Por Ana Garcia

Quem me conhece sabe que não costumo sair a noite, guardo toda minha energia do ano para as atividades do CQTL. Mas agora passei a frequentar festas virtuais. Meus amigos ficam surpresos com a minha “animação”, mas brinco que acredito ser assim a saída perfeita – bebendo sentada em casa, curtindo um som legal com a possibilidade de ir pra cama a qualquer momento. 

Semana passada adquiri meu ingresso para a minha primeira festa adulta virtual: SDDS Sentar. Para participar, tive que responder um questionário e quando selecionada para participar da festa, um email chegou com o seguinte assunto: “Você foi aprovade no curso de Med… alok”, haha. No convite vem dicas como usar uma máscara para quem não quiser mostrar o rosto, mudar o nome no Zoom e regras básicas como proibido filmar ou tirar foto. 

A festa foi organizada pelo Senta, página criada por Uno Vulpo no início do ano e que vi crescer bastante durante esse período de isolamento. Eles criam os guias mais legais da pandemia: guias de sexo. Tudo feito com muito humor e um design bem anos 50. “Cuide do seu butão”, “Como temperar o seu Leitinho”, “Antes de assar, é bom untar”, “Como aquietar o c• em casa”, só para citar alguns..

Os ingressos da festa esgotaram na noite e o público foi o mais eclético possível, com diferentes perfis e taras. Com performances de EDIYPORN e sempre selecionando alguém do público para a tela de destaque, o que é uma das coisas mais legais dessas festas. Isso e o kikiki que rola nos grupos de Whatsapp criados em paralelo às festas! Teve casal com mais de 50 anos, jovem no hospital por causa do Covid-19, casais jovens, solteiros, uns com roupas, outros sem e um ambiente bem livre para tentar liberar qualquer tensão sexual acumulada durante a quarentena. 

Conheci o Senta há um tempinho, quando a Pantynova, sex shop para mulheres, postou um guia chamado “Como bater siririca” e nós replicamos na página do Coquetel Molotov (@noarcm). O povo ficou em alvoroço e o Instagram passou a ter uma nova função para mim, uma vez que instigando nosso público com aquele guia (incentivando primeiramente essa busca pelo autoconhecimento feminino) vimos várias outras discussões emergirem nos comentários.

Buscando trazer um pouco desse mundo e tantos outros que temos descoberto, o CQTL está lançando uma série de talks performances chamada CALL CENTER. Criado e costurado por Aslan Cabral, o encontro acontecerá todas as quartas deste mês, de forma gratuita.

O primeiro dia de CALL CENTER acontece hoje (3) com a participação de representantes das Revistas Philos e Propágulo. Na quarta 17, convidamos Ali Prando, que vai introduzir sua pesquisa que virou curso online chamado “Politizando Beyoncé”. O DJ Ultra Ra encerra todos os encontros de quarta, que serão realizados pelo Sympla Streaming em parceria com o Zoom. Ingressos: http://sympla.com.br/callcenter

ACESSE AQUI

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A conversa de hoje é com Uno Vulpo, que além de designer gráfico, também é médico e no próximo dia 10 participa da segunda edição do CALL CENTER, num encontro com a Panty Nova abordando cultura sexual e autonomia do prazer. 

Você poderia se apresentar e falar como surgiu o Senta?
Bom, o Senta começou a partir de um projeto que eu tinha de desenvolver zines e lambe-lambes com temática sexual e de drogas e desmistificando conceitos/preconceitos sobre o assunto. Eu sempre tive esse viés de trabalhar essas temáticas muito por diversas vivências minhas e por eu ser geralmente o amigo que as pessoas procuram pra tirar dúvidas ou contar sobre experiências e vivências nesse sentido.

Então, várias vezes me encontrei exatamente na situação da página, trocando ideia, discutindo, aprendendo, ensinando e ressignificando coisas que estão dentro desse universo tanto das drogas como do sexo.

Eu sou designer e médico em formação, e dentro de ambas áreas foram temáticas centrais do meu estudo. Daí, por eu ser designer, quis fazer um material gráfico (os lambes e zines) pra distribuir em escolas, faculdades, centros de ensino e regiões centrais e periféricas na tentativa de deixar uma mensagem positiva. Aí começou o governo Bolsonaro, e durante o desgoverno, percebi que as pautas seriam totalmente silenciadas. Quando o Min. da Saúde (Mandetta se não me engano na época) disse que teria de ter cuidado pra falar sobre HIV/AIDS para não ofender as famílias, e quando a querida Min. Damares soltou o papo da abstinência sexual, eu meio que pirei kkkk.

Frente a um cenário de educação sexual tão precária que temos no país, e ao avaliar como as políticas de abstinência sexual são ridiculamente mal sucedidas em ambientes onde é aplicada (Uganda por exemplo), percebi que precisaria ampliar meu projeto para um ambiente mais vocal, e menos artístico. Então resolvi fazer um podcast, e comecei o instagram pra apenas comportar o conteúdo que eu iria abordar no mesmo. No fim da história, o podcast será lançado ainda na próxima semana e a página do instagram veio primeiro com o trabalho e abordando as pautas do prazer de forma mais disruptiva, real (sem jacobices), palpável e didática, numa linguagem jovem, pra atingir exatamente esses que estão crescendo e não tem boas referências para aprender sobre o assunto.

