Arte: Cris Vector

O triunfo da revolução cubana suscitou outra forma de fazer política. Como consequência, surgiram no resto do continente os grupos guerrilheiros PRT, Montoneros, Tupamaros e MIR, que tinham como propósito principal imitar a insurreição de Fidel Castro e seus aliados e derrubar assim, por via das armas, os governos dos seus respectivos países. Porém, em pouco tempo, teriam de enfrentar uma infalível contra-ofensiva militar com o apoio velado de Washington. Poderíamos dizer então que, uma das consequências da revolução em Cuba foi uma contra ofensiva brutal por parte dos Estados Unidos na região, prevendo uma possível “epidemia” comunista e alinhando assim, um mega plano a nível continental para instaurar governos dictatoriais “a qualquer custo”. O nome desse mega plano bilionário com a missão de resguardar os interesses das burguesias locais e aplastar toda iniciativa de empoderamento popular, foi conhecido anos depois como “Operação Condor”. 

Nos arquivos da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), a Operação Condor é mencionada explicitamente como o codinome de “um acordo de cooperação entre os serviços de inteligência da América do Sul para eliminar as atividades terroristas marxistas na área”. Sob o objetivo de combater o comunismo, tudo valia a pena: essa era a principal premissa da Doutrina de Segurança Nacional, linha de ação promovida pelo governo dos Estados Unidos a partir dos anos 1950. Responsabilizou os países de seu bloco pelo combate à “ameaça comunista” dentro de suas próprias fronteiras com o apoio financeiro e técnico dos americanos. O guarda-chuva legal dessa política era a Lei de Segurança Mútua aprovada em 1951, que permitia que ajuda econômica, militar ou técnica fosse fornecida a países que compartilhavam dos interesses dos Estados Unidos. Sob essa lei, de acordo com dados da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) coletados pelo Centro Internacional para a Promoção dos Direitos Humanos (CIPDH), os americanos treinaram cerca de 125.000 militares da América Latina e Caribe entre 1950 e 1998.

Uma das primeiras jogadas de execução da Operação Condor foi o golpe militar contra o governo de Salvador Allende no Chile — que levou à ditadura Pinochet —, no dia 11 de setembro de 1973. A participação da CIA no golpe é algo que ficou amplamente demonstrado no Relatório Hinchey. Um dos principais arquitetos dessa intervenção foi Henry Kissinger, então Conselheiro de Segurança Nacional sob a presidência de Richard Nixon.

O embaixador do Brasil na época, Antonio Cândido da Câmara Canto, era um homem de extrema direita e contrário ao governo de Salvador Allende. Ele teria recebido a tarefa do General Garrastazú Médici, presidente do Brasil, de desestabilizar Allende junto com os militares brasileiros, os militares chilenos e os líderes do Patria y Libertad, com a participação da CIA. Eduardo Díaz Herrera, líder do Patria y Libertad na ausência de Pablo Rodríguez Grez, elaborou um plano no qual estavam envolvidos o Serviço Nacional de Informação (SNI) e os serviços de inteligência do exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil.

Ele e Manuel Fuentes foram a Brasília e se encontraram com oficiais superiores das Forças Armadas, entre os quais o General João Batista Figueiredo, chefe da Casa Militar da Presidência (que mais tarde seria Presidente do Brasil), e o Coronel Venceslau Malta, aos que informaram sobre a iminência do golpe no Chile. De acordo com o plano traçado, se as Forças Armadas do Chile fossem divididas, as unidades militares insurrecionais chilenas e as Brigadas Operacionais e Forças Especiais (BOFE) de Patria y Libertad ocupariam as províncias do sul do Chile, secretamente apoiadas por Brasil e Argentina, cujas Forças Armadas lhes dariam a assistência logística e as armas necessárias. 

Mais de 80 mil documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) do Brasil foram destruídos, antes do decreto assinado pelo presidente Lula e pela ministra Dilma Rousseff, determinando que fossem entregues ao Arquivo Nacional e abertos ao público. Grande parte da documentação do Centro de Informações do Exterior (CIEX), mantida pelo Itamarty, também foi destruída com o início da redemocratização. E as Forças Armadas, por sua vez, relutam em abrir seus arquivos, se essa documentação ainda não foi destruída.

Reunião entre Augusto Pinochet e Henry Kissinger

Hoje é bem conhecida a história que envolve a Globo aqui no Brasil, como partícipe ativa para a gestação do golpe militar que derrubou o governo democrático de João Goulart. Na Argentina, o jornal Clarín, que logo se tornaria um grupo multimídia também deu apoio ao golpe que derrubaria o governo de Isabel Perón. Essa conivência com o golpe a Globo no Brasil, e o Clarín na Argentina, se tornarem as mídias mais influentes e mais poderosas dos seus respectivos países. No Chile, essa missão de criar o cenário favoravel para o golpe esteve nas mãos de Agustin Edwards, que, naquele momento era o editor chefe do jornal “El Mercurio” 

Documentos desclassificados do governo dos Estados Unidos asseguram que Agustin Edwards, dono do grupo empresarial do mídias mais importante do Chile, manteve várias reuniões com membros do governo de Richard Nixon durante seu autoexílio nos Estados Unidos, enquanto Salvador Allende governava no Chile. Estes são apontados como decisivos para o apoio que a CIA deu ao golpe. Em 2015, a Associação Chilena de Jornalistas expulsou Edwards de suas fileiras por supostamente ter recebido dinheiro da CIA para uma campanha de difamação contra o governo de Salvador Allende.

