*Por Jamerson Silva

Vou iniciar esta conversa fazendo uma afirmação: gostem ou não, as festas de paredão fazem parte de uma manifestação estética e cultural, são pertencentes de movimento nacional que talvez ainda não tenha se reconhecido como tal e como todo movimento cultural, continuará se impondo e ocupando as ruas e as lacunas deixadas pelo estado.

Agora com a afirmação feita, vamos destrinchar as ideias.

A ocupação das ruas pela juventude negra marginalizados que se encontram no fluxo dos paredões é, na prática, o único espaço que sobra para essa juventude se enxergar, colocar seus corpos no mundo, seus sorrisos, suas alegrias e sua energia. É o lugar do flerte, da diversão, da resenha, de exercer seu direito inalienável de se sentir vivo e de se divertir.

Como eu disse anteriormente, é um movimento nacional, festas similares estão presentes na maioria dos estados brasileiros e a repressão é semelhante, vide a criminalização do Baile da Gaiola e a prisão do Renan da Penha no Rio de Janeiro, as nove mortes em Paraisópolis durante uma operação policial que reprimia um baile no bairro, da cidade de São Paulo e mais recentemente, o uso de caminhões com jatos d`água em Diadema-SP para dispersar as pessoas que ocupavam as ruas.

Recentemente o prefeito de Salvador, ACM Neto, deu uma entrevista onde prometia atuar com rigor contra os paredões, com auxílio da Polícia Militar. Obviamente que ninguém aqui está defendendo nenhum tipo de aglomeração. O problema é que, mais uma vez, como sempre acontece, as ações são distintas quando se trata de áreas diferentes da cidade. Enquanto para os paredões é a repressão das forças de segurança, nas áreas nobres, bares, ruas e praias nas áreas nobres, seguem lotadas sem a menor interferência do poder público.

O modus operandi é o mesmo do que já acontecia antes da pandemia, portanto, o argumento de que as medidas ‘enérgicas’ seriam necessárias, caem por terra. Guarda Municipal, Polícia Militar e multas altas dos órgãos municipais para as festas na comunidade e pequenas casas de eventos dos bairros populares e vista grossa para para os grandes eventos que promovem a mesma poluição sonora. Na prática, se for ‘amigo do rei’ pode tudo, se não for, não pode nada.

Por fim, é também óbvio que nesta equação há de se levar em conta as pessoas das comunidades, ao mesmo tempo que o barulho incomoda, as festas movimentam a economia local, principalmente para ambulantes que sobrevivem vendendo bebidas e comida. Quem vive nas comunidades sabe que as opiniões são divididas.

Sociedade e poder público precisam romper com a ideia de que o que vem dos territórios marginalizados precisa ser enquadrado e combatido. O estado precisa dar conta das demandas globais destes territórios, inclusive o lazer. Reprimir com a violência das forças de segurança não vai funcionar, como não funcionou com a capoeira, como não funcionou com o samba, dois exemplos de movimentos culturais que foram altamente combatidos pela polícia e pelas elites. A cultura sempre se impõe e precisamos decidir se vamos construir juntos, ou se seremos atropeladas por ela.

*Jamerson Silva é soteropolitano, morador de Cajazeiras. Militante do Movimento Negro. Publicitário, músico e produtor cultural com mais de 15 anos de experiência em produção de eventos. Ele é idealizador e administrador da casa de shows Jam Music & Bar e trabalhou em diversos projetos de formação para a cadeia produtiva da música baiana e brasileira

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