Vi que você começou a página em janeiro, mas a partir do isolamento social as postagens e guias foram publicadas com mais frequência. Como descreve o desenvolvimento do trabalho do Senta no decorrer das diferentes etapas do distanciamento?
Então, eu iria falar sobre muita coisa que fazemos a dois ou com mais pessoas hahaha Mas aí veio a praga da Damares que realmente tá fazendo as pessoas se absterem de drogas e de sexo um tempinho. Então, estou abordando atualmente questões que envolvem o sexo mais consigo mesmo que no momento que tem outros corpos envolvidos. Não necessitei adaptar, mas apenas adiantar e reorganizar conteúdos e pautas que quero abordar. Então, hoje foco num link com o isolamento social, onde todas as pessoas se encontram em extremos de libido, muitas exagerando nas drogas como mecanismo de enfrentamento e por aí vai. A partir do isolamento, já falo mais livremente até sobre questões que envolvem mais de um corpo e situações mais sociais.

Como fica o inbox da página com os seguidores sendo bombardeados com tantos “gatilhos”?
Gata! Chocante ahahahaah. As pessoas se identificam muito com o conteúdo, pois é algo que todos sentimos, mas reprimimos ou limitamos discutir. Então vêem no meu inbox uma oportunidade de trocar ideia e tirar dúvidas, e eu se conseguir as tiro ou pelo menos ouço haha. E numa situação dessa, que todo mundo tá com a cabeça a mil, acabam ficando mais curiosos ou confrontados incessantemente com as pautas que eu trato, e aí vão no inbox direto pra saber se pode enfiar um nabo no ânus ou não ou quais os limites do uso de cocaína por exemplo.

É muito engraçado, porque tem todos os perfis de pessoas. Desde a galera da bolha mais hipster, esquerda, desconstruída, até pessoas mais conservadoras, com vidas mais “normativas”, tipo executivas e executivos engravatados ou donos e donas de casa mais caseiros. E sempre vem com todo tipo de curiosidade e pergunta. E eu tento na medida do possível criar esse espaço onde o diálogo é aberto e sem tabus. Eu, no meu exercício médico, senti que dentro dos consultórios mesmo, que é onde seria um ambiente onde seria super necessário o máximo de franqueza e sinceridade, é na verdade o último lugar onde isso acontece, tal como nas escolas, onde os jovens deveriam tirar suas dúvidas. Então, eu tento suprir um pouco dessa demanda de informação confiável e verificada (em termos de sáude, faço um trabalho extenso pesquisando e avaliando tudo que escrevo) e também desprendida de moralismos.

O modo como a sexualidade é abordada na página se torna um posicionamento político firme, diante de uma sociedade tão acostumada a consumir conteúdo sexual/erótico com um viés completamente fantasioso e pouco informativo. Quais ambientes fora as redes você visualiza essa mensagem chegando?
Então, vejo como sempre quis no início. Quero ampliar os rumos dessa informação em ambientes festivos, educativos, conservadores ou descolados por meio de materiais físicos ou por meio de conversas mesmo. Sempre tentando atingir as pessoas com pautas que realmente façam sentido, e não um “não use drogas” que nunca funcionou e nunca vai funcionar.

Conta um pouco sobre a festinha adulta SDDS Sentar e suas inspirações para criar o evento online!
Então menina, vai rolar uns babado forte. Na verdade eu tenho poucas expectativas nesse sentido, espero apenas que seja um ambiente que as pessoas se experimentem e entrem em contato com coisas que nunca viram ou nunca experimentaram. Tem uns casais mandando mensagem dizendo que vão aproveitar a ocasião pra transar ao vivo e experimentar uma experiência com vouyer, outros que querem ser os vouyer e se aproveitarem mas escondidinhos com a câmera desligada. Outras pessoas, que estão sozinhas em isolamento querem um ambiente pra beber e fumar um de boa e ver o que rola. Então, cada um tem um objetivo, como qualquer outra festa.

Para animar o pessoal e incentivar a entrarem de cabeça na put*ria, vai rolar umas performances bem sexuais pelo pessoal da EDIY Porn que é uma agência de pornografia desviante (trabalha de forma pós-pornográfica, com contratos bacanas e sem corporificações padrão). E uma musiquinha chic também pra animar o pessoal.

Sobre inspiração, eu tenho de muitos eventos presenciais que já fui. Nunca fui em um online do tipo, mas sei que aconteceram vários e fui pesquisando como foram as coisas e aplicando no meu. Meu único pressuposto desde o início era que tivessem todos os gêneros envolvidos, pq normalmente esses eventos são muito voltados pro público gay, e queria quebrar um pouco disso e procurar algo mais plural :).

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