Foto: Midia NINJA

Por Djefferson Amadeus

Por que a branquitude tem o (dever moral) de financiar candidaturas de mulheres negras mesmo que não votem nelas? Explico.

Um ditado malinês diz que tudo que somos e tudo o que temos nós devemos uma vez aos nossos pais, mas duas vezes às nossas mães. Começo com esse ditado malinês e, adaptando-o ao Brasil, vos digo: tudo o que qualquer pessoa branca tem ela deve uma vez aos homens negros e duas vezes às mulheres negras. Afinal: sugando o leite do peito de nossas ancestrais, vocês estudaram e se formaram enquanto sugavam nosso futuro.

Há pouco mais de 60 anos, conforme lembra-nos o historiador e filósofo Jonathan Raymundo, nós – negros e negras – estávamos dentro de jaulas, na Bélgica, servindo como objetos de atração em um zoológico humano. Isso mesmo: zoológico humano, com crianças presas a uma cerca de bambu e o público jogando bananas. Detalhe: estou falando de pouquíssimo tempo: 60 anos…

Mas se muit@s pessoas branc@s que me leem não eram vivas durante a escravidão e, além disso, muitas possuem menos de 60 anos, então que culpa têm em relação aos crimes que foram praticados por seus antepassados? Como advogado criminalista respondo-lhes: absolutamente nenhuma culpa. Ora, se tu dizes, Djeff, que nenhuma pessoa branca viva, hoje, tem culpa pelos crimes que foram cometidos durante a escravidão, então por que tu afirmas que todas as pessoas brancas vivas, hoje, têm o dever moral de financiar candidaturas de mulheres negras ainda que não venham a votar nelas?

Valho-me do ensinamento de uma Mestra do Movimento Negro Unificado, Valéria Neves, que na quadra da favela do Manguinhos assim se pronunciou: – Nenhum branco vivo, hoje, tem culpa pelos quase 400 anos de escravidão. Mas todos os brancos vivos, hoje, gozam dos privilégios que 400 anos de escravidão deixaram. Então, se há alguma economia ou qualquer bem social neste país, tudo isso é resultado da exploração e da escravidão de pessoas negras.

Portanto, qualquer pessoa branca viva, hoje, tem o dever moral de financiar candidaturas de pessoas negras, especialmente a candidatura de mulheres negras. Até porque, como dizia Nabuco, citado por Beatriz Nascimento, “antes de nascer, a pessoa escravizada já sofria na mãe”. Ou seja: a mulher negra sofria de forma dobrada: por ela e pelo seu filho que sequer havia nascido, mas os racistas já o condenavam (antes mesmo dele nascer)! E também o condena assim que saía da barriga de sua mãe, já que a existência de uma pessoa negra para a maioria do sistema de “justiça” brasileiro sempre constituiu “crime” de existir.

Ser pessoa negra num dos países mais racistas do mundo, portanto, como é o caso do Brasil, é nascer condenado à pena de morte pelo “crime” de existir! Daí que para mudar este quadro faz-se necessário a existência de mulheres negras no poder! Entendam bem o que eu disse, porque eu não falei mulheres negras tão somente participando da política, mas sim mulheres negras no poder!!! Por isso, citando Stolkely Carmichael (e isso aqui não vale apenas às pessoas brancas, mas também aos homens negros), “se você leva a libertação das mulheres a sério, você as apóia na criação de suas organizações e luta para que elas tenham poder. A A-AWRU (União Revolucionária da Africanas) é o braço mais poderoso do nosso partido. Não há nada mais organizado do que elas em nosso partido, em nem mais poderoso. Jamais haverá um A-AMRU (União Revolucionária dos Africanos).” Ou seja: quem liberta as mulheres são as mulheres. A solução, então, é pela esquerda e com as mulheres no poder!

Está lançada aqui a campanha: Só é antirracista quem financia a campanha de mulheres negras. Brancos e brancas: marquem seus amig@s branc@s e perguntem: qual candidata negra você já financiou? Pouco importa se votarão na mulher negra financiada ou não, sabe por quê? Porque empoderamento de candidaturas negras é dinheiro no bolso das campanhas negras! Não é negro contra branco, nem branco contra negro, mas sim todos contra o racismo estrutural, como diria o Partido dos Panteras Negras. #Branc@TuFinanciouQualMulherNegra?

*Djefferson Amadeus é advogado criminalista e eleitoralista, diretor do Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), mestre em direito e hermenêutica filosófica, pós-graduado em filosofia pela PUC-Rio, pós-graduado em processo penal pela ABDCONS-RJ e membro do MNU e do IANB.

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