Ainda em outubro, o presidente Jair Bolsonaro surfava numa marola de popularidade, graças ao auxílio emergencial pago aos afetados pela pandemia e ao alívio provocado por algumas semanas de recolhimento a que se sujeitou para se recuperar da COVID-19. Mas novembro está sendo sofrível para ele. A redução pela metade do valor do auxílio coincidiu com o aumento nos preços do arroz e de outros gêneros de primeira necessidade, para agravar a situação de precariedade e de desespero de milhões de famílias.

O que atordoou, mesmo, o presidente foi a derrota de Donald Trump para Joe Biden nas eleições nos EUA. Embora o Brasil nada tenha ganho com o alinhamento automático a Trump, Bolsonaro tomou partido indevidamente na disputa e recusa-se, como Trump, a reconhecer a vitória do democrata e a legitimidade do processo eleitoral naquele país. Só que, após a posse de Biden, Trump vai cuidar do dinheiro dele. E Bolsonaro? Cuida de quem?

Cuida dos filhos dele, e o seu primogênito, Flávio Bolsonaro, passou de investigado a denunciado no caso da “rachadinha”, de apropriação criminosa de dinheiro público por meio de extorsão de parte dos salários dos funcionários do seu gabinete, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Mesmo sendo senador pelo Rio de Janeiro, Flávio esteve ausente da campanha à reeleição do irmão, Carlos, que venceu, mas não foi o vereador mais votado e teve menos votos, agora, do que havia tido em 2016, quando seu pai ainda não era presidente. Carlos é o gênio operador do bolsonarismo nas redes sociais que, parece, já não fez milagre como em 2018.

Com relação a Biden, Bolsonaro parece estar optando por um jogo perigoso de confronto, radicalmente oposto à postura de bajulação e subserviência adotada em relação ao Trump. Insinuou que pode recorrer à “pólvora” em lugar da palavra para reagir a críticas pela devastação ambiental e ameaçou divulgar uma lista de países – que deve incluir os EUA – que compram madeira ilegalmente extraída da Amazônia. Na sua loucura, talvez Biden represente a maior ameaça comunista do século. Só que provocar o governo da maior potência mundial por mero delírio ideológico pode reforçar o clima, já muito favorável, para a adoção de medidas políticas e comerciais contra o Brasil.

Com relação às eleições municipais, Bolsonaro também se autoderrotou. Não viabilizou o seu partido e escolheu apoiar candidatos por supostas afinidades ideológicas e sem qualquer articulação consistente, tendo, em vários casos, transferido mais rejeição do que votos para os seus indicados. O caso do Russomano, em São Paulo, é apenas o mais emblemático, pois liderava as pesquisas quando recebeu a benção presidencial, mas afundou para o quarto lugar, deixando a extrema direita fora do segundo turno na maior cidade do país. Restam para Bolsonaro poucas chances de melhor sucesso no segundo turno. Até agora, conseguiu se fazer o maior derrotado nessas eleições.

Quem venceu as eleições?

E quem venceu? Venceu a direita não bolsonarista, a centro-direita, especialmente o DEM, que já levou, no primeiro turno, as prefeituras de Salvador, Curitiba e Florianópolis, e disputará, no segundo turno, outras cidades importantes, como o Rio de Janeiro, base principal de Bolsonaro, onde o candidato dele, Crivela, disputará em desvantagem com Eduardo Paes. Constatada a vitória do partido, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anunciou que o DEM lançará a candidatura de Luciano Huck à Presidência da República, em 2022.

O governador de São Paulo, João Dória, pré-candidato à Presidência contra Bolsonaro, também se saiu relativamente bem com a eleição de vários prefeitos pelo PSDB e a chegada de Bruno Covas à frente no primeiro turno das eleições na capital. A eventual confirmação da vitória de Covas no segundo turno pode deixar Dória em boas condições para a disputa presidencial, apesar do desgaste e da rejeição que acumulou durante os seus primeiros dois anos de mandato. O PSDB também venceu em Palmas, no primeiro turno, e disputará outras 14 prefeituras importantes no segundo turno.

No campo da esquerda, destaca-se o crescimento do PSOL, que disputará o segundo turno em São Paulo e Belém. Com pouco mais de um milhão de votos, Guilherme Boulos derrotou o PT e o PSB, além do Celso Russomano, que foi apoiado por Bolsonaro. Boulos superou, na cidade de São Paulo, a votação para à presidência que havia conquistado nas eleições de 2018. O PSOL, até agora, foi o principal beneficiário do encolhimento do PT. Mesmo assim, o PT é o partido com maior número – 15 – de candidatos na disputa pelo segundo turno. Teve bom desempenho em Recife e Vitória e, apesar da derrota em São Paulo, ainda pode chegar a um melhor resultado que o bolsonarismo de raiz, que só disputará o segundo turno em Fortaleza.

Se o bolsonarismo de raiz se deu mal, o centrão pró-Bolsonaro cresceu, especialmente o PSD, que venceu no primeiro turno em Belo Horizonte e Campo Grande e aumentou significativamente o número de prefeituras em todo país, comendo parte do espaço do MDB e do PSDB. Gilberto Kassab, presidente da legenda, diante do bom resultado, também anunciou que o PSD lançará candidato próprio à presidência em 2022, embora os nomes aventados não disponham de envergadura. De qualquer modo, essa sinalização demonstra que o apoio do PSD a Bolsonaro é momentâneo e deverá lhe custar cada vez mais caro. O PP, outro integrante do centrão bolsonariano, também cresceu.

Resumo da ópera

Resumindo a fatura, Bolsonaro não precisava e não deveria ter tomado partido nas eleições americanas. Se tivesse respeitado o princípio da não ingerência no destino de outros países, não estaria, agora, na condição de derrotado. Pior ainda, conseguiu gerar uma crise com o futuro governo americano antes mesmo da posse do novo mandatário norte-americano. Por outro lado – o de cá – se pretendia influenciar as eleições municipais, deveria ter se preparado e se articulado previamente, em vez de improvisar uma lista de candidatos que receberam o seu apoio e que foram, quase todos, fragorosamente derrotados. Em menos de 15 dias, bestamente, Bolsonaro conseguiu acumular duas derrotas eleitorais cruciais.

No decorrer da campanha eleitoral, pesquisas indicaram um grande aumento nos índices de rejeição a Bolsonaro nas capitais, chegando a 50% em São Paulo. A erosão na popularidade presidencial pode repor a síndrome do impeachment. E é sempre bom lembrar que, com a virada do ano e da primeira metade do mandato presidencial, um eventual impedimento implicaria na posse do vice, Hamilton Mourão, pelo restante do mandato e com direito de disputar a reeleição em 2022, sem convocar já uma nova eleição.

Aliás, Bolsonaro vem arrumando um pepino atrás do outro com Mourão. Depois de especular sobre outros nomes como vice na disputa pela reeleição, ele desqualificou um documento produzido pela assessoria do Mourão propondo a expropriação de propriedades rurais onde ocorra desmatamento ilegal. Mais ainda, bateu de frente com o vice e com outros generais ao se negar a reconhecer a vitória de Biden e, ainda por cima, fazer declarações fortuitas e belicosas. Já Mourão reconheceu publicamente a vitória do novo presidente dos EUA.

Após um período de efêmera e imerecida popularidade, Bolsonaro vive um mês de novembro cavernoso e deve chegar ao final do ano em viés de baixa, com nuvens de instabilidade no horizonte.

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