Justiça para Mariana Ferrer e todas a vítimas de violência sexual. A absolvição no caso de Mariana é um ataque a todas as mulheres

Por Simone Nascimento*

O estupro da jovem catarinense Mariana Borges Ferreira, conhecida nas redes como Mariana Ferrer, foi um dos 66 mil ocorridos no Brasil em 2018 (Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Nenhum deles é mais ou menos indignante na estruturante cultura do estupro e do abuso de mulheres e meninas no país. E quando falamos de estupro, é preciso voltar alguns capítulos na nossa história, à miscigenação “a laço” a que foram submetidas indígenas e negras escravizadas, a quem o único reconhecimento humano que lhes era dado consistia em servir também às taras dos escravocratas.

O Brasil só faz de conta que não entende que estupro não é sobre sexo, e sim sobre poder. Não quer correr o risco da condenação que o Japão teve de encarar pelo incentivo à política do “alívio” durante a Segunda Guerra, que consistia em sequestrar e escravizar sexualmente chinesas e coreanas – tratadas elas mesmas como “alívios” aos homens das tropas japonesas. Por tudo que aconteceu no nosso país em quase quatro séculos de escravização de pessoas, imaginem o tamanho da indenização às populações indígenas e africanas espoliadas inclusive da dignidade sexual.

O caso de Mariana se destacou por três razões. Primeiro pela impactante revelação do vídeo de umas das audiências do processo, em que ela, única mulher e vítima, se vê transformada em vilã, quase a ré do caso, pelo advogado de defesa, o criminalista bolsonarista (que surpresa) Gastão Rosa Filho, e pelo promotor, sob a proteção conivente do juiz.

Em segundo lugar, pelo malabarismo jurídico da sentença, que absolveu o empresário André de Camargo Aranha. Embora a peça jurídica reconheça que até mesmo aconteceu conjunção carnal (que não é um requisito indispensável, pela lei e jurisprudência, para a identificação do crime). A sentença diz que não teria havido dolo, ou intenção de estuprar, porque, segundo o juiz Rudson Marcos, responsável pela 3ª Vara Criminal de Florianópolis, a vítima não teria comprovado essa intenção do agressor. Oi??

Escandaloso e ameaçador. A repercussão na mídia também foi essencial para a proporção que esse caso tomou e Mariana teve as possibilidades para seguir em frente com o processo e denunciar as atrocidades que sofreu. Estamos falando de duas pessoas famosas na cidade. Ela é infuencer, ele empresário, e frequentam espaços da alta sociedade de Florianópolis.

Mas e se tudo isso acontecesse com uma comerciária, uma mulher pobre? Ou se fosse uma mulher negra? O caso chegaria à imprensa? Será que o ministro Gilmar Mendes manifestaria sua indignação com a falta de acolhimento da vítima pelo sistema judicial? E as outras 65.999 vítimas de estupro em 2018? Ou outras tantas milhares de 2019 e 2020? Quantas tiveram as condições emocionais e materiais de Mariana para levar adiante a denúncia? Quantas estão sendo tratadas de forma igualmente ultrajante ou ainda pior que ela?

Por isso, manifesto minha irrestrita solidariedade a Mariana, vou à rua e chamo todas, todos e todes para o ato neste domingo em sua defesa. E também me solidarizo com as dezenas de milhares de mulheres vítimas dessa histórica cultura misógina e violenta. Estou lutando – e chamando você a lutar – para que haja menos estupros e mais Justiça para todas as Marianas, inclusive as quase sempre invisíveis pobres e negras, 68% das vítimas de crimes sexuais

A sentença indignante do caso Mariana é uma aberração jurídica e política. Não existe estupro sem dolo, sem intenção; assim como não existe racismo reverso, cristofobia e heterofobia. Com sentenças desse tipo, as forças mais conservadoras, repressoras, patriarcais, racistas e homofóbicas da sociedade buscam mudar o sentido dos julgamentos, reinterpretando as leis que querem destruir. Querem passar, por baixo dos panos, a boiada de seus preconceitos.

É preciso barrar mais esse ataque às conquistas legislativas que os movimentos de mulheres arrancaram com muita luta. É preciso frear esse ataque à razoabilidade e à vida das mulheres! Você está comigo? Vamos mostrar nossa indignação na Avenida Paulista, às 13h, este domingo. Machistas, não passarão!

Simone Nascimento é jornalista, formada pela PUC-SP via Prouni. Jovem negra, moradora de Pirituba, quebrada de São Paulo, está candidata a vereadora pelo PSOL. Ajudou a fundar o movimento RUA – Juventude Anticapitalista e faz parte da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo.

A colunista Isa Penna cederá o espaço de sua coluna na Mídia NINJA a Simone Nascimento nas próximas semanas.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

Colunista NINJA

Memória, verdade e justiça

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Andréia de Jesus

PEC das drogas aprofunda racismo e violência contra juventude negra

Márcio Santilli

Através do Equador

XEPA

Cozinhar ou não cozinhar: eis a questão?!

Mônica Francisco

O Caso Marielle Franco caminha para revelar à sociedade a face do Estado Miliciano

Colunista NINJA

A ‘água boa’ da qual Mato Grosso e Brasil dependem

jogomes

Mineradora estrangeira força a barra com o povo indígena Mura

Jade Beatriz

Combater o Cyberbullyng: esforços coletivos

Casa NINJA Amazônia

O Fogo e a Raiz: Mulheres indígenas na linha de frente do resgate das culturas ancestrais

Rede Justiça Criminal

O impacto da nova Lei das saidinhas na vida das mulheres, famílias e comunidades

Movimento Sem Terra

Jornada de Lutas em Defesa da Reforma Agrária do MST levanta coro: “Ocupar, para o Brasil Alimentar!”