Assassinar crianças negras é uma política de Estado no Rio de Janeiro, cidade com a maior população do mundo degredada e escravizada da África para o Brasil. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleça que a adolescência comece aos 12 anos, a sociedade considera João Pedro, de 14 anos, uma criança; pobre e negro, assassinado por agentes públicos, como vem acontecendo continuadamente nas favelas do Rio de Janeiro, comprovando se tratar de política de Estado. A política de segurança pública é dever do Estado, como estabelece o artigo 144 da Constituição Federal, que elenca tal atribuição à polícia federal e às polícias civis, dirigidas por delegados de carreira, e outros órgãos.

João Pedro foi assassinado dentro da casa do seu primo, alvejada com cerca de setenta tiros no Complexo do Salgueiro, município de São Gonçalo/RJ. A justificativa para tais operações policiais é sempre o combate ao tráfico de drogas. Trata-se de uma farsa pois, assim como a cerveja, o cigarro e o café, maconha e cocaína são produtos, só que ilegais, e nenhum mercado é combatido em sua ponta, no varejo, muito menos nas favelas.

Não estamos falando de um simples comércio, mas de mercados com enormes cadeias produtivas: produção, distribuição, atacado e varejo. A Lei 12529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro da Concorrência, determina que compete ao Tribunal Administrativo de Defesa da Concorrência julgar as prática infrativas ao mercado. Esses casos são julgados a partir de empresas que tem poder de mercado, jamais pelos varejistas. Portanto, a alegação do Estado, de que essas incursões da polícia nas favelas visam combater o tráfico de drogas é falsa. Se desejassem de fato reprimir o mercado de maconha, por exemplo, não dariam um tiro sequer, pois atacariam, ao menos, seus operadores financeiros ou transportadoras/distribuidoras de carga. A cocaína é transportada em quilos por helicópteros e aviões, mas a maconha chega do Paraguai às toneladas em caminhões de carga.

A maconha não é vendida nas favelas através de cheque, cartão de crédito ou débito em conta, mas sim em “dinheiro vivo”, ou seja, notas e moedas oficiais emitidas pela Casa da Moeda. Duvido que alguém se arrisque a comprar uma “mutuca de maconha” com dinheiro falsificado. Em 2017, uma megaoperação da polícia civil apurou que o Batalhão de Polícia Militar de São Gonçalo recebia 1 milhão por mês de propina do varejo do tráfico, dividida por seus policiais. Foi apurado que os PMs chegavam a montar bocas, onde vendiam maconha e cocaína.

Não quero dizer que a repressão deve ser ampliada, pois tenho consciência de que o sistema penal não serve para prender ricos, mas sim pobres, para manter à bala nossa terrível desigualdade social. O mercado da maconha deve ser o primeiro a ser legalizado, da mesma forma que vem acontecendo, por exemplo, nos Estados Unidos da América. No Brasil, esses bilhões e seus tributos arrecadados deveriam ficar nas favelas, com investimentos no precário ou mesmo inexistente saneamento básico.

O problema central é que a mídia e a grande maioria da população apoiam tais operações policiais. Quando amigos e familiares se defendem afirmando que as vítimas não eram traficantes, nem tinham passagem pela polícia, sua atitude reflete um discurso do senso comum, de que, se houvesse ficha criminal, a operação policial e o assassinato pelo Estado estariam justificados, o que não deixa de ser uma forma de apoio tácito.

As alegadas operações policiais contra o tráfico de drogas consistem numa verdadeira farsa. Não podemos continuar apoiando essas incursões genocidas e racistas do Estado nas favelas!

 

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