Esse título parece apenas um impactante slogan visto em cartazes nas mais diversas manifestações pela América Latina. Antes fosse! A população do Amapá está vivendo, na prática, as consequências de quando o Estado transforma sua responsabilidade em mercadoria e entrega serviços essenciais à Iniciativa privada.

A prática do empresariado brasileiro é rotineira: ao invés de fazer investimentos em tecnologia/modernização e a partir disso consolidar seus negócios, esperam que o Estado construa empresas do zero, desenvolva as técnicas necessárias para execução daquela atividade, forme profissionais e estabeleça um patrimônio, apenas então, se desperta no empresariado o interesse por aquela atividade que durante décadas foi ignorada. Quando se esforçam muito, seus negócios nascem de grandes empréstimos oriundos de bancos estatais. A janela de oportunidade estava lá, não investiram porque é mais fácil esperar que o Estado faça e depois abocanhar o bem público.

Os exemplos são diversos no tempo e no espaço, certamente, o mais famoso é o caso da Petrobrás, que sempre está na mira dos privatistas. Essa empresa pública nasceu em 1953, precisamente pelo interesse do Estado Brasileiro em garantir autonomia na produção de energia para o país. A primeira concessão a particulares para prospecção de petróleo e folhelhos betuminosos no Brasil aconteceu em 1858, quase um século se passou e nenhum avanço significativo para essa atividade nasceu por ações da iniciativa privada. No entanto, desde a criação da Petrobrás e o profundo investimento na área, a empresa despertou a ganância do empresariado parasita brasileiro.

Muito se fala do grande (porém, questionável) avanço da telefonia e atribuem isso à privatização do setor. O que se esconde nesse exemplo, é que o Estado fez um brutal investimento pouco antes da privatização da telefonia, garantindo um ambiente seguro para que empresários extorquissem o povo com tarifas altíssimas e péssimos serviços. No primeiro mês após a privatização, a tarifa de telefone aumentou 17% e hoje, a ampla maioria dos processos em defesa dos direitos do consumidor são contra empresas do setor. Nossa cobertura de internet e sinal de celular é péssima, cara e restrita. Uma das piores do mundo.

A Vale do Rio Doce, além de ser entregue praticamente de graça (com 700 milhões de reais em caixa, diga-se), ainda se tornou uma empresa assassina. O rompimento de duas barragens matou centenas de pessoas e comprometeu a qualidade de vida de outras milhares. Todos esses eventos, obviamente, após a sua privatização em 1998. Além da irrestrita fuga de capitais, a empresa não tem nenhum compromisso com o meio ambiente, com a qualidade de vida das populações diretamente impactadas por suas atividades e não responde judicialmente à altura pelos crimes que cometeu, crimes causados por manipulações de relatórios de inspeções em barragens.

Por fim, temos o apagão elétrico no estado do Amapá. A empresa Isolux, contratada para executar serviços que garantissem o fornecimento de energia elétrica daquela unidade da federação, simplesmente não tinha conhecimento, preparo, nem vontade de cumprir o compromisso firmado. Para piorar, a empresa sequer possuía transformador reserva! A tese de que um raio foi responsável pelo incêndio que destruiu o transformador foi descartada, a polícia civil do Amapá afirma que o fogo começou em uma bucha do transformador.

Não é exagero dizer que seremos privados de tudo! No Amapá, mais de 700 mil pessoas foram privadas de fornecimento de energia elétrica por quase um mês. As famílias vítimas dos crimes da Vale do Rio Doce foram privadas de suas moradias, atividades laborais, e no caso de 291 delas, foram privadas do direito máximo de qualquer ser humano: o direito à vida! O setor privado não tem outro interesse que não o lucro, e para alcançar seus objetivos sacrifica sonhos, esperanças, economias locais, meio ambiente, culturas, futuros e vidas.

Toda corrupção que existe nas estatais está intimamente ligada às pressões econômicas que a iniciativa privada exerce sobre funcionários públicos, que na maior parte das vezes, não são de carreira, mas sim que foram indicados por políticos que tiveram suas campanhas financiadas por grandes empresas. A resposta para evitar tais práticas não é a entrega do bem público para aqueles que já concentram riqueza e deixam o Brasil com a marca de uma das maiores desigualdades sociais do planeta. Ao contrário, é dando maior transparência e garantindo mais participação da sociedade que as pressões do mercado financeiro não serão capazes de corroer a execução dos serviços pela administração pública.

É bom também lembrar, que não queremos apenas a garantia de que empresas públicas permaneçam públicas, não defendemos o capitalismo de Estado. A nossa luta é para garantir que a classe trabalhadora administre coletivamente as atividades produtivas. O controle social das empresas já existe, e é exercido por uma elite econômica que atende exclusivamente seus próprios interesses, por isso é importante que o controle social das empresas públicas seja exercido pelos trabalhadores e trabalhadoras.

Mesmo com o desastroso histórico da política de privatizações, ou melhor, projeto de entrega das riquezas nacionais para a iniciativa privada, o governo pretende estender as privatizações a empresas essenciais como Correios e Eletrobrás. O resultado será um desastre e a experiência nos permite fazer essa afirmação.

Se a máquina privatista continuar esmagando os direitos do povo brasileiro, o que hoje vive o Amapá será experimentado por todo o Brasil, que na verdade não é bem uma novidade, já que no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso os apagões elétricos eram constantes por todo o território brasileiro. E quem vai pagar essa conta? O povo brasileiro! Podemos fazer uso das célebres palavras de Celso Furtado para definir o modelo de privatizações no Brasil, é um impiedoso sistema de “Privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”.

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