Bruno Monteiro é jornalista e produtor cultural, foi assessor especial da Presidenta Dilma Rousseff

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Não sou uma pessoa de falar sobre tudo. Prefiro, cada vez mais, me manifestar sobre o que tenho conhecimento.

Este final de semana fez muita gente falar de Dilma. Li, pensei e decidi escrever. Afinal, sobre ela, tenho “lugar de fala”.

Para grande parte da imprensa, Dilma virou um símbolo de má gestão. E o álibi mais valioso disso é sua deposição – com uma desonestidade terrível, sempre ocultando que essa mesma imprensa foi fundamental para a queda. E também pela comparação com quem hoje senta na mesma cadeira que há poucos anos ela foi a primeira mulher a ocupar.

Esse fato é justamente o que começa a desenhar uma parte da história. A sociedade tradicional (machista!) brasileira nunca suportou ter uma mulher, separada, sem sobrenome ou mando de um homem ocupando aquele lugar.

Embarcaram porque ela representava um projeto com imenso apoio popular e que movimentava as economias do país, dos bancos ao armazém da esquina. Mas sempre estranharam.

A venderam como “poste” e “sombra”. Quando perceberam sua inteligência, tentaram usar isso para a afastar do seu mentor.

A partir do momento em que ela passou a mostrar quem era, não ousaram em transformar sua personalidade forte em defeito. Aquela que teve a popularidade mais alta na titularidade do governo, inflada pela imprensa que exaltava sua “faxina”(uma definição que jamais seria usada para um homem), viu sua intolerância com a corrupção ser utilizada por essa mesma imprensa como sinal de inabilidade política, o que justificaria o golpe que sofreu, cujos argumentos são assim mesmo, constrangedores.

Outra crítica sempre presente era à sua falta de jeito em tratar com a imprensa. Nunca faltaram frases pinçadas de discursos complexos para julgá-la como “burra” ou “despreparada”. Comentaristas irônicas aproveitaram trechos de falas da então presidenta e até eventuais problemas de dicção para ajudarem a construir o discurso do tal deus mercado, que começava a não suportar mais aquela mulher que enfrentava corrupção, juros, lucros e muitos interesses.

A própria palavra “presidenta” revela muita coisa. Ao ser eleita, Dilma escolheu essa forma de ser chamada para reafirmar a presença feminina no cargo. E o que fez a grande imprensa brasileira? Ironizou, “corrigiu” e seguiu a chamando de “presidente”.

Quando o atual ocupante do cargo trata (mais uma vez) um jornalista de forma criminosa, voltam as comparações. Óbvio que me revolto, mas não deixo de estranhar.

Trabalhei com a presidenta Dilma e convivi na sua intimidade. Sei o quanto ela respeitava protocolos e a liturgia do cargo que ocupava.

Tudo com ela era minuciosamente e tensamente preparado, inclusive as entrevistas. Ela não falava de forma espontânea. Se preparava para o diálogo com jornalistas, estudava, munia-se de dados, espancava exageros midiáticos do seu próprio governo na ânsia de mostrar um cenário muito otimista. Com ela sempre foi no detalhe, na terceira casa decimal depois da vírgula. Não tinha meio termo nem frase de efeito para enganar. Sua franqueza produziu cenas históricas para o Brasil. De respostas ríspidas a receitas culinárias, com o tempero de olhares e gestos fortes, e até a coletiva encerrada pelo neto correndo pelo Palácio do Alvorada.

A foto da comemoração eufórica de um gol do Brasil na Copa estampou a criminosa capa de uma revista, com uma mentirosa manchete sobre descontrole emocional e uso de medicamentos controlados.

Essa narrativa foi essencial para que a popularidade murchasse e, com ela, o mandato de Dilma fosse encurtado por um covarde arranjo de forças – políticas, econômicas e midiáticas.

Hoje, acho graça em ver essas comparações. Sinto falta da coerência nas análises políticas, como se tudo fosse descartável e seguisse o tempo das redes, dos memes. Uma versão repaginada do “esqueçam o que eu escrevi”, pronunciado por um outro ocupante da cadeira presidencial.

Trataram um deputado que exaltava um torturador na sessão de julgamento de uma torturada como algo banal. Era, porém, enredo de uma história em que esse mesmo cidadão, agora eleito presidente da república (minúscula com ele) se sentiu no direito de ameaçar violentamente um jornalista – para além de tudo que ele já fez. Como se tudo isso não fizesse parte de uma mesma narrativa. E, pior, como se a imprensa brasileira não tivesse contribuído com tudo isso.

Precisamos de mais história. E de mais coerência. Para, finalmente, conseguirmos ser mais justos e protestarmos contra esse tempo de horror em que vivemos com honestidade.

Obrigado, presidenta Dilma, por sua postura e coerência.

A boa história há de ser mais justa. Espero que a tempo de a senhora ver.

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