Querid@s: quero explicar de forma simples, sem muito juridiquês (já que este eu deixei para a petição ao MP) por que fiz um requerimento de providências investigatórias em face do “professor” do curso Alfacon, Norberto Florindo Júnior.

De início, evidentemente, para além de qualquer questão ideológica, é preciso dizer que pouco importa aqui (ou pouco deveria importar) ser de esquerda ou de direita, afinal: estamos a falar de alguém que diz ter matado bebês e mulheres. Torturado e matado. De acordo com as exatas palavras de Norberto Florindo Júnior: “EU ENTRAVA CHACINANDO E MATAVA TODO MUNDO: MÃE, FILHO, BEBÊ… FODA-SE!!!” QUEM MAIS MATOU FUI EU! QUEM MAIS TORTUROU FUI EU!

Ainda segundo ele, em outro vídeo, “são 28 [homicídios] assinados, um embaixo do outro. Mais uns 30 que eu não assinei”.  Temos, aqui, fundamentos jurídicos para que ele seja investigado, afinal: “28 homicídios assinados”, disse ele. Ou seja: 28 homicídios que o identificam, além de 30 que não identificaram, mas ele confessa.

Poderia ser mentira – alguém diria. É, poderia. Mas somente se saberá… investigando! Eis a tese jurídica, porque se o senhor Noberto Florindo Júnior foi expulso da polícia militar em 2009 [1], por porte de cocaína, conforme amplamente noticiado na mídia, então os crimes por ele confessados ainda não prescreveram.

A conta é simples: o artigo 109, I, do Código Penal diz que o crime prescreve em 20 anos, se o máximo da pena é superior a 12 anos. Levando em consideração o fato de que estamos a falar de inúmeros homicídios com diversas qualificadoras, dúvida não há que estamos diante de um caso de prescrição, em tese, somente depois de 20 anos.

Então, se ele saiu em 2009, presume-se que muitos destes crimes (a maioria) ainda não prescreveram. E mais: se ele diz que “assinou 28 homicídios”, então inquéritos foram instaurados! O que houve com essas investigações? Pararam? Foram arquivadas? Tornaram-se processos?

Aqui temos mais um argumento jurídico para que o Ministério Público retome as investigações, porque o artigo 18 do CPP possibilita a que se proceda a novas pesquisas se de outras tiver notícias. Sem muito juridiquês, isso significa que:

se realmente há 28 homicídios assinados, como ele mesmo diz, e estas investigações estão paradas, há elementos para que se proceda a novas pesquisas, reabrindo-se inquéritos que eventualmente possam ter sido arquivados, bem como há elementos para que o Ministério Público proceda às investigações em face dos crimes que ele diz ter cometido, mas que ainda não foram descobertos, por não terem sido “assinados” (leia-se: identificados).

Aliás, é de se perguntar se “28 homicídios assinados” estariam todos eles acobertados… pela legítima defesa? Mesmo contra bebês? E mulheres? Estrito cumprimento do dever legal? Exercício regular do direito? Contra bebês e mulheres, mesmo? Inacreditável. No mínimo esses homicídios merecem uma investigação ou a continuação das investigações, caso tenham se iniciado, sobretudo porque há amparo legal na forma do art. 18 do CPP, em razão da nova notícia (a confissão).

Por fim, queria alertá-los para a necessidade de algo que nem na ditadura – pasmem, nem na ditadura! – acontecia assim: a comemoração do horror em público nos moldes em que vemos hoje. Chocou-nos por isso, dentre outras coisas, o fato de tudo isso ter sido dito publicamente. E, pior: numa aula de Direito. Realmente o Mestre Silvio Almeida tem razão: onde há juristas são grandes as chances de ter miséria. Por isso, digo eu, num primeiro momento não gosto de juristas, porque com o ensino jurídico que se tem hoje, no Brasil – e este “professor” é a prova disso – ninguém pode sair do direito melhor do que entrou.

Aliás, devia ser obrigatória a terapia a todo mundo que se formasse em direito. Risos. Deixo aqui a minha sugestão e volto ao que tinha dito sobre o que nem na ditadura acontecia como se acontece hoje, que é o fato de que os fascistas e racistas perderam a vergonha. Estudando a tortura e lendo relato de torturadores, principalmente a partir dos estudos de Freud, Lacan e Alfredo Naffah, percebi que muitos deles (não todos, evidentemente) faziam questão de usar o capuz. Como um amante da psicanálise, isso sempre chamou a minha atenção, afinal: por que buscar o capuz para torturar?

A descoberta foi chocante: além de evitar ser descoberto, o capuz servia, também, para evitar o confronto do torturador com o olhar do torturado, já que o olhar dos torturados, para muitos, trazia à tona a vergonha e, por isso, alguns dos torturadores não conseguiam dar prosseguimento à tortura. Por isso muitos dos instrumentos da tortura (não todos, reitero) tinham uma tentativa inconsciente, digamos assim, de isolar o torturado e o instrumento, como se pudesse transferir toda a responsabilidade apenas ao instrumento.

É nesse contexto, como bem lembra Alfredo Naffah, que alguns instrumentos de tortura permitiam que o torturador se sentisse desonerado de qualquer responsabilidade, já que o ato de torturar passava a ser, para ele, de total responsabilidade do instrumento.

Reparem que os instrumentos e as formas da antiguidade, tais como o chicote, algemas, apedrejamento, crucificação, fogueira, açoite, quebra-joelhos, berlinda, entre outros, vão sendo substituídos por instrumentos que, além de impor sofrimento, visavam também tentar desonerar o torturador de qualquer contato direto com o torturado e, consequentemente, de qualquer responsabilidade, ainda que somente inconscientemente.

É o que ocorre, por exemplo, com a cadeira elétrica e o pau de arara que, em tese, exigem menos participação direta do torturador, ou seja: “aquele que tortura sob as ordens de um outro deve também sentir suas ações como que comandadas por outra mente, o que também o eximiria de qualquer responsabilidade” [2]

O triste (e desesperador) é que, se na ditadura alguns torturadores ainda faziam questão de colocar o capuz, hoje em dia parece que a coisa piorou, pois os horrores têm sido dito dentro de “salas de aulas”, por “professores”, e pior: pelo Presidente da República, quando dentro do congresso, a suposta casa do povo, invocou o nome do torturador Ustra. Por todos estes motivos fiz este requerimento ao Ministério Público, sobretudo porque há, aí, uma questão simbólica exigir uma reposta e esta não pode ser de omissão diante do assassinato de mulheres e bebês, conforme dito pelo próprio confessante. As famílias merecem uma resposta do Estado, ainda que tardia.

[1] https://pensarpiaui.com/noticia/ex-pm-que-incitava-tortura-em-aulas-para-concurso-foi-expulso-da-corporacao-por-porte-de-cocaina.html

[2]

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