A campanha de Guilherme Boulos e Luiza Erundina vem sofrendo ataques inescrupulosos e constantes nas duas últimas semanas. Até então ignorado, Boulos ganhou novo status para a mídia paulistana: alvo. Todo tipo de mentiras e manipulações são usadas nessa reta final contra a chapa 50 do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). É evidente que o crescimento do candidato nas pesquisas de intenção de voto ligou um sinal de alerta que vai muito além da disputa eleitoral pela prefeitura. Contudo, a vitória já é certa! Não quero que a(o) leitora(r) pense que é puro otimismo desconectado com a realidade, por isso vamos pensar: que vitória é essa? Um novo fôlego para os movimentos sociais.

A candidatura de Boulos supera a disputa pelo controle momentâneo do executivo municipal da maior cidade da América do Sul, representa, na verdade, resistência e esperança. Nesse momento de avanço do mais voraz e predatório capitalismo, as propostas da candidatura apresentam o socialismo como opção, exemplificam as perdas que sofre a classe trabalhadora, expõem as atrocidades provocadas pelo racismo, reforçam a importância da luta para deter as violências contra as mulheres e propõem ações cirúrgicas para problemas históricos como a questão da moradia, educação, emprego e renda.

É tudo que a grande mídia (bolsonarista, ainda que disfarçadamente) não quer!

Em termos pragmáticos, Boulos disputar a prefeitura de São Paulo lhe dá espaço para a consolidação de um projeto político autônomo, propositivo e pujante, estruturando um espaço partidário-eleitoral que há 15 anos o PSOL constrói. Contudo, para além de uma estratégia partidária, a vitória de Boulos atesta que a esquerda ainda tem capacidade de inserção, que pode ocupar espaços, mas que para isso é preciso rever sua forma de atuação e abrir o diálogo, não apenas buscando ouvintes, mas fazendo o papel de escutador.

Os efeitos reais do surpreendente alcance desta candidatura – que superam as micro intenções partidárias – é que São Paulo começa a rascunhar a negação do modelo neoliberal, sintonizando-se com apelos da classe trabalhadora de toda América Latina. E independente do resultado das urnas, uma ideia revolucionária foi retomada na cidade que é o coração do conservadorismo brasileiro: é preciso mudar, e o caminho é à esquerda.

A cidade de São Paulo tem uma população estimada de quase 12 milhões de pessoas, muitas nações na América Latina têm número aproximado de habitantes. Multicultural, com intensos movimentos migratórios regionais e internacionais, PIB de quase 700 bilhões de reais e intenso peso político no âmbito nacional. Não por acaso as eleições municipais têm muitos holofotes direcionados para lá e é por essa condição de quase Cidade-Estado que a campanha de Boulos incomoda tanto, ela tem a capacidade de influenciar movimentos sociais por todo o Brasil, criando um espaço de difusão suficientemente amplo para que a população se conecte com um modelo de sociedade antirracista, antimachista e anticapitalista. Fenômeno crescente nas nações vizinhas.

Nas urnas, a Bolívia decidiu pela volta do Movimento ao Socialismo com a vitória de Luís Arce, interrompendo 1 ano de governo provisório golpista que tomou o poder com a derrubada de Evo Morales. Antes, a Argentina se recusou a permanecer no buraco causado pelo avanço das medidas necropolíticas de Maurício Macri. Na Colômbia, os protestos contra Ivan Duque ganham cada vez mais força e tomam as ruas de Bogotá depois de quase um ano suspensos em função da pandemia e no Chile, quase 80% da população votou a favor de uma nova constituinte que empurre para a lata de lixo da história a constituição neoliberal deixada pelo ditador Augusto Pinochet. O mesmo Chile que por décadas foi o cartão postal das mentiras dos defensores do Estado Mínimo, o mesmo Chile, em que Paulo Guedes, Ministro da Economia do Brasil, trabalhou pela ditadura de Pinochet implantando seu projeto de destruição de direitos para favorecer o sistema financeiro.

O avanço da necropolítica e do neoliberalismo é um fato, mas a candidatura de Guilherme Boulos nacionalizou um debate premente (que já possibilitou mudanças estruturais na América Latina no ano de 2020): esse avanço não vai acontecer sem oposição! A esquerda brasileira, mal acostumada com a disputa institucional e a proferir discursos entre pares nos palacetes (depois de profunda letargia pós golpe) volta a perceber que a revolução está no chão da fábrica, na terra fértil, nas florestas, nas ruas das periferias e toda essa gente não quer ser tão somente representada, quer ser parte ativa do processo de construção política, quer ser escutada, quer ter suas demandas atendidas.

Porém, uma advertência: esse não é um movimento natural, não é o destino se manifestando, é na verdade, fruto de muito trabalho de base e estabelecimento de conexão profunda com as partes excluídas e marginalizadas da sociedade. Essa ação tem que ser constante, ultrapassar as fronteiras partidárias e não se interromper com as eleições. Nesse sentido, o crescimento eleitoral de Boulos, investindo na radicalização do discurso rumo ao socialismo, mesmo contra dois candidatos como Bruno Covas e Celso Russomano (apoiados sistematicamente pela mídia e pelas instituições) é uma vitória inevitável!

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