depois, disponibilizado no ar, armazenado na nuvem de uma rede social qualquer, em caráter permanente, podendo ser acessado/assistido a qualquer momento, o crime é de trato continuado. E, se é de trato continuado, o flagrante é permanente, pode ser feito a qualquer tempo, enquanto o crime continuar ocorrendo.

E a inovação de expedição de um mandado de prisão em flagrante? A prisão em flagrante é feita, geralmente, no instante da ocorrência do delito, por voz de prisão, acompanhada do ato de prender, algemar, deter… O mandado nada mais é do que uma ordem de prisão que, no caso do flagrante, pode ser oral (voz de prisão) ou implícita (ato de prender, deter, algemar) ou, nos demais casos, por escrito (mandado). Não é usual expedir mandado de prisão em flagrante, quando a própria lei dispensa, nesses casos, a ordem formal escrita, por uma razão meramente operacional, de tempo. Se há um flagrante, não há a necessidade de mandado, certo? No entanto, quem pode mais, pode menos. Se não há a necessidade de mandado, na prisão em flagrante, qual mal pode causar a existência/presença do instrumento? Nesse caso, vale o velho brocardo: “o que abunda, não prejudica”. Quanto mais formal, melhor. Não há polêmica aí.

E a liberdade de expressão? Bom, sobre isso já escrevi diversas outras vezes. Liberdade de expressão é, mais que um direito, um princípio constitucional. Criticar ou discordar de pessoas e/ou instituições é direito que está inserido na dimensão da liberdade de expressão. Mas, proferir, propagar ou difundir mentiras, ataques e ofensas são práticas que não se inserem no âmbito da livre expressão do pensamento: são condutas ilícitas, criminosas. Liberdade de expressão não abrange o direito de mentir, ofender, atacar e perseguir. Injuriar, caluniar e difamar são crimes.

Agora, vamos aos fatos. Os atos praticados pelo deputado são semelhantes às condutas anteriormente praticadas pela extremista de direita Sara Winter. Trata-se, apenas, de um teste, um “esticar de cordas” para ver até onde vai a tolerância dos poderes, sobretudo do Judiciário, para com os intentos golpistas de Bolsonaro e sua camarilha (Forças Armadas inclusas). A depender da reação, mais ou menos enérgica, eles recuam, como criminosos covardes que fogem ao menor receio de frustração de seus planos. Sara Winter pendurou as chuteiras. Debochou, xingou, mas, ao final, sentiu a pressão. Com esse tal Daniel, a depender das medidas adotadas, ocorrerá o mesmo. É apenas um emissário, um pau mandado do bolsonarismo golpista.

E quem nos garante que o kamicase marombado não fizera tudo de caso pensado, para desviar a atenção da opinião pública sobre o desastre que ocorre com a falta de vacinas? Em tempo: a máxima ironia nesse episódio é ver um defensor do AI-5, policial miliciano, reincidente em prática de delitos, proxeneta da Ditadura clamando por liberdade de expressão. É muita falta de vergonha na cara.

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