Mari, 

Nós assistimos às cenas da audiência da 3ª Vara Criminal de Florianópolis e fomos parte da indignação que tomou o país quando elas se tornaram públicas. Doeu muito, deu muita raiva em todas nós. Aumentou nossa revolta sobre os rumos que o Brasil vem tomando, tão brutal para as mulheres. Tão confortável para esses homens brancos, ricos e engravatados. Tão impune para André Aranha, que teve tudo o que quis desde que nasceu! Que acha que pode comprar qualquer coisa, inclusive o privilégio cruel de te violentar. 

Nós te prometemos: fixamos o rosto cínico de cada um daqueles homens cúmplices de André Aranha. Do advogado, do juiz, do promotor. Do regozijo contido deles todos, naquele ritual de queimar você numa fogueira. Daquele exorcismo sádico que o advogado quis te impor, colocando em dúvida a sua humanidade. Nós todas estávamos ali com você, Mari, naquele banco macabro, mais uma vez, sempre condenadas por sermos mulheres. E queremos te dizer que, por mais improvável que pareça, é nesse lugar que nos encontramos e descobrimos que não estamos realmente sozinhas. 

Nós não conhecemos mulheres que nunca tenham sido assediadas, violentadas. Imaginamos que entre as suas conhecidas você também não saiba de nenhuma. As formas são muitas e distintas, e acontecem nas diferentes fases de nossas vidas. Algumas são graves, outras são mortais. Estas são, dolorosamente, cada vez mais comuns no Brasil. Como podemos suportar o fato de que a casa, o ambiente teoricamente mais protegido da pandemia, seja o lugar mais perigoso para dezenas de milhares de meninas e mulheres?

Nossos corpos e trajetórias caladas, nossas experiências de violência, são como chagas abertas; nos colocam num lugar demorado de dor. É a dor que pariu esse país! Esse imaginário de nação que foi assentado no estupro de mulheres negras escravizadas, para enriquecer os tataravós de Aranha e seus amigos, todos esses reizinhos de camarotes. 

A verdade é que o Estado brasileiro serve há muito tempo a André Aranha, que o utiliza para apagar, exterminar, submeter qualquer dissidência que ameace a existência dele como o playboy estuprador que ele é. O Estado que o absolveu gentilmente – mesmo com sêmen, vídeo e testemunhos – também determina que ser preto é crime passível de prisão ou de pena de morte sem julgamento. O mesmo Estado que torturou você ali, Mari, num mero “procedimento judicial” daquela irmandade togada da elite brasileira. 

No ano passado, uma coreografia criada por um coletivo feminista chileno ganhou o mundo. Nossas companheiras chilenas estavam à frente de uma revolta popular corajosa e multitudinária, que começou com elas pulando catracas do metrô de Santiago com seus uniformes escolares. Mulheres equatorianas, argentinas, costarriquenhas, estadunidenses, belgas, alemãs, argentinas, guatemaltecas, salvadorenhas, cubanas, libanesas, turcas, russas, japonesas, tantas outras de tantos outros lugares, repetiram a performance nas praças das suas cidades, ecoando aos quatro cantos do mundo um grito comum. 

Vendamos nossos olhos, nos postamos em fila e apontamos nossos dedos, muito certeiros, para esse Estado, sentando-o nesse banco dos réus que há tanto tempo nos prenderam, culpando-o pela legitimação das dores das violências que nos causam por sermos mulheres.  Se esse poder julga que as nossas vidas não valem, então teremos que inventar outro poder.

Estamos com você. Faremos vingar seu sofrimento, que é o sofrimento de todas nós. Fica bem, Mari, nós te prometemos que aquela força que você demonstrou sozinha, gritando aos prantos pelo respeito que essa instituição misógina rasgou em mil pedaços, será a nossa força. Vamos construir nesse grito comum a retomada da liberdade de todas nós e a justiça que você merece. 

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