Em 2015, o sindicato de jornalistas chilenos expulsou Edwards de suas fileiras por supostamente ter recebido dinheiro da CIA para uma campanha difamatória contra o governo do então presidente Salvador Allende.

Salvador Allende, o primeiro presidente socialista eleito democraticamente na região. Foto via chiletoday.cl

Salvador Allende morreu assassinado por tropas militares defendendo “La Casa de la Moneda”. Esse seria o primeiro ato de uma série de violações aos direitos humanos realizados por uma das ditaduras mais sangrentas e corruptas que a região já teve. Em 2018 a justiça chilena obrigou à família de Pinochet a devolver U$D 1.8 milhão de dólares que era parte de dinheiro público desviado pelo ditador para contas poupanças e contas fantasmas. Em total, se estima que Pinochet desviou aproximadamente U$D50 milhões de dólares, com ajuda de outros militares que forma parte do seu governo e que ainda hoje são investigados. Augusto Pinochet ainda carrega o peso de ter mandado assassinar, no seu próprio gabinete, e à luz de todos a um presidente eleito democraticamente e em função. 

Em 1976 Pinochet ordenou o assassinato do ex-chanceler de Allende, Orlando Letelier – que estava no exílio – com uma bomba sob seu carro a menos de 20 quarteirões da Casa Branca, no Sheridan Circle, em Washington. Na explosão também morreu a secretária de Letelier, Ronni Moffit.

Pinochet também criou alguns campos de prisioneiros e neles prendeu todos que considerava seus oponentes. Lá, as atrocidades cometidas ultrapassam os limites de toda imaginação. O atual Estádio Nacional de Santiago do Chile foi durante a ditadura o campo de concentração e tortura mais ‘emblemático’ para prisioneiros políticos.

Mas Pinochet não foi apenas inspirado pelos nazistas para construir seus campos de concentração, ele recorreu a um deles para encobrir torturas e desaparecimentos.

Paul Schafer, um ex-enfermeiro nazista do Exército Alemão que chegou ao Chile em 1961, colaborou com Pinochet para deter, torturar e enterrar oponentes no enclave que ele construiu no sul do país, apelidado de “Colonia Dignidad”.

Schafer subjugou centenas de cidadãos alemães e seus descendentes por décadas, abusando ainda sexualmente de crianças.

Antes de morrer assassinado por tropas enviadas por Pinochet à casa da moeda, Salvador Allende, presidente eleito democraticamente, deu um discurso memoravel. Seguem aqui alguns trechos:

“Esta será certamente a última oportunidade que posso dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as torres da Radio Postales e da Radio Corporación. Minhas palavras não são amargas, mas decepcionantes. Que eles sejam o castigo moral para aqueles que traíram o juramento que fizeram: soldados chilenos, comandantes-em-chefe titulares, almirante Merino, que se nomeou comandante da Marinha, mais o senhor Mendoza, um general rastejante que ainda ontem expressou sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou Diretor Geral dos Carabineros. Diante desses fatos, só posso dizer aos trabalhadores: não vou me demitir! Colocado em um trânsito histórico, pagarei com minha vida a lealdade do povo. E digo-vos que tenho a certeza de que a semente que demos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não pode ser colhida definitivamente. Eles têm força, podem nos oprimir, mas os processos sociais não param nem com o crime nem com a força. A história é nossa e os povos a fazem”.

“Outros homens vão superar este momento cinza e amargo, onde a traição tenta se impor. Saibam que, muito mais cedo ou mais tarde, as grandes avenidas por onde passa o homem livre se abrirão novamente para construir uma sociedade melhor.”

O povo deve se defender, mas não se sacrificar. O povo não deve se permitir ser devastado ou crivado, mas também não deve se humilhar.

Trabalhadores do meu país: quero agradecer a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas um intérprete de grandes anseios de justiça, que prometeu sua palavra de que respeitaria a Constituição e a lei, e assim fez. Neste momento definitivo, o último em que posso dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, junto com a reação, criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem com sua tradição, aquela que lhes ensinou o Reafirmaram o General Schneider e o Comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estarão em casa esperando com a mão alheia retomar o poder para continuar defendendo suas fazendas e seus privilégios.

Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores!

Estas são as minhas últimas palavras e tenho a certeza que o meu sacrifício não será em vão, tenho a certeza que, pelo menos, será uma lição de moral que vai castigar o crime, a covardia e a traição.